O Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu nesta segunda-feira (11) mais de 30 especialistas e representantes de órgãos públicos e instituições no primeiro dia da audiência pública que discute os impactos das apostas online (bets) no Brasil.
Ao fim dos trabalhos do dia, o ministro Luiz Fux agradeceu a presença de expositores nacionais e estrangeiros que apresentaram seus argumentos. Fux ressaltou a importância do processo democrático-participativo das audiências públicas convocadas pelo STF, uma vez que os ministros não dominam todos os aspectos abordados. A audiência pública prossegue nesta terça-feira (12), das 10h às 12h.
O caso chegou ao Supremo na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, em que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) pede que a Lei das Bets (Lei 14.790/2023) seja declarada inconstitucional pelo STF.
Ao convocar a audiência, Fux explicou que o objetivo é esclarecer questões associadas à saúde mental, aos impactos neurológicos das apostas, aos efeitos econômicos da prática para o comércio e a seus efeitos na economia doméstica, além das consequências sociais desse novo marco regulatório.
Veja abaixo o resumo das exposições:
Manhã
Felipe De Sá Tavares, representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
O economista-chefe da CNC, autora da ação, defendeu a necessidade de regulamentação das apostas online. Para ele, a decisão é sensível e, por isso, deve ser baseada em evidências. Entre os estudos apresentados pela CNC, ele destacou dados que demonstram o crescimento descontrolado das apostas no país, com impacto negativo no padrão de consumo da família brasileira.
Paulinho da Força, deputado federal e presidente do partido Solidariedade
Para o parlamentar, as bets não geram empregos nem impostos no Brasil, além de enviar ao exterior o dinheiro que o país arrecada nesse setor. Ele pediu que o STF barre o que chamou de “dragão”, que, se não for impedido, “continuará comendo o dinheiro do povo brasileiro mais pobre”.
Leonardo Albernaz, representante do Tribunal de Contas da União (TCU)
O secretário de Controle Interno do TCU informou que o órgão está fiscalizando o universo das apostas online, com foco em cinco temas: saúde pública, endividamento dos apostadores, riscos de lavagem de dinheiro e de outros crimes, segurança de dados e questões tributárias sobre as casas de apostas. Disse ainda que os resultados serão enviados ao Poder Executivo, ao Congresso Nacional e ao STF.
Cecilia Vieira de Melo Sá Leitão, representante da Procuradoria-Geral da República (PGR)
A procuradora da República explicou que a presença do Ministério Público Federal na audiência pública tem o objetivo principal de ouvir as manifestações de todos os participantes, para que sirvam de apoio técnico na elaboração do parecer que a PGR apresentará ao STF sobre o caso.
Regis Anderson Dudena, representante do Ministério da Fazenda
O secretário de Prêmios e Apostas da pasta acredita que a Lei das Bets regulou lacunas importantes, ao melhorar a segurança jurídica, a proteção dos apostadores e a economia popular. Dudena explicou que a secretaria tem competência para regulamentar o tema.
Adriano Massuda e Sônia Barros, representantes do Ministério da Saúde
O secretário de Atenção Especializada em Saúde defendeu regulamentação mais rigorosa, destacando a gravidade dos danos à saúde mental. Já a diretora do Departamento de Saúde Mental da pasta mostrou dados sobre o aumento das apostas, dos valores e dos atendimentos nas unidades de saúde de pessoas com transtorno do jogo. O levantamento demonstra que os gastos das famílias mais pobres são 32% maiores em relação às mais ricas.
Clara Carolina de Sá, representante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
A representante da pasta disse que, apesar de ainda não ser possível estimar com clareza os reais impactos das bets no país, diferentes estudos apontam para implicações negativas, como endividamento das famílias e consequências na arrecadação estatal. Ela destacou que o acesso facilitado a plataformas de apostas e o estímulo ao consumo podem levar a um comportamento compulsivo, atingindo, de forma preocupante, as classes sociais mais vulneráveis.
Gustavo Binenbojm, representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)
O representante da associação de classe defendeu a Lei 14.790/2023 para regular o setor, por considerá-la alinhada às normas internacionais e rigorosa quanto aos deveres das casas de apostas e da propaganda desses serviços.
Tarde
Ana Míria Carvalho, representante do Ministério da Igualdade Racial
A secretária-adjunta da pasta mostrou preocupação com o impacto desproporcional das bets na população preta e parda. Ela enfatizou a importância de uma regulamentação cuidadosa do tema e da realização de mais pesquisas com foco em marcadores sociais, como raça e gênero.
Giovanni Rocco Neto, representante do Ministério do Esporte
O secretário nacional de Apostas Esportivas e Desenvolvimento Econômico defendeu que as ações de bloqueio dos sites ilegais devem ser rápidas e eficientes. Segundo ele, o ministério tem grande preocupação com o risco à imagem do esporte no país. “A paixão nacional do brasileiro, o futebol, tem que ser protegida, com olhar especial em defesa das crianças e dos adolescentes”, disse.
Luciana Leal, representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
Segundo a procuradora-geral adjunta administrativa, a lei propõe, traz comandos para coibir os danos à economia, às finanças pessoais e à saúde dos brasileiros. Contudo, seu efeito protetivo só poderá ser avaliado com o funcionamento do mercado regulado, a partir de janeiro de 2025.
Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos, representante do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
O diretor de Supervisão da instituição apontou que o setor de apostas envolve riscos diferenciados de uso da atividade para lavagem de dinheiro e crimes correlatos. A seu ver, apesar de a lei atual atender a padrões internacionais, é preciso rigor no monitoramento das transações e na comunicação de indícios de crimes ao Coaf.
Leonardo Cardoso de Magalhães, representante da Defensoria Pública da União (DPU)
O defensor público-geral federal disse que a lei promoveu um avanço, mas acha necessária a adoção de medidas complementares para minorar as consequências sociais às famílias mais vulneráveis. Para ele, a responsabilidade patrimonial do devedor deve prevalecer quando está em jogo o sustento de uma criança ou a dignidade de um trabalhador.
Daniel Corrêa Homem de Carvalho, representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB)
Para o presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento, a resposta a todas as mazelas atribuídas ao sistema de apostas não regulamentado está sendo dada de forma apropriada pelo Ministério da Fazenda. “Se entregarmos consumidores e jogadores compulsivos à sanha dos sites ilegais, não haverá controle. As questões relativas à saúde pública, às finanças dos consumidores e à integridade do esporte se tornarão ainda mais graves”, disse.
Hazenclever Lopes Cançado, representante da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj)
O presidente da Loterj afirmou que o exemplo do seu estado mostra que é possível regular as apostas esportivas e garantir os direitos previstos na Constituição, como a dignidade humana, o direito à saúde, a proteção de crianças e adolescentes e a salvaguarda dos interesses da população vulnerável. Segundo Lopes, as bets regulamentadas no Rio de Janeiro operam há 18 meses sem intercorrências, recolhendo impostos e garantindo emprego, riqueza e renda.
Pablo Wosniacki e Rafael Halila Neves, representantes da Loteria do Estado do Paraná (Lottopar),
Assessor da Diretoria Operacional, Wosniacki afirmou que o mercado de loterias em seu estado é regulamentado e seguro. Para Neves, diretor técnico da autarquia estadual, a regulamentação é a oportunidade de educar a sociedade, e a falta de regras claras impediria a fiscalização do setor.
Juliana Nakata, representante do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar)
A vice-presidente executiva do Conar disse que a instituição estabeleceu diretrizes para que a publicidade de apostas não traga a ideia de enriquecimento rápido, aborde o conceito de jogo responsável e não seja direcionada a crianças.
Magno José Santos de Sousa, representante do Instituto Brasileiro do Jogo Legal (IJL)
O presidente da instituição afirmou que está havendo uma invasão de sites ilegais que, atuando do exterior, se aproveitam da ausência de regulamentação para explorar apostas de uma forma que classificou como “leviana e criminosa”.
Pietro Cardia Lorenzoni, representante da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL)
Para Lorenzoni, a regulamentação da matéria dará respostas às preocupações sobre o jogo patológico e à proibição de apostas de crianças e adolescentes. Ele disse, ainda, que a regulação do setor vai permitir uma arrecadação de mais de R$ 4 bilhões em licenças, além dos impostos.
Andreia Schroder, representante do Grupo Mulheres do Brasil
Ela destacou que é necessário levar em conta o perfil dos apostadores ao regulamentar a matéria. Em seu entendimento, deve ser considerado o impacto no orçamento familiar, pois 85% dos apostadores são das classes C, D e E e muitos já tiveram prejuízos.
Frei David Santos, representante da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro)
Ele disse ser contrário à regulamentação das bets, mas, caso isso ocorra, defendeu a utilização de biometria e reconhecimento facial para evitar que crianças e adolescentes joguem. A seu ver, é necessário direcionar 50% dos valores arrecadados aos prêmios, e os jogos devem ser administrados pelo Estado, para que a renda líquida seja destinada a programas sociais.
Celso Cintra Mori, representante do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR)
Ele defendeu a validade da Lei das Bets, que, segundo ele, possibilitou ao Ministério da Fazenda editar diversas normas para manter a legalidade do setor de jogos, identificar jogadores patológicos e permitir seu tratamento, além de coibir a lavagem de dinheiro.
Hermano Tavares, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead)
O professor da USP e membro da comissão da psiquiatria da ABP afirmou que os mecanismos de controle previstos na Lei das Bets são insuficientes para prevenir o jogo patológico. Segundo ele, a indústria de jogos alimenta os excessos nas apostas e a ilusão de controle, e, por esse motivo, a publicidade do setor deveria ser vetada nos meios de comunicação, ficando restrita aos pontos de venda.
Márcio Borges Malta, representante da Associação Internacional de Gaming (Aigaming)
Malta informou que o Brasil tem entre 28 e 30 milhões de apostadores e que a maior parte dos estudos referentes à ludopatia (compulsão por jogos de azar) decorre dos jogos físicos. Ele defendeu o jogo responsável, com a identificação de usuários, definição de limites de gastos, bloqueio em rede de jogadores patológicos e alertas de risco.
Luís Vicente Magni De Chiara, representante da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
O diretor jurídico da federação afirmou que as primeiras análises sobre as apostas online indicam impactos no crédito e aumento da inadimplência. Segundo ele, a maioria dos apostadores são jovens entre 20 e 30 anos que gastam cerca de R$ 100 por mês em apostas digitais. Além disso, o público principal vem das classes C, D e E, grupos com menor educação financeira e maior dificuldade de acessar crédito.
Brigitte Sand, especialista estrangeira
A consultora e ex-diretora da Autoridade Dinamarquesa de Jogos e Apostas apresentou a experiência na regulação do jogo em seu país. Ela afirmou que a legislação, aprovada em 2010 por unanimidade pelo Parlamento, visou proteger os apostadores e garantir que o serviço seja prestado “de forma justa, responsável e transparente”. Segundo ela, nove em cada dez apostadores dinamarqueses atuam no mercado lícito, o que demonstra que a nova regulamentação foi bem acolhida e que os jogadores preferem apostar de forma responsável e em ambiente regulado.
Carlos Hernández Rivera, especialista estrangeiro
Ex-diretor-geral do órgão regulador do jogo na Espanha, Rivera estava à frente da entidade quando o mercado foi regulado em seu país. A seu ver, a regulação do jogo, tanto presencial quanto online, é a melhor maneira de proteger a sociedade e a economia dos efeitos adversos da atividade. Segundo ele, a legislação espanhola busca prevenir possíveis comportamentos patológicos, especialmente em grupos vulneráveis, além de proibir atividades como lavagem de dinheiro e terrorismo.
João Francisco de Aguiar Coelho, representante do Instituto Alana
O representante explicou que a entidade defende os direitos da criança e dos adolescentes, e esse público é o mais impactado pela proliferação das apostas online. Por serem pessoas em desenvolvimento, crianças e adolescentes são mais suscetíveis aos prejuízos causados pelas apostas, pois não têm condições cerebrais de responder aos estímulos de jogos e de vícios como os adultos.
Andrea Magalhães, do Laboratório de Regulação Econômica da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A pesquisadora ressaltou que o controle dessas atividades pode ser inviabilizado se a regulação for adiada. Segundo ela, as apostas online geram prejuízos sociais, econômicos e mentais já comprovados, e a avaliação de estratégias regulatórias precisam ser exigidas e constantemente atualizadas.
Isadora Valadares Assunção e Pedro Henrique Figueiredo, do Laboratório de Direito das Novas Tecnologias e Modelos de Negócios Disruptivos da USP (NPD TechLab)
A pesquisadora falou que as plataformas de apostas online usam estratégias digitais obscuras que, em vez de informar, manipulam e confundem os consumidores, levando-os a tomar decisões que não fariam se tivessem todas as informações. Por sua vez, Figueiredo afirmou que as plataformas ocultam informações sobre o funcionamento dos jogos, com instruções em outras abas, sobrecarga de informações nas telas e vídeos explicativos em outros idiomas.
(Redação/AD//CF)
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