O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um sargento da Marinha do Brasil, integrante da missão de Paz das Nações Unidas (ONU) no Líbano.
Na primeira instância da Justiça Militar da União (UMU), em Brasília, o sargento foi condenado a quatro anos, cinco meses e 22 dias de reclusão. Ele foi acusado de abuso sexual, cometido contra duas mulheres libanesas e de divulgação de imagens via aplicativo de mensagens. A ação penal correu em segredo de justiça e a sentença de primeiro grau é de maio de 2021.
Na mesma sentença, o militar também recebeu do Conselho Permanente de Justiça (CPJ), da 1ª Auditoria Militar de Brasília, a pena acessória de exclusão das Forças Armadas. O réu foi acusado pelos crimes constranger alguém, sob ameaça, a manter ato libidinoso diverso da conjunção carnal, crime previsto artigo 233 de Código Penal Militar e por divulgação de cena íntima sem autorização, crime previsto no artigo 218-C do Código Penal Brasileiro.
O graduado, que fazia parte do contingente brasileiro da ONU, compondo os chamados blue helmets, onde os membros representam, em primeiro plano, a Organização das Nações Unidas, e, depois, o seu país, teve a pena aumentada em um quinto, justamente por representar a ONU e o Brasil.
O caso ocorreu entre abril e junho de 2019. Segundo o Ministério Público Militar (MPM), o sargento, durante o desempenho de suas funções na missão da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FTM-UNIFIL) conheceu duas mulheres, por meio de um aplicativo de relacionamento, mantendo íntimo relacionamento com ambas. Em determinado momento, constrangeu uma delas, mediante violência e sem consentimento, a praticar consigo ato libidinoso, abusando da confiança nele depositada pela vítima. O militar também teria transmitido a terceiro, via aplicativo de mensagens, sem o consentimento da ofendida, cena de sexo, envolvendo a vítima, identificando-a expressamente como sua namorada. Em juízo, o militar negou a prática de agressão ou violência e não esclareceu o tipo de relacionamento que mantinha com a Ofendida.
A juíza federal da Justiça Militar da União Flávia Ximenes Aguiar, que presidiu o Conselho de Justiça, composto por mais quatros oficiais da Marinha, arguiu, em seu voto, que a Defesa do militar sustentou que não haveria prova de que a imagem analisada no processo fosse de uma das vítimas, a fim de justificar a invocação do princípio do in dubio pro reo. Entretanto, afirmou a juíza, mesmo que a imagem não estivesse suficientemente associada à mulher, a contraprova, aventada pela defesa, somente seria possível por intermédio de violação íntima ainda maior em relação a ofendida, a exigir (o inexigível) que a ofendida, ou mesmo outra pessoa que recebeu as imagens, apresentasse suas partes íntimas para serem comparadas com a foto divulgada, a fim de contradizer a associação de imagens feita.
“Impensável tal possibilidade. Ora, se ele manda uma foto de rosto, abraçado com a vítima, dizendo que esta é a “minha namorada libanesa” e, depois, manda uma foto, mantendo conjunção carnal, e afirma ser esta a sua namorada, então, restou configurada a violação da intimidade da libanesa, uma vez que a imagem do ato sexual foi a ela atribuída, sem chance, no repasse da imagem, de qualquer contestação”.
Para a magistrada, todo o arcabouço probatório apontou no sentido de que o acusado, com consciência e vontade, transmitiu o registro fotográfico de cena de sexo, identificando como sendo ele próprio com a libanesa, sem que houvesse consentimento para tal associação de imagens e divulgação.
“Restou evidente que o sargento era “habitué” e vezeiro em aplicativos de relacionamento e expôs o bom nome da Força de Paz e do Brasil ao se envolver, de forma leviana e irresponsável, com as locais, sem um mínimo de preocupação com o desenrolar de suas aventuras, a ponto de a ONU ter acionado as cláusulas do Memorandum of Understanding, para que o Brasil tomasse as providências sobre a noticia criminis registrada naquele Organismo Internacional”.
Os demais juízes do CPJ seguiram o voto da magistrada e condenaram o réu, ao qual foi assegurado o direito de recorrer em liberdade.
Recurso do STM
Inconformada com a sentença, a defesa do sargento recorreu ao Superior Tribunal Militar, entre outros, questionando e arguindo haver debilidade do diálogo em língua estrangeira; de haver um relacionamento amoroso entre a vítima e o militar; e da exigência de laudo pericial nos crimes que deixam vestígio.
Na Corte, houve pedido de vista e interpretações divergentes. Por fim, por maioria de votos, a Corte seguiu o voto do ministro Artur Vidigal de Oliveira, que manteve a sentença de primeira instância.