Um coronel da reserva do Exército Brasileiro teve a tipificação do seu crime modificada após julgamento no Superior Tribunal Militar (STM). O militar foi condenado em primeira instância a cinco anos de reclusão pelo crime de peculato, artigo 303 do Código Penal Militar (CPM), por utilizar recursos da Força para perfurar poços particulares. No entanto, na corte superior, o delito foi enquadrado em “inobservância de lei, regulamento ou instrução”, art. 324 do CPM.
O oficial foi acusado formalmente pelo Ministério Público Militar (MPM) no ano de 2014. De acordo com a denúncia oferecida, o réu era comandante do 3º Batalhão de Engenharia de Construção (3º BEC), situado na cidade de Picos (PI), entre 2007 e 2009, quando recebeu R$ 123.430,00 resultantes da perfuração de poços em propriedade particulares. Desse montante, apenas a quantia de R$14.250 mil teriam sido recolhida aos cofres públicos.
O MPM apontou ainda que embora o réu afirme que a diferença de dinheiro recebido tenha sido empregada em proveito da organização militar, a perícia realizada constatou que somente R$ 3.273,54 do valor apurado com a perfuração de poços foram gastos em obras no quartel. A acusação ressaltou ainda que todo comandante de organização militar sabe que deve depositar qualquer recurso externo ao orçamento, especialmente em espécie, na conta única da Unidade Gestora, o que não se verificou no caso. Assim, enfatizou que o Conselho Especial de Justiça para o Exército foi preciso ao concluir que o acusado apropriou-se de R$ 92.031,46.
O MPM destacou ainda que a evolução dos recursos que ingressaram na conta-corrente do agente nos anos em que foi comandante é incoerente com o seu soldo, e afirmou inexistir dúvidas sobre a autoria e a materialidade delitivas, bem como sobre não haver qualquer causa excludente de ilicitude ou culpabilidade, razão pela qual pediu a manutenção da sentença de primeira instância.
A defesa do réu, que foi responsável pelo recurso de apelação interposto no STM, refuta as acusações. Nos argumentos, aduz que houve erro do laudo pericial técnico e que, em razão disso, requereu novo julgamento do acusado. Destacou que as provas não demonstram, com a certeza necessária, a apropriação pelo réu dos recursos advindos da locação de equipamentos para perfuração de poços. Afirmou ainda que o fato de ele estar na posse dos recursos oriundos da perfuração de poços e não os recolher integralmente aos cofres públicos não implica, necessariamente, na conclusão de que teria se apropriado dos respectivos recursos.
A defesa prosseguiu defendendo que o órgão ministerial não teria logrado êxito em comprovar a ocorrência do delito. Alegou ser insuficiente o laudo pericial referente ao sigilo bancário, pois tanto a acusação quanto a sentença teriam extraído, de forma indutiva e tendenciosa, a conclusão de que os ingressos na conta-corrente do apelante teriam origem ilícita. Paralelamente, solicitou pelo provimento do apelo para absolver o coronel.
Entendimento do STM
No julgamento realizado no STM, a turma não estava em harmonia, tendo prevalecido o voto da ministra revisora do processo, Maria Elizabeth Rocha. A magistrada enfatizou que de fato o militar permitia que veículos e maquinários da unidade militar fossem destinados à realização de serviços privados, tais como a perfuração de poços em propriedades particulares.
A ministra Elizabeth continuou afirmando que o dinheiro recebido por tais serviços não era recolhido ao Tesouro Nacional, mas que o intuito do comandante da OM era o de tão somente manter a equipe treinada e o maquinário em perfeito funcionamento. Para chegar a essa conclusão, a ministra refutou pontos da perícia realizada na época, concluindo que a conta-corrente que teve seu sigilo bancário quebrado nada provava, uma vez que não foi possível concluir a origem de diversos recursos da mesma para provar se eram lícitos ou não.
“Entendo que se o órgão acusatório não lançou mão de recurso que estava a seu dispor para esclarecer a questão de forma definitiva, é impossível classificar-se como sendo de origem não comprovada os valores bancários ou reputá-los como fruto de uma atividade ilícita. Afinal, o direito penal é calcado em certeza e não presunção”, defendeu a ministra.
“Após a análise fático-jurídica, observo que a atitude dolosa do agente é certa, principalmente por possuir longa experiência de serviço, o que o obrigava a conhecer as normais legais a que estava vinculado. No entanto, as elementares do delito de peculato não restaram provadas, motivo pelo qual desclassifico o crime para o art 324 do CPM”, concluiu a ministra.
O coronel foi condenado à pena de seis meses de suspensão do exercício do posto, convertida em prisão por seis meses, com benefício do sursis e direito de recorrer em liberdade.