Olá
amigos do Dizer o Direito,
Vamos
simular uma questão discursiva que pode ser cobrada em sua prova?
Imagine
a seguinte situação hipotética (adaptada do caso concreto):
José
estava conduzindo normalmente seu veículo em uma via de mão dupla quando foi “fechado”
pelo carro de Paulo, que dirigia imprudentemente. Em razão desse fato, o
veículo de José entrou na contramão e atingiu Pedro, que pilotava uma moto.
Por
conta do acidente, Pedro teve amputada uma das pernas.
Ação
de indenização
Pedro ingressou com ação de indenização
contra José cobrando danos materiais, morais e estéticos. No que tange aos
danos materiais, o autor pediu que o réu fosse condenado a custear as despesas
com o tratamento de saúde e a pagar uma pensão mensal até o final da vida de Pedro.
Contestação
Em sua contestação, José alegou que:
a) Não foi o culpado pelo acidente,
tendo agido com base em estado de necessidade;
b) Ainda que fosse culpado, não havia
fundamento jurídico para que fosse condenado a pagar uma pensão mensal à
vítima;
c) Ainda que fosse condenado a pagar
uma pensão mensal, esta deveria ser fixada até o dia em que a vítima
completasse 65 anos;
d) Não seria possível a cumulação de
danos morais e estéticos, considerando que este estaria necessariamente
abrangido por aquele.
Responda
as perguntas a seguir segundo a jurisprudência do STJ:
a) José tem
o dever de indenizar a vítima, mesmo tendo agido sob estado de necessidade?
SIM, persiste seu dever de indenizar.
O ato praticado em estado de
necessidade é lícito,
conforme previsto no art. 188, II, do CC:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou
no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da
coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II,
o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente
necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
No entanto, mesmo sendo lícito, não
afasta o dever do autor do dano de indenizar a vítima quando esta não tiver
sido responsável pela criação da situação de perigo. É o que preconiza o art.
929 do CC:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono
da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo,
assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Desse modo, o causador do dano, mesmo
tendo agido em estado de necessidade, deverá indenizar a vítima e, depois, se
quiser, poderá cobrar do autor do perigo aquilo que pagou:
Art. 930. No caso do inciso II do art.
188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do
dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Logo, José, mesmo tendo agido em estado
de necessidade, tem o dever de indenizar Pedro, considerando que este não foi o
autor do perigo. Após pagar a vítima, José poderá ajuizar ação regressiva
cobrando de Paulo o que pagou.
Repare que se trata de algo bem
interessante: o autor do dano agiu de forma LÍCITA uma vez que estava sob o
manto do estado de necessidade, no entanto, mesmo assim tem o dever de
indenizar.
O Min. Sanseverino explica que o fundamento
para essa opção legislativa é a equidade, aplicando-se a chamada teoria do sacrifício, bem desenvolvida pelo
doutrinador português J.J. Gomes Canotilho (O
problema da responsabilidade do estado por actos lícitos
. Coimbra: Almedina,
1974).
Pela teoria do sacrifício, diante de uma
colisão entre os direitos da vítima e os do autor do dano, estando os dois na faixa
de licitude (os dois comportamentos são lícitos), o ordenamento jurídico opta por
proteger o mais inocente dos interesses em conflito (o da vítima), sacrificando
o outro (o do autor do dano).
b) Há fundamento jurídico para que José seja condenado a
pagar uma pensão mensal à vítima?
SIM, havendo previsão no art. 950 do
CC:
Art. 950. Se da
ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou
profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das
despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá
pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se
preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
O art. 950 afirma que, a se lesão
provocada reduzir ou impossibilitar a capacidade de trabalho da vítima, o autor
do dano deverá pagar como indenização:
• Despesas do tratamento de saúde;
• Lucros cessantes até ao fim da
convalescença;
• Pensão correspondente à importância
do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
c) Até
quando essa pensão deverá ser paga? Até 65 anos, com base na expectativa de
vida da vítima?
NÃO. Não se considera para efeito de concessão
da pensão a expectativa de vida do ofendido, como ocorre no caso de homicídio:
Art. 948. No caso de homicídio, a
indenização consiste, sem excluir outras reparações:
II – na prestação de alimentos às
pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida
da vítima.
No caso de indenização por dano à saúde
da vítima que gerou redução ou impossibilidade permanente de trabalho, o
fundamento para a indenização é o art. 950 do CC, que não estabelece limite de
tempo para essa pensão. Logo, entende-se que se trata de uma pensão vitalícia,
ou seja, que perdurará até a morte do ofendido.
Trata-se de uma solução legal justa e
lógica, considerando que, após atingir essa idade-limite (65 ou 70 anos de idade),
o ofendido continuará necessitando da pensão e talvez de modo ainda mais agudo,
em função da velhice e do incremento das despesas com saúde.
d) É
possível a cumulação de danos morais e estéticos?
Claro, trata-se de tema pacificado. Nesse
sentido:
Súmula
387-STJ: É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral.
As respostas para essa questão foram
baseadas em um recente julgado da Terceira Turma do STJ (REsp 1.278.627-SC,
Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2012).
Vale ressaltar, no entanto, que o
enunciado da questão acima proposta foi apenas inspirado no caso concreto
julgado pelo STJ, possuindo algumas diferenças.

Artigo Original em Dizer o Direito

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