Estados e Municípios podem restringir temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a proliferação da Covid-19?


 

A situação concreta foi a seguinte:

Diante do aumento do número de casos de
Covid-19, alguns Estados e Municípios editaram decretos restringindo
temporariamente atividades religiosas coletivas presenciais a fim de evitar a
proliferação da doença.

Nesse sentido, o Estado de São Paulo
editou o Decreto nº 65.563/2021, que em seu art. 2º, II, “a” proibiu a
realização de “cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter
coletivo”.

O Partido Social Democrático (PSD)
ajuizou ADPF pedindo para suspender esse dispositivo do Decreto nº 65.563/2021.

Segundo
argumentou o partido, essas restrições não poderiam ser impostas porque
violariam a liberdade religiosa (liberdade de crença e de culto) prevista no
art. 5º, VI e no art. 19, I, da CF/88

Art. 5º
(…)

VI – é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias; 

 

Art. 19. É
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I –
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com
eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público;

(…)

 

O STF concordou com o pedido do autor?

NÃO. O STF, por maioria, julgou
improcedente o pedido formulado na ADPF.

Ficaram vencidos os ministros Nunes
Marques e Dias Toffoli.

A
conclusão da Corte foi a seguinte:

Liberdade religiosa

A liberdade de crença e de culto,
usualmente caracterizada apenas pela fórmula genérica “liberdade religiosa”,
constitui uma das primeiras garantias individuais previstas pelas declarações
de direitos do Século XVIII. Trata-se de direito humano fundamental.

A liberdade religiosa foi prevista em
diversos documentos internacionais, podendo ser destacados os seguintes:

· artigo
18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);

· artigo
9º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950);

· artigo
12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969);

· artigo
8º da Carta Africana de Direitos Humanos (1981).

 

Dimensões da liberdade religiosa

A liberdade religiosa pode ser dividida
em duas dimensões:

a) Dimensão interna (forum internum):
consiste na liberdade espiritual íntima de formar a sua crença, a sua ideologia
ou a sua consciência;

b) Dimensão externa (forum externum):
diz respeito mais propriamente à liberdade de confissão e à liberdade de culto.

 

O aspecto interno do direito à
liberdade de pensamento, consciência e religião é um direito absoluto, que não
pode ser restringido.

O aspecto externo, por sua vez, pode
estar sujeito a algumas limitações, como no caso das restrições impostas
durante a pandemia do novo coronavírus. Nesse sentido, veja o que diz o art. 5º,
VI, da CF/88:

Art. 5º (…)

VI – é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias; 

 

As liturgias e os locais de culto são
protegidos nos termos da lei.

Essa reserva legal, por si só, afasta
qualquer compreensão no sentido de afirmar que a liberdade de realização de
cultos coletivos seria absoluta.

Assim, a lei deve proteger os templos e
não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha algum valor
constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada.

 

Constitucionalidade formal do decreto

Sob o prisma da constitucionalidade
formal, a imposição de restrições à realização de cultos religiosos por meio de
decretos municipais e estaduais está em conformidade com decisões recentes do
STF sobre o tema, dentre as quais destaca-se a ADI 6341, na qual se assentou
que todos os entes federados possuem competência para adotar medidas sanitárias
voltadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública.

 

Constitucionalidade material do decreto

Sob o aspecto material, a medida
sanitária em análise mostra-se adequada, necessária e proporcional, bem como em
consonância com as diretrizes científicas propostas pela Organização Mundial da
Saúde.

É possível afirmar que há um razoável
consenso na comunidade científica no sentido de que os riscos de contaminação
decorrentes de atividades religiosas coletivas são superiores aos riscos de
outras atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em ambientes fechados.

As medidas restritivas, dessa forma,
foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio
pela Covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como de acordo com a
necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de
saúde pública.

 

Não foram apenas as atividades
religiosas que foram proibidas

Vale ressaltar que o art. 2º do Decreto
impugnado não se limitou a restringir as atividades religiosas coletivas.
Também foram impostas restrições a outras atividades econômicas altamente
essenciais.

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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