Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Medida
Provisória nº 966/2020, que dispõe sobre a responsabilização de agentes
públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19.
Provisória nº 966/2020, que dispõe sobre a responsabilização de agentes
públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19.
Contexto geral
Nessa pandemia decorrente da
covid-19, os agentes públicos têm adotado uma série de providências para enfrentar
os problemas relacionados com a saúde da população e também para tentar minimizar
os prejuízos econômicos ocasionados pela paralisação do comércio e dos
serviços.
covid-19, os agentes públicos têm adotado uma série de providências para enfrentar
os problemas relacionados com a saúde da população e também para tentar minimizar
os prejuízos econômicos ocasionados pela paralisação do comércio e dos
serviços.
Os órgãos de controle e
fiscalização (exs: Polícia, Ministério Público, Tribunal de Contas etc.) têm
acompanhado essas medidas com o objetivo de coibir que governantes mal
intencionados utilizem o momento para praticar condutas que lesem o erário e
causem enriquecimento indevido.
fiscalização (exs: Polícia, Ministério Público, Tribunal de Contas etc.) têm
acompanhado essas medidas com o objetivo de coibir que governantes mal
intencionados utilizem o momento para praticar condutas que lesem o erário e
causem enriquecimento indevido.
Por outro lado, é certo também
que a situação excepcional que vivemos exige a tomada de decisões rápidas e a
adoção de algumas soluções que muitas vezes não estão expressamente disciplinadas
na lei.
que a situação excepcional que vivemos exige a tomada de decisões rápidas e a
adoção de algumas soluções que muitas vezes não estão expressamente disciplinadas
na lei.
Diante desse contexto, o
Presidente da República entendeu relevante e urgente editar uma Medida Provisória
para disciplinar regras específicas de responsabilização dos agentes públicos por
atos relacionados com a pandemia da covid-19.
Presidente da República entendeu relevante e urgente editar uma Medida Provisória
para disciplinar regras específicas de responsabilização dos agentes públicos por
atos relacionados com a pandemia da covid-19.
Vale ressaltar que o regime instituído
pela MP é mais brando do que as regras que vigoram normalmente. Isso gerou
fortes reações e críticas de alguns setores da imprensa e de diversos doutrinadores.
pela MP é mais brando do que as regras que vigoram normalmente. Isso gerou
fortes reações e críticas de alguns setores da imprensa e de diversos doutrinadores.
Alguns partidos políticos anunciaram
que irão ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade contra esse ato.
que irão ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade contra esse ato.
Enquanto não há uma decisão do
STF sobre o tema, irei aqui fazer apenas uma exposição sobre o que prevê a MP.
STF sobre o tema, irei aqui fazer apenas uma exposição sobre o que prevê a MP.
Responsabilidade exige dolo
ou erro grosseiro
ou erro grosseiro
O caput do
art. 1º da MP prevê o seguinte:
art. 1º da MP prevê o seguinte:
REGIME DE RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NAS ESFERAS
CIVIL E ADMINISTRATIVA POR MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19 |
||
Os
agentes públicos somente poderão ser responsabilizados pela prática de atos relacionados com as medidas de: |
I – enfrentamento da emergência
de saúde pública decorrente da covid-19. Ex: dispensa de licitação para compra de respiradores. |
Se tiverem agido ou se omitido com:
•
DOLO ou
•
ERRO GROSSEIRO. |
II – combate aos efeitos econômicos e sociais
decorrentes da covid-19. Ex: concessão de anistia ou remissão para empresários. |
A doutrina divide a culpa em três
subespécies: culpa grave, leve e levíssima.
subespécies: culpa grave, leve e levíssima.
O erro grosseiro é sinônimo de culpa
grave. Assim, é como se o art. 1º da MP dissesse: o agente público somente
responde em caso de dolo ou culpa grave.
grave. Assim, é como se o art. 1º da MP dissesse: o agente público somente
responde em caso de dolo ou culpa grave.
Esse art. 1º se aproxima daquilo
que prevê o art. 28 da LINDB:
que prevê o art. 28 da LINDB:
Art. 28. O agente público responderá
pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro
grosseiro. (Incluído pela Lei nº 13.655/2018)
pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro
grosseiro. (Incluído pela Lei nº 13.655/2018)
Esse regime de
responsabilidade da MP 966/2020 se aplica para quais esferas?
responsabilidade da MP 966/2020 se aplica para quais esferas?
Para as esferas civil e administrativa.
Não abrange a esfera penal, até mesmo
porque é vedada a edição de medida provisória sobre direito penal (art. 62, § 1º,
I, “b”, da CF/88).
porque é vedada a edição de medida provisória sobre direito penal (art. 62, § 1º,
I, “b”, da CF/88).
O que se entende por
esferas civil e administrativa?
esferas civil e administrativa?
Esfera civil: são as ações
judiciais não penais que busquem a responsabilização do agente público.
judiciais não penais que busquem a responsabilização do agente público.
Exs: ações de improbidade
administrativa, ações populares, ações de ressarcimento ao erário.
administrativa, ações populares, ações de ressarcimento ao erário.
Esfera administrativa: consiste
na instância que se passa dentro da própria Administração Pública, normalmente
em um processo administrativo.
na instância que se passa dentro da própria Administração Pública, normalmente
em um processo administrativo.
Apesar de não constar expressamente
na MP, entendo que, ao falar em esfera administrativa, o art. 1º abrange também
a chamada “esfera controladora” (Tribunais de Contas).
na MP, entendo que, ao falar em esfera administrativa, o art. 1º abrange também
a chamada “esfera controladora” (Tribunais de Contas).
Desse modo, a responsabilização
que ocorre por decisão dos Tribunais de Contas, que são órgãos de controle
externo, também deve seguir as regras da MP 966/2020.
que ocorre por decisão dos Tribunais de Contas, que são órgãos de controle
externo, também deve seguir as regras da MP 966/2020.
Veja a redação do caput do art. 1º
da MP:
da MP:
Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados
nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro
grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as
medidas de:
nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro
grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as
medidas de:
I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da
pandemia da covid-19; e
pandemia da covid-19; e
II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da
pandemia da covid-19.
pandemia da covid-19.
Dolo
Abrange tanto os casos de dolo direto
como também eventual.
como também eventual.
Erro grosseiro = culpa grave
Considera-se erro grosseiro o
erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado
por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia
(art. 2º da MP). É a mesma definição do art. 12, § 1º, do Decreto nº 9.830/2019,
que regulamentou os arts. 20 a 30 da LINDB.
erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado
por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia
(art. 2º da MP). É a mesma definição do art. 12, § 1º, do Decreto nº 9.830/2019,
que regulamentou os arts. 20 a 30 da LINDB.
Assim, erro grosseiro é aquele no qual
o agente atuou com culpa grave. Isso significa que, se o agente teve culpa leve
ou levíssima, ele não poderá ser responsabilizado.
o agente atuou com culpa grave. Isso significa que, se o agente teve culpa leve
ou levíssima, ele não poderá ser responsabilizado.
Circunstâncias que deverão
ser consideradas (art. 3º da MP)
ser consideradas (art. 3º da MP)
Na aferição da ocorrência do erro
grosseiro serão considerados:
grosseiro serão considerados:
I – os obstáculos e as
dificuldades reais do agente público (é o que se denomina “primado da realidade”*);
dificuldades reais do agente público (é o que se denomina “primado da realidade”*);
II – a complexidade da matéria e
das atribuições exercidas pelo agente público;
das atribuições exercidas pelo agente público;
III – a circunstância de
incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
IV – as circunstâncias práticas
que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente
público; e
que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente
público; e
V – o contexto de incerteza
acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e
das suas consequências, inclusive as econômicas.
acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e
das suas consequências, inclusive as econômicas.
* Primado da realidade é a “necessidade
de se interpretar o texto normativo e as exigências da gestão pública também da
perspectiva das dificuldades reais do gestor e das exigências das políticas
públicas a seu cargo, sendo averiguadas, quando da regularização da situação,
portanto, as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado
a ação do agente.” (MOTTA, Fabrício; NOHARA, Irene Patrícia. LINDB no Direito
Público. São Paulo: RT, 2019, p. 12).
de se interpretar o texto normativo e as exigências da gestão pública também da
perspectiva das dificuldades reais do gestor e das exigências das políticas
públicas a seu cargo, sendo averiguadas, quando da regularização da situação,
portanto, as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado
a ação do agente.” (MOTTA, Fabrício; NOHARA, Irene Patrícia. LINDB no Direito
Público. São Paulo: RT, 2019, p. 12).
Comprovação do dolo ou grosseiro é
indispensável para a responsabilização do agente
indispensável para a responsabilização do agente
O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não
implica responsabilização do agente público (art. 1º, § 2º da MP).
implica responsabilização do agente público (art. 1º, § 2º da MP).
É necessária, portanto, a comprovação do
dolo ou do erro grosseiro do agente público.
dolo ou do erro grosseiro do agente público.
Responsabilidade do parecerista e do
decisor devem ser analisadas de forma independente
decisor devem ser analisadas de forma independente
Imagine que o administrador público
tomou uma decisão com base em um parecer exarado pelo assessor jurídico do órgão
ou entidade. Posteriormente, detectou-se que esse assessor jurídico agiu com
dolo ou erro grosseiro. Neste caso, o parecerista poderá ser responsabilizado,
nos termos do art. 1º da MP 966/2020 e art. 28 da LINDB:
tomou uma decisão com base em um parecer exarado pelo assessor jurídico do órgão
ou entidade. Posteriormente, detectou-se que esse assessor jurídico agiu com
dolo ou erro grosseiro. Neste caso, o parecerista poderá ser responsabilizado,
nos termos do art. 1º da MP 966/2020 e art. 28 da LINDB:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por
suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Vale ressaltar, no entanto, que o
simples fato de ter ficado comprovado que o parecerista agiu com dolo ou erro
grosseiro não levará, automaticamente, à responsabilização do decisor
(administrador que tomou a decisão com fundamento neste parecer).
simples fato de ter ficado comprovado que o parecerista agiu com dolo ou erro
grosseiro não levará, automaticamente, à responsabilização do decisor
(administrador que tomou a decisão com fundamento neste parecer).
Para que o decisor seja
responsabilizado, será necessário que fique demonstrado que ele:
responsabilizado, será necessário que fique demonstrado que ele:
• tinha condições de aferir que o
parecerista agia com dolo ou erro grosseiro; ou
parecerista agia com dolo ou erro grosseiro; ou
• estivesse em conluiou com o
parecerista.
parecerista.
Essa regra – que decorre da ideia de
responsabilidade pessoal e subjetiva – foi prevista no § 1º do art. 1º da MP:
responsabilidade pessoal e subjetiva – foi prevista no § 1º do art. 1º da MP:
Art. 1º (…)
§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de
forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e
somente se configurará:
forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e
somente se configurará:
I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor
aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
II – se houver conluio entre os agentes.
Essa mesma regra já constava no § 6º do
art. 12 do Decreto nº 9.830/2019, que regulamentou os arts. 20 a 30 da LINDB.
art. 12 do Decreto nº 9.830/2019, que regulamentou os arts. 20 a 30 da LINDB.
União, Estados/DF e Municípios
Registre-se, por fim, que as regras da
MP 966/2020 se aplicam não apenas para a União, mas também para os Estados,
Distrito Federal e Municípios.
MP 966/2020 se aplicam não apenas para a União, mas também para os Estados,
Distrito Federal e Municípios.
Vigência
A MP 966/2020 entrou em vigor na data
de sua publicação (14/05/2020).
de sua publicação (14/05/2020).