Associação de Municípios não pode ajuizar ação para tutelar direitos dos Municípios


Imagine a seguinte situação:

FUNDEF
significa Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério e vigorou de 1997 a 2006. Foi uma forma encontrada
pelo governo para destinar mais recursos para a educação, vinculando a
arrecadação de alguns impostos para investimentos no ensino fundamental.

A União também deveria participar
do FUNDEF aplicando recursos para complementar os valores aplicados pelos
Estados e Municípios.

Diversos Municípios ingressaram
com ações contra a União alegando que o valor repassado pelo ente federal por
aluno ficou abaixo daquilo que a legislação determinava.

Até aí, tudo bem. Estas ações
tramitam (ou tramitaram) normalmente.

O ponto interessante que eu
gostaria de chamar a atenção foi o seguinte: a Associação dos Municípios e
Prefeitos do Estado do Ceará – APRECE, com o objetivo de facilitar a situação
para os Municípios cearenses, decidiu ingressar, como representante processual,
com ação contra a União, objetivando a condenação desta à complementação dos
valores do FUNDEF. Em outras palavras, a referida associação falou: meus
associados (Municípios) foram prejudicados pelos repasses da União abaixo do
valor previsto na lei. Logo, eu quero a condenação da União a pagar os valores
corretos em favor de cada um dos Municípios prejudicados.

Este pedido pode ser conhecido? A
referida associação possui legitimidade para defender, em juízo, os direitos
dos Municípios associados?

NÃO.

Associação
de Municípios e Prefeitos não possui legitimidade ativa para tutelar em juízo
direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito público.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.503.007-CE, Rel.
Min. Herman Benjamin, julgado em 14/6/2017 (Info 610).

A ação foi proposta pela
associação como representante processual

Em primeiro
lugar, deve-se deixar claro que a associação ingressou em juízo como
representante processual dos Municípios (e não como substituto processual).
Isso porque, segundo o STF (RE 573232), o art. 5º, XXI, da CF/88 traz hipótese
de representação processual:

Art. 5º (…)

XXI – as entidades associativas,
quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus
filiados judicial ou extrajudicialmente;

No caso concreto, inclusive,
havia termo de adesão assinado pelos Prefeitos dos Municípios concordando com a
propositura a ação, o que configura a autorização exigida pelo art. 5º, XXI, da
CF/88.

Quem representa os Municípios em
juízo

A
representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida
por seu Prefeito ou Procurador, conforme previsto no art. 75, III, do CPC/2015:

Art. 75.  Serão representados em juízo, ativa e
passivamente:

(…)

III – o Município, por seu prefeito ou
procurador;

Portanto, não é possível que essa
regra expressa seja alterada para que a representação se faça por associação de
municípios.

A representação do ente municipal
não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se
submete às normas de direito público. Assim sendo, não se pode admitir que haja
uma delegação para que uma pessoa jurídica de direito privado (associação)
possa tutelar interesses de pessoa jurídica de direito público (Município).

Em qualquer tipo de ação,
permitir que os Municípios sejam representados por associações equivaleria a
autorizar que eles dispusessem de uma série de privilégios materiais e
processuais estabelecidos pela lei em seu favor. E, como esses privilégios
visam a tutelar o interesse público, não há como os Munícipios disporem deles
ajuizando suas ações por meio de associações, pois o interesse público é
indisponível.

Existem outros precedentes do STJ
no mesmo sentido:

A representação do ente municipal não
pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete
às normas de direito público. Assim sendo, insuscetível de renúncia ou de
delegação a pessoa jurídica de direito privado, tutelar interesse de pessoa
jurídica de direito público sob forma de substituição processual.

STJ. 2ª Turma. REsp 1446813/CE, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/11/2014.

Artigo Original em Dizer o Direito

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