Imagine a seguinte situação
hipotética:
João e Regina eram casados e se divorciaram.
Como estavam com pressa, João e
Regina se divorciaram, mas não realizaram, nesta ocasião, a partilha de bens.
É possível fazer o divórcio
sem a partilha de bens?
SIM. Quando um casal está se
divorciando, são muitos os conflitos que surgem envolvendo os mais diversos
aspectos da vida da pessoa: a questão sentimental, a guarda dos filhos, a
discussão acerca da alteração ou manutenção do patronímico e, como não se pode
esquecer, há também o debate sobre o patrimônio e a divisão(partilha) dos bens,
de acordo com o regime matrimonial adotado.
Algumas vezes, a vontade do casal
de se divorciar é muito intensa e eles querem que isso ocorra logo. No entanto,
a discussão sobre a divisão dos bens pode ser complexa e acabar atrasando a
formalização do divórcio.
Diante deste problema da vida prática, o Código Civil previu
a possibilidade de os cônjuges realizarem o divórcio e que a discussão sobre a
divisão dos bens fique para ser resolvida em um momento posterior. Confira:
Art. 1.581. O divórcio pode ser
concedido sem que haja prévia partilha de bens.
Flávio Tartuce explica que a
partilha posterior dos bens pode ser efetivada por meio de três caminhos
(Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2011, p. 1.075):
• nos próprios autos da ação de
divórcio;
• em ação autônoma de partilha de
bens (que também deverá tramitar na vara de família);
• por escritura pública de
partilha extrajudicial (Lei nº 11.441/2007).
Voltando ao caso concreto
O casal se divorciou e não fez a
partilha dos bens.
Regina ficou morando no imóvel
comum (um apartamento) durante anos sem oposição do ex-marido.
Vale ressaltar que metade do
imóvel pertencia ao João e a outra metade a Regina.
Completado o tempo
necessário, Regina ajuizou ação de usucapião contra João pedindo para adquirir
a propriedade plena do imóvel. Isso é possível?
SIM.
Dissolvida a sociedade conjugal,
o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda
que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão
anterior.
Nesse contexto, o condômino (em
nosso exemplo, Regina) que exerce a posse por si sem oposição dos demais
coproprietários possui legitimidade para usucapir o bem, desde que preenchidos
os demais requisitos legais.
Posse ad usucapionem
“Uma vez verificado que o bem é
passível de usucapião, há de ser perquirido o segundo requisito: posse mansa e
pacífica com animus domini. Trata-se da chamada posse qualificada. A posse ad
usucapionem ou usucapível tem qualidades jurídicas distintas das demais.
Isso porque, traduz uma posse especial, a qual exige a intenção de ser dono – animus
domini. Ademais, necessita ser mansa, pacífica, contínua e duradoura.” (FIGUEIREDO,
Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm,
2020, p. 1203)
É possível dizer que a
posse de Regina era uma posse ad usucapionem?
SIM. A posse de um condômino
sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na
qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais
coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são
inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a
procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu
direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
João argumentou que Regina ficou
na posse do imóvel na qualidade de administradora do bem e que, portanto, não
teria sido uma posse ad usucapionem. Essa alegação foi acolhida?
NÃO. Após o fim do matrimônio, pode-se
dizer que João abandonou a sua fração ideal sobre o imóvel, que ficou sob a
posse exclusiva da ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor
proveniente de aluguel nem ele o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma
por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.
Em razão disso, revela-se
descabida a presunção de ter havido mera administração do bem por Regina. O que
houve foi o exercício da posse pela ex-esposa, com efetivo ânimo de dona, a
amparar a procedência do pedido de usucapião.
Em suma:
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.840.561-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
03/05/2022 (Info 739).