Através de um recurso em sentido estrito, a corte do Superior Tribunal Militar (STM) reafirmou a competência da Justiça Militar da União (JMU) para processar e julgar dois civis. Ambos são investigados em um inquérito policial pela possível prática de fraude em processo licitatório.
Após serem denunciados junto com outros militares, o Ministério Público Militar (MPM) solicitou a exceção de incompetência material em relação aos civis, solicitando que os autos fossem encaminhados à Justiça Federal de Pernambuco, para que esta prosseguisse com o processo dos mesmos.
No entanto, o pedido ministerial foi negado em dezembro de 2019 pelo juiz federal da Auditoria da 7ª CJM, com sede em Recife. O magistrado alegou que existe um farto conjunto probatório que leva a crer que os civis e um militar fraudaram um processo licitatório do tipo pregão para a aquisição de gêneros alimentícios de subsistência.
Ainda de acordo com o juiz federal, eles manipularam a pesquisa de mercado, comprometendo a regularidade e a lisura do procedimento licitatório com o intento de obter vantagem indevida em detrimento da organização castrense. Na sua decisão, o magistrado explicou que restou constatado que administração militar suportou prejuízo no montante de mais de um milhão e meio de reais, sendo o crime plenamente enquadrado como crime militar e devendo ser julgado pela justiça castrense.
Inconformado com a rejeição do requerimento, o MPM recorreu ao STM na tentativa de ver prosperar a sua teoria de inexistência de delito de natureza militar perpetrado pelos indiciados civis.
Para isso, fundamentou sua tese baseando-se na premissa de que a Lei nº 13.491/2017, ao dar nova redação ao inciso II do art. 9º, que dispõe acerca dos denominados “delitos militares por extensão”, teve por escopo ampliar a regra competencional desta Justiça especializada federal tão somente em relação às práticas delitivas cometidas por militares da ativa.
“Caso fosse a intenção do legislador referir-se a civis, a supramencionada lei teria promovido a alteração redacional. No entanto, o que se pode observar é que os civis submetem-se à competência criminal absoluta da Justiça Militar da União somente quando praticam crimes tipificados no Código Penal Militar (CPM), o que não é o caso dos autos, em que houve coautoria entre militar da ativa e civis em delito previsto na Lei n. 8.666/93, sendo o caso de separação obrigatória de processos e de julgamentos”, argumentou o MPM.
Interpretação no STM
No STM, o caso foi analisado de acordo com a nova definição de crime de natureza militar, ocorrida após a alteração redacional do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar (CPM), assim como pela competência constitucional e legal desta JMU para apreciar, no contexto previsto no referido código, os delitos capitulados no Código Penal comum e em Legislação Especial praticados por civis.
De acordo com a ministra relatora Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha não existem dúvidas de que, antes das inovações promovidas pela lei nº 13.491/2017, a competência desta Justiça Militar restringia-se aos delitos própria e impropriamente militares. Tal leitura permite inferir que ainda que um ilícito fosse cometido contra as Forças Armadas, se ele não restasse capitulado na legislação penal castrense, não competiria à JMU o seu processamento e julgamento.
Todavia, ainda de acordo com a ministra, ao contrário do alegado pelo órgão ministerial, é incontestável que a nova redação do art. 9º, inciso II do CPM, atenta às peculiaridades dos bens jurídicos militares federais, redefiniu o conceito de crime de natureza militar e ampliou significativamente a competência da justiça castrense, abarcando delitos que outrora não lhe competiam: crimes ambientais (Lei nº 9.605/98), crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), crimes da Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97), crimes previstos na Lei Geral de Licitações(Lei n. 8.666/93), inexistindo para tanto regras competencionais distintas quanto ao status do agente.
“Sem embargo, esta justiça não tem por escopo julgar militares ou definir crimes não previstos pelo direito penal comum. Sua finalidade é proteger as Forças Armadas e, por consequência, a soberania estatal e o estado democrático de direito. Além disso, firme é o posicionamento deste Tribunal Superior em assentar o foro castrense para o processamento e o julgamento de civis que atentem contra a Administração castra”, enfatizou a magistrada.
“Certo é que a administração buscou tutelar os bens e interesses militares, independentemente da qualidade do agente, se civil ou militar. Sem embargo, com a edição da Lei nº 13.491/17, que alterou a redação do art. 9º do CPM para incrementar o rol de delitos cuja competência passou a ser da Justiça castrense, os crimes previstos na lei de licitações passaram a ser processados e julgados pela JMU, sempre que praticados em detrimento de patrimônio sob administração militar ou contra a ordem administrativa militar”, frisou a magistrada, que finalizou seu voto não provendo o recurso do MPM e mantendo a decisão do juiz de primeira instância que rejeitou a exceção de incompetência material e afirmou a competência desta Justiça especializada para processar e julgar os civis acusados de fraude em licitação.