Comentários à Lei 13.491/2017 – competência em caso de homicídio praticado por militares das Forças Armadas contra civis


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje mais uma importante novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.491/2017, que altera o Código Penal
Militar.

Vejamos o que mudou, mas, antes, é necessária uma revisão
sobre o tema.

Competências da Justiça Militar

Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).

A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar
(Decreto-Lei 1.001/1969).


No art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares em tempo de paz.


No art. 10 do CPM são definidos os crimes militares em tempo de guerra.

Assim,
para verificar se o fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto,
de competência da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das
hipóteses previstas nos arts. 9º e 10 do CPM.

A
alteração promovida pela Lei nº 13.491/2017 foi no art. 9º.

ALTERAÇÃO
1: CRIMES MILITARES PODERÃO SER PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL COMUM

Alteração
no inciso II do art. 9º

A primeira mudança ocorrida foi no
inciso II do art. 9º. Veja:

Código Penal Militar

Redação
original

Redação
dada pela Lei nº 13.491/2017

Art. 9º Consideram-se crimes
militares, em tempo de paz:

II – os crimes previstos
neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum,
quando praticados:

Art. 9º Consideram-se crimes
militares, em tempo de paz:

II – os crimes previstos
neste Código e os previstos na legislação
penal
, quando praticados:

O
que significa essa mudança?


Antes da Lei: para se enquadrar como crime militar com base no inciso II do
art. 9º, a conduta praticada pelo agente deveria ser obrigatoriamente prevista
como crime no Código Penal Militar.


Agora: a conduta praticada pelo agente, para ser crime militar com base no
inciso II do art. 9º, pode estar prevista no Código Penal Militar ou na legislação penal “comum”.

Vejamos
com um exemplo concreto a relevância dessa alteração.

João,
sargento do Exército, contratou, sem licitação, empresa ligada à sua mulher
para prestar manutenção na ambulância utilizada no Hospital militar.

Qual
foi o crime praticado, em tese, por João?

O delito do art. 89 da Lei nº 8.666/93
(Lei de Licitações):

Art. 89. Dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena – detenção, de 3 (três) a 5
(cinco) anos, e multa.

De
quem é a competência para julgar esta conduta?


Antes da Lei nº 13.491/2017: Justiça Federal comum.


Agora (depois da Lei nº 13.491/2017): Justiça Militar.

Por quê?

João, militar da ativa, praticou uma conduta que não é
prevista como crime no Código Penal Militar.

A
conduta de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei,
tipificada no art. 89 da Lei nº 8.666/93, não encontra figura correlata no
Código Penal Militar.

Assim,
antes da Lei nº 13.491/2017, apesar de o crime ter sido praticado por militar (sargento
do Exército), o caso não se enquadrava em nenhuma das hipóteses previstas no
art. 9º do CPM. Isso porque o art. 9º, II, exigia que o crime estivesse
expressamente previsto no Código Penal Militar.

A
agora?

Atualmente, com a mudança da Lei nº
13.491/2017, a conduta de João passou a ser crime militar e se enquadra no art.
9º, II, “e”, do CPM:

Art. 9º Consideram-se crimes militares,
em tempo de paz:

II – os crimes previstos neste Código e
os previstos na legislação penal, quando praticados:

e) por militar em situação de atividade,
ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem
administrativa militar;

Obs:
a doutrina afirmava que o art. 9º, II, do CPM era um crime militar ratione legis (em razão da lei – porque
previsto no CPM) e ratione personae
(em razão da pessoa – porque praticado por sujeito ativo militar em atividade).
Isso agora mudou. O crime militar do art. 9º, II, do CPM deixou de ser ratione legis.

ALTERAÇÃO
2: CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS POR MILITARES CONTRA CIVIL

Se
um militar, no exercício de sua função, pratica lesão corporal contra vítima
civil, qual será o juízo competente?

JUSTIÇA MILITAR, considerando que se
trata de crime militar (art. 9º, II, “c”, do CPM):

Art. 9º Consideram-se crimes militares,
em tempo de paz:

II – os crimes previstos neste Código e
os previstos na legislação penal, quando praticados:

c) por militar em
serviço
ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar,
ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

Isso
não sofreu nenhuma mudança. Já era assim antes da Lei nº 13.491/2017 e
continuou da mesma forma.

E
no caso de crime doloso contra a vida? Se um militar, no exercício de sua
função, pratica tentativa de homicídio (ou qualquer outro crime doloso contra a
vida) contra vítima civil, qual será o juízo competente?

Temos
agora que analisar antes e depois da Lei nº 13.491/2017.

Antes da
Lei nº 13.491/2017
:


REGRA: os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil eram
julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base na antiga redação
do parágrafo único do art. 9º do CPM.


EXCEÇÃO: se o militar, no exercício de sua função, praticasse tentativa de
homicídio ou homicídio contra vítima civil ao abater aeronave hostil (“Lei do
Abate”), a competência seria da Justiça Militar. Tratava-se de exceção à regra
do parágrafo único do art. 9º do CPM.

Veja a antiga redação do art. 9º,
parágrafo único:

Art. 9º (…)

Parágrafo único. Os crimes de que trata
este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da
competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação
militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de
1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica. (Atenção!
Redação que não mais está em vigor.)

Depois da
Lei nº 13.491/2017
:

• REGRA: em regra, os crimes dolosos
contra a vida praticados por militar contra civil continuam sendo julgados pela
Justiça comum (Tribunal do Júri). Isso com base no novo § 1º do art. 9º do CPM:

Art. 9º
(…)

§ 1º Os
crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por
militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

• EXCEÇÕES:

Os crimes dolosos contra a vida
praticados por militar das Forças Armadas contra civil serão de competência
da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: 

I – do cumprimento de atribuições que
lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de
Estado da Defesa; 

II – de ação que envolva a segurança de
instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou 

III – de atividade de natureza militar,
de operação de paz, de garantia da lei e da ordem (GLO) ou de atribuição
subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da CF/88 e
na forma dos seguintes diplomas legais: 

a) Código Brasileiro de Aeronáutica;

b) LC 97/99;

c) Código de Processo Penal Militar; e

d) Código Eleitoral.

Isso
está previsto no novo § 2º do art. 9º do CPM.

Obs:
as exceções são tão grandes que, na prática, tirando os casos em que o militar
não estava no exercício de suas funções, quase todas as demais irão ser
julgadas pela Justiça Militar por se enquadrarem em alguma das exceções.

Antes
de analisarmos cada um dos incisos, vamos entender um pouco melhor como
funciona o emprego das Forças Armadas segundo o ordenamento jurídico
brasileiro.

Forças Armadas

A expressão “Forças Armadas” abrange a Marinha, o Exército
e a Aeronáutica.

As três são classificadas como instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina.

As Forças Armadas ficam sob a autoridade suprema do
Presidente da República.

Qual é a função das Forças Armadas no Brasil?

Segundo o art. 142 da CF/88, elas destinam-se:

1) à defesa da Pátria

2) à garantia dos poderes constitucionais e

3 à garantia da lei e da ordem.

Segundo a doutrina, as duas
primeiras (defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais) são funções
primárias das Forças Armadas, enquanto que a terceira (garantia da lei e da
ordem) tem natureza subsidiária e excepcional. É o que ensina José Afonso da
Silva:

“Só subsidiária e
eventualmente lhes incumbe a defesa da
lei e da ordem
, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que
compreendem a polícia federal e as policias civis e militar dos Estados e do
Distrito Federal. Sua interferência na defesa da lei e da ordem depende, além
do mais, de convocação dos legitimados representantes de qualquer dos poderes
federais: Presidente da Mesa do Congresso Nacional, Presidente da República ou
Presidente do Supremo Tribunal Federal.” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª
ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 772).

Lei complementar

A Constituição estabelece que uma lei complementar deverá
disciplinar as normas gerais sobre como será o emprego das Forças Armadas (art.
142, § 1º). Esta lei já foi editada e se trata da Lei Complementar 97/99.

Garantia da lei e da ordem e atuação das Forças Armadas em atividades
de segurança pública

Como a Constituição Federal afirma que uma das finalidades
das Forças Armadas é a garantia da “lei e da ordem”, entende-se que a
Marinha, o Exército e a Aeronáutica podem atuar também, excepcionalmente, na
segurança pública interna do país.

Dessa forma, não é inconstitucional o emprego das Forças
Armadas para atividades de defesa interna, desde que isso seja feito de forma
excepcional, temporária e justificada pela incapacidade dos órgãos de segurança
pública de garantirem a lei e a ordem.

Emprego das Forças Armadas

A decisão sobre o emprego das Forças Armadas é de
responsabilidade do Presidente da República (art. 84, XIII, da CF/88 e art. 15
da LC 97/99).

Análise
do inciso I do novo § 2º do art. 9º

O inciso I do § 2º do art. 9º do CPM
prevê o seguinte:

§ 2º Os crimes de que trata este
artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças
Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se
praticados no contexto: 

I – do cumprimento de atribuições que
lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de
Estado da Defesa; 

No
Rio de Janeiro, o governo do Estado, há alguns anos, instituiu uma política
pública chamada de “pacificação das favelas”, por meio da qual os órgãos de
segurança pública ocupam as favelas, prendendo ou expulsando criminosos e
estabelecendo um regime de presença ostensiva do Poder Público nessas áreas.

Como
o efetivo da Polícia Militar e da Polícia Civil é insuficiente para tais
operações, a Secretaria de Segurança do Rio tem se valido da colaboração da
Polícia Federal e das Forças Armadas.

Nesse
contexto, se um militar do Exército, no exercício do policiamento nestas
favelas, pratica homicídio (consumado ou tentado) esta conduta será julgada
pela Justiça Militar com fulcro neste dispositivo.

Neste
inciso I poderíamos também imaginar a atuação das Forças Armadas em atividades
de defesa civil e de construção civil. Explico.

As
Forças Armadas têm sido constantemente utilizadas para atividades de defesa
civil. É o caso, por exemplo, de distribuição de alimentos e remédios em
regiões que passaram por alguma calamidade pública ou mesmo em situações de
socorro e resgate de pessoas feridas.

O Decreto nº 895/93 prevê isso
expressamente:

Art. 10. Aos órgãos setoriais, por
intermédio de suas secretarias, entidades e órgãos vinculados, e em articulação
com o órgão central do Sindec, entre outras atividades, compete:

(…)

II – ao Ministério da Marinha coordenar
as ações de redução de danos relacionados com sinistros marítimos e fluviais, e
o salvamento de náufragos; apoiar as ações de defesa civil com pessoal,
material e meios de transporte;

III – ao Ministério do Exército
cooperar no planejamento de defesa civil e em ações de busca e salvamento;
participar de atividades de prevenção e de reconstrução; apoiar as ações de defesa
civil com pessoal, material e meios de transporte;

(…)

X – ao Ministério da Aeronáutica
coordenar ações de busca e salvamento, evacuação aeromédicas e missões de
misericórdia; apoiar as ações de defesa civil com pessoal, material e meios de
transporte;

Outra
utilização atípica, mas frequente, das Forças Armadas está relacionada com
obras de construção civil. O Exército possui um Departamento de Engenharia e
Construção, que foi idealizado originalmente para construir e reformar as
instalações militares (quarteis etc.). No entanto, apesar disso, devido aos
bons trabalhos que realiza, este Departamento de Engenharia é constantemente
convocado para executar obras públicas. Foi o caso, por exemplo, da
transposição do rio São Francisco e da duplicação da BR-101.

Podemos,
portanto, aventar que se um militar das Forças Armadas, no exercício de uma
dessas atribuições conferidas pelo Presidente da República (ou pelo Ministro da
Defesa), comete crime doloso contra a vida de um civil, ele terá praticado
crime militar e será julgado pela Justiça Militar.

Análise
do inciso II do novo § 2º do art. 9º

O inciso II do § 2º do art. 9º do CPM estabelece:

§ 2º Os crimes de que trata este
artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças
Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se
praticados no contexto: 

(…)

II – de ação que envolva a segurança de
instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

É
o caso do soldado do Exército que está fazendo a guarda do quartel e atira
contra um ladrão que tentou invadir o imóvel. Mesmo que se alegue que houve animus necandi por parte do soldado,
esse julgamento será de competência da Justiça Militar.

Antes
da alteração, o STJ possuía precedentes no sentido de que, havendo dúvida se o
militar agiu ou não com a intenção de matar, o processo deveria tramitar na
Justiça Comum (e não na Justiça Militar). Nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC
129.497/MG, Rel. Min. Ericson Maranho (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em
08/10/2014. Agora isso mudou!

Análise
do inciso III do novo § 2º do art. 9º

Por fim, o inciso III do § 2º do art.
9º do CPM preconiza:

§ 2º Os crimes de que trata este
artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças
Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se
praticados no contexto: 

(…)

III – de atividade de natureza militar,
de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária,
realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e
na forma dos seguintes diplomas legais: 

a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de
1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica;

b) Lei Complementar nº 97, de 9 de
junho de 1999;

c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de
outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965
– Código Eleitoral.

Enquadram-se
neste inciso a grande maioria das hipóteses.

Vejamos
cada uma das suas alíneas.

Lei
nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica)

O CBA prevê algumas situações em que as
autoridades poderão determinar que a aeronave que está voando de forma
irregular pouse imediatamente no aeródromo que lhe for indicado (art. 303, §
1º). É o caso, por exemplo, de uma aeronave em que se suspeita que está
transportando drogas. Se a aeronave não cumprir a determinação, a Força Aérea
Brasileira poderá disparar tiros contra o avião considerado hostil a fim de
forçá-lo a pousar. Confira:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida
por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes
casos:

I – se voar no espaço aéreo brasileiro
com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para
tal fim;

II – se, entrando no espaço aéreo
brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

III – para exame dos certificados e
outros documentos indispensáveis;

IV – para verificação de sua carga no
caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento
(parágrafo único do artigo 21);

V – para averiguação de ilícito.

§ 1º A autoridade aeronáutica poderá
empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o
pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2º Esgotados os meios coercitivos
legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita
à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após
autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

§ 3º A autoridade mencionada no § 1º responderá
por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Esses
tiros podem acabar gerando a efetiva derrubada (abate) do avião e a morte dos
seus tripulantes. A apuração deste fato – se é caso de arquivamento ou de
processo por crime doloso contra a vida – compete ao Ministério Público Militar
e à Justiça Militar, não sendo competência da Justiça Comum.

Lei
Complementar nº 97/99

Conforme já vimos acima, a LC 97/99 regulamenta o art. 142,
§ 1º, da CF/88 e estabelece normas gerais para a organização, o preparo e o
emprego das Forças Armadas.

O art. 15, § 7º da Lei prevê
diversas hipóteses de atuação das Forças Armadas em atribuições subsidiárias que
são também consideradas atividades militares:

Art. 15 (…)

§ 7º A atuação do militar nos casos
previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso
III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa
civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art.
23 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada
atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal.

A hipótese mais conhecida e
frequente é a do art. 16-A da LC 97/99:

Art. 16-A.  Cabe às Forças Armadas, além de outras ações
pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências
exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e
repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores,
independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer
gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais,
isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando,
dentre outras, as ações de:

I – patrulhamento;

II – revista de pessoas, de veículos
terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III – prisões em flagrante delito.

Imagine que, ao realizar um patrulhamento no mar, a Marinha
do Brasil aborde uma embarcação suspeita e seja recebida a tiros. Ao revidar os
disparos, os fuzileiros navais acabam matando os agressores. A apuração deste
fato competirá ao Ministério Público Militar e à Justiça Militar.

Decreto-Lei nº 1.002/69 – Código de Processo Penal Militar

O art. 8º do CPPM traz as atribuições da Polícia judiciária
militar. Dentre elas, destaco:

a) apurar os crimes militares;

b) realizar diligência requisitadas pelos órgãos e juízes da
Justiça Militar e pelos membros do Ministério Público;

c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça
Militar.

O art. 7º traz o rol das autoridades militares que exercem a
polícia judiciária militar.

Imagine que, ao cumprir um mandado de prisão expedido pela
Justiça Militar, o civil que iria ser preso reage e os soldados acabam
matando-o. O julgamento deste fato será de competência da Justiça Militar,
mesmo a vítima do suposto crime doloso contra a vida sendo um civil.

Lei nº 4.737/65 – Código Eleitoral

As Forças Armadas, em especial o Exército, desempenham relevantes
funções durante o período eleitoral. As tropas fazem a segurança das urnas, dos
locais de votação e dos eleitores, coibindo possíveis crimes eleitorais.

As Forças Armadas atuam apenas
em alguns Municípios e locais de votação, mediante decisão do Tribunal Superior
Eleitoral, sendo isso previsto no art. 23, XIV, do Código Eleitoral:

Art. 23 – Compete, ainda, privativamente,
ao Tribunal Superior:

XIV – requisitar a força federal
necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos
Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração;

Suponha que um soldado acabe ceifando a vida de um civil
durante o exercício dessa função de vigilância do local de votação. A
competência para julgar este eventual crime doloso contra a vida é da Justiça
Militar.

Derrogação implícita do art. 82 do CPPM

O art. 82 do CPPM exclui,
peremptoriamente, da competência da Justiça Militar os crimes dolosos contra a
vida. Este dispositivo foi, portanto, tacitamente derrogado pela Lei nº
13.491/2017:

Art. 82. O foro militar é especial, e,
exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão
sujeitos, em tempo de paz:

Fora do exercício de suas funções

O militar que praticar homicídio fora do exercício de suas
funções será julgado normalmente pela Justiça Comum (Tribunal do Júri).

O novo art. 9º, § 2º do CPM, fala em “militares das Forças Armadas”. E
no caso de crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais
(policiais militares e bombeiros militares) em desfavor de civis, de quem será
a competência?

Da Justiça Comum (Tribunal do
Júri), por força de expressa previsão constitucional:

Art. 125. (…)

§ 4º Compete à Justiça Militar
estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares
definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo
ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais
e da graduação das praças.

Veto

O art. 2º da Lei nº 13.491/2017
trazia a previsão de que essa competência da Justiça Militar seria temporária.
Veja o que dizia o dispositivo:

Art. 2º Esta Lei terá vigência até o
dia 31 de dezembro de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter
eficácia a legislação anterior por ela modificada.

Essa previsão existia porque o projeto de lei foi pensado
especialmente para a atuação das Forças Armadas durante as Olimpíadas do Rio de
Janeiro em 2016. Ocorre que a tramitação demorou no Congresso Nacional e o
projeto somente foi aprovado agora.

Diante disso, o Presidente da República vetou este art. 2º.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Juiz Federal

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escreva um e-mail para contato@dizerodireito.com.br

Artigo Original em Dizer o Direito

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