Desconto de empréstimo comum em conta não segue limites do crédito consignado, decide Segunda Seção


Desconto de empréstimo comum em conta não segue limites do crédito consignado, decide Segunda Seção




29/04/2022 07:50
29/04/2022 07:50
28/04/2022 18:17


A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.085), estabeleceu a tese de que são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto essa autorização durar – não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.

Com a fixação da tese – que reafirma jurisprudência pacífica do STJ –, poderão voltar a tramitar os processos que estavam suspensos desde a afetação do tema.

Leia também: O que é recurso repetitivo

O julgamento teve a participação de diversos interessados como amici curiae, como a Federação Brasileira de Bancos, a Confederação Nacional das Instituições Financeiras, o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distritais nos Tribunais Superiores e o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor.

“Não se encontra presente nos empréstimos comuns, com desconto em conta-corrente, o fator de discriminação que justifica, no empréstimo consignado em folha de pagamento, a limitação do desconto na margem consignável estabelecida na lei de regência, o que impossibilita a utilização da analogia, com a transposição de seus regramentos àqueles. Refoge, pois, da atribuição jurisdicional, com indevida afronta ao princípio da separação dos poderes, promover a aplicação analógica de lei à hipótese que não guarda nenhuma semelhança com a relação contratual legalmente disciplinada”, afirmou o relator dos recursos, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Consignado tem vantagens, mas impõe limitações ao mutuário

Nos termos do artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 10.820/2003, o desconto de crédito consignado poderá incidir até o limite de 35% da remuneração do trabalhador. A discussão do repetitivo era definir se essa norma trazida em lei específica poderia ser estendia aos contratos comuns de empréstimo – especificamente quando há previsão do desconto em conta utilizada pelo mutuário para o recebimento de salário.

O ministro Bellizze explicou que o consignado é uma das modalidades de empréstimo com os menores riscos de inadimplência para a instituição financeira, tendo em vista que o desconto das parcelas ocorre diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do Regime Geral de Previdência Social – sistemática que, em razão dessa garantia, resulta em taxas de juros significativamente menores.

Também como consequência desse mecanismo, o relator comentou que, uma vez confirmada a contratação do empréstimo, não é possível ao mutuário revogar a autorização para os descontos em folha com o objetivo de modificar a forma de pagamento definida no contrato.

“Nessa modalidade de empréstimo, a parte da remuneração do trabalhador comprometida à quitação do empréstimo tomado não chega nem sequer a ingressar em sua conta-corrente, não tendo sobre ela nenhuma disposição. Sob o influxo da autonomia da vontade, ao contratar o empréstimo consignado, o mutuário não possui nenhum instrumento hábil para impedir a dedução da parcela do empréstimo a ser descontada diretamente de sua remuneração, em procedimento que envolve apenas a fonte pagadora e a instituição financeira”, complementou.

No empréstimo comum, partes decidem livremente as condições de pagamento

Segundo Bellizze, foi exatamente em razão do modo como se dá o consignado que a lei estabeleceu um limite para os descontos, com o objetivo de impedir que o tomador de empréstimo, diante das vantagens dessa modalidade, acabe comprometendo sua remuneração e prejudicando a subsistência familiar.

Nas demais espécies de mútuo bancário, o ministro ressaltou que o estabelecimento de cláusula que autoriza os descontos em conta-corrente é uma faculdade das partes. Nesses casos, explicou, o desconto automático incide sobre o saldo da conta, não sendo possível ao banco individualizar a origem dos créditos para determinar se o valor existente no dia do pagamento é a remuneração do mutuário ou tem outra fonte.

“Ressai de todo evidenciado, assim, que o mutuário tem em seu poder muitos mecanismos para evitar que a instituição financeira realize os descontos contratados, possuindo livre acesso e disposição sobre todo o numerário constante em sua conta-corrente”, afirmou o relator.

Limitação de descontos não evitaria o superendividamento

Em seu voto, Bellizze enfatizou que a limitação dos descontos em conta, por aplicação analógica da Lei 10.820/2003, também não serviria para combater o superendividamento, como forma de garantir o mínimo existencial ao mutuário.

“Tal proceder, sem nenhum respaldo legal, importaria numa infindável amortização negativa do débito, com o aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem que haja a devida conscientização do devedor a respeito do dito ‘crédito responsável’, o qual, sob a vertente do mutuário, consiste na não assunção de compromisso acima de sua capacidade financeira, sem que haja o comprometimento de seu mínimo existencial”, afirmou.

Ao fixar a tese, o magistrado ainda ressaltou que a ##prevenção## do superendividamento não deve ocorrer por meio de indevida intervenção judicial nos contratos de mútuo, em substituição ao Poder Legislativo.

Leia o acórdão no REsp 1.863.973.


Fonte: STJ

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