Imagine a seguinte situação
hipotética:

João ajuizou ação de obrigação de fazer em
face do Colégio “XX” alegando que:

Em janeiro de 2020, ele assinou um contrato de
prestação de serviços educacionais com a escola para que seu filho de 10 anos
ali estudasse.

No entanto, em março de 2020, ocorreu um fato
superveniente que tornou o contrato extremamente vantajoso para a parte ré e,
de outro lado, oneroso para ele: o início da pandemia da Covid-19.

As aulas presenciais foram suspensas e, a
partir daí, a escola passou a disponibilizar apenas aulas online e somente das
matérias teóricas.

As aulas de cozinha experimental, educação
física, robótica, laboratório de ciências e arte/música contratadas não estão
sendo ministradas, embora a cobrança das mensalidades continue a ocorrer em sua
integralidade.

Com a suspensão das aulas presenciais, houve
redução expressiva dos custos fixos da escola – despesas de energia elétrica, serviços
terceirizados de limpeza e manutenção, despesas com água e, também, com os
próprios professores que, por lecionarem de suas residências, não recebem o
adicional de alimentação e auxílio-transporte.

Diante de todo o exposto,
João pediu a redução do valor das mensalidades no percentual de 70% ou outro a
ser arbitrado pelo magistrado e a devolução dos valores pagos a maior a partir
do mês de março de 2020.

 

A questão chegou até o STJ. O
pedido do autor foi acolhido?

NÃO.

Não há dúvidas de que a pandemia
causada pela Covid-19 gerou efeitos nefastos na economia mundial e nas relações
privadas.

Embora os efeitos decorrentes da
pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em
que celebrado o contrato, o STJ entendeu que não ficou evidenciado o
desequilíbrio excessivo na relação jurídica apto a autorizar a redução do valor
das mensalidades. Isso porque os serviços, diferentemente de outras hipóteses,
continuaram a ser prestados sem causar onerosidade excessiva ao autor, sendo
interesse de ambas as partes a manutenção do contrato.

É importante que sejam destacados
os seguintes pontos:

a) o contrato de prestação de
serviços de educação continuou a ser prestado;

b) a redução do número de aulas
foi não apenas autorizada por diplomas legais, como também foi imposta em razão
das medidas sanitárias do combate ao novo coronavírus. Essa circunstância não
se encontra no âmbito do risco de atividade empresarial, revelando-se, em
verdade, absolutamente apartada do negócio jurídico (fortuito externo);

c) o fato, embora superveniente e
mesmo extraordinário, não inviabilizou todas as aulas, mas apenas aquelas,
conquanto tenham sido contratadas, de caráter extracurricular (aulas de cozinha
experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e
arte/música);

d) a não prestação do serviço, em
sua inteireza, decorreu de fato alheio às atividades da escola, uma vez que ela
não podia prestar os serviços que exigiam a presença dos alunos, como também
estava impedida de prestar serviços de maneira presencial;

e) a redução da carga horária foi
autorizada pela Lei nº 14.040/2020, que previu diversas formas de compensação
da redução da carga horária.

 

Desse modo, embora os serviços
não tenham sido prestados da forma como contratados, não há que se falar em
falha do dever de informação ou em desequilíbrio econômico-financeiro imoderado
para o consumidor.

A afirmação de que teria havido
diminuição dos custos da escola, além de não se evidenciar como requisito à
revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é tônica desse
exame, nem se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função
social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos
assolava todo o País na época.

Importante ainda registrar que a
situação da pandemia, no caso concreto, caracteriza-se como hipótese de
fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.

 

Em suma:

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não
constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato
de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das
mensalidades.

STJ. 4ª
Turma. REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/06/2022
(Info 741).

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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