Imagine a seguinte situação:

Em 2010, Regina, 29 anos, estava aguardando a
chegada do metrô, quando então teve uma crise de epilepsia e caiu sobre os
trilhos no instante em que o trem se aproximava. Infelizmente, ela foi
atropelada e faleceu.

O viúvo ajuizou ação de indenização contra a Companhia do
Metropolitano de São Paulo (Metrô), alegando responsabilidade objetiva da ré,
nos termos do art. 14 do CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

O autor argumentou que a morte poderia ter
sido evitada se:

• houvesse um funcionário da empresa no local;
ou

• o Metrô de São Paulo adotasse, na época, as
chamadas “portas de plataforma”.

 

O que são “portas de plataforma”?

Nos metrôs mais antigos, as pessoas aguardam a
chegada dos vagões na beira do trilho, próximo a uma espécie de fosso (buraco)
onde corre o metrô.

Ocorre que esse sistema tradicional é perigoso
porque pode ocorrer de a pessoa que está aguardando cair nesse fosso. Pode
acontecer ainda de ela ser jogada (assassinada) ou então se jogar (cometer
suicídio) quando o metrô estiver chegando.

As portas de plataforma foram pensadas para
evitar esses riscos. São portas de vidro automáticas que abrem quando o metrô
está chegando e fecham pouco antes de ele sair. Com isso, não existe a
possibilidade de a pessoa cair no buraco onde ficam os trilhos porque eles são
fechados por essas “portas de plataforma”.

Para o autor, como não havia porta de
plataforma, houve falha na prestação do serviço.

Metrô sem porta de plataforma:

Metrô com porta de
plataforma:

A questão chegou ao STJ. Para o
Tribunal, houve responsabilidade civil do Metrô neste caso?

NÃO.

A responsabilidade do prestador de serviço é,
de fato, objetiva, nos termos do art. 14 do CDC.

Vale ressaltar, contudo, que o fato de se
tratar de responsabilidade objetiva não elimina a necessidade de demonstrar-se
a presença do dano e do nexo causal.

Além disso, mesmo sendo responsabilidade
objetiva, é possível reconhecer situações que servem para afastar o nexo de
causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e
a culpa exclusiva de terceiro.

No caso concreto, o lamentável e
fatídico acidente decorreu de caso fortuito (mal súbito, convulsão por
epilepsia). Trata-se, portanto, de fortuito externo considerando que, segundo o
curso normal das coisas, não se tinha como antever ou prevenir que a passageira
caísse justamente na linha férrea.

 

 

Conduta da ré não foi
determinante

À luz da teoria da causalidade
adequada, a conduta da ré não foi a causa específica e determinante para o
evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea, sem que seja
por fatores ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço pelo piso
estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e
desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco não está
abrangido pela esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço
público.

 

Não houve serviço
defeituoso

O art. 14, § 1º, do CDC, define o que é serviço defeituoso:

Art. 14 (…)

§ 1º O serviço é defeituoso quando não
fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que
razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

 

O defeito a que alude o art. 14,
§ 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de
gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que
ordinariamente se espera do produto ou serviço.

Para que se configure o defeito
do art. 14, § 1º é necessário que seja algo que escape do razoável, que seja
discrepante do padrão de outros serviços congêneres.

No caso concreto, o Metrô
adotava, na época, as cautelas e procedimentos de segurança que eram utilizados
na maioria dos transportes semelhantes ao longo do mundo.

 

Presença de funcionário não
evitaria o acidente

A presença de um funcionário na
estação não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que
estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem,
de apenas 29 anos de idade, que, em linha de princípio, não estaria a precisar
de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô.

 

Não era exigível, na época,
a instalação de portas de plataforma

Na época (2010), o Metrô de São
Paulo não utilizada as chamadas portas de plataforma (Platform Screen Doors –
PSD). Vale ressaltar, contudo, essa tecnologia não era adotada, como regra, nem
mesmo em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social.

Logo, não se podia exigir que a
concessionária já estivesse utilizando essa tecnologia que é mais moderna.

 

O presente caso não guarda
relação com o Tema 517

Importante
esclarecer que o caso acima explicado é diverso daquele das situações que
ensejaram a fixação das teses no Tema 517:

No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se
a concorrência de causas, para fins de responsabilidade civil, quando:

a) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever
de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e
populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de
cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e

b) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a composição
ferroviária em local inapropriado.

STJ. 2ª Seção. REsp 1210064-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 8/8/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 517) (Info 501).

 

Isso porque não se trata de “omissão
ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com
muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas
garantidoras da segurança na circulação da população”, imposta por regulação do
serviço público, em que o transeunte, de fato, seguindo o curso normal das
coisas, inequivocamente pode vir a ser surpreendido e atropelado pela
composição.

Na
verdade, quanto à questão das portas de plataforma, que por ora ainda não são
usuais na maioria dos metrôs, a questão é diferente, pois o acidente ocorreu
bem no momento em que a composição se alinhava à estação e, como é de sabença,
nas estações de metrô há faixa amarela de segurança, paralela à via férrea
(atrás da qual, no mínimo, devem permanecer os usuários, ainda mais sentindo
incontroverso mal-estar), sendo certo que a aproximação do usuário da
composição/linha férrea deve ocorrer apenas após o efetivo alinhamento da
composição à estação, seguido de abertura de portas do trem e, em regra, de
aviso sonoro.

Portanto, cabe ressalvar que o
caso é diverso daquele que foi solucionado pelo recurso repetitivo, e que não
se adota o fundamento de culpa exclusiva da vítima da sentença, mas de fortuito
externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

 

Em suma:

 

Obs: atualmente, quase todas as
linhas do Metrô de São Paulo possuem portas de plataforma.

Artigo Original em Dizer o Direito

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