Se
o acusado é citado por edital, mesmo assim o processo continua normalmente?

O
art. 366 do CPP estabelece que:

– se o acusado for citado por edital e

– não comparecer ao processo nem constituir advogado

– o processo e o curso da prescrição ficarão suspensos.

Se
o réu comparecer ao processo ou constituir advogado, o processo e o prazo
prescricional voltam a correr normalmente.

O
objetivo do art. 366 é garantir que o acusado que não foi pessoalmente citado
não seja julgado à revelia.

Produção
antecipada de provas urgentes e prisão preventiva

O
art. 366 do CPP afirma que se o acusado, citado por edital, não comparecer nem
constituir advogado, o juiz poderá determinar:

• a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

• decretar a prisão preventiva do acusado se estiverem
presentes os requisitos do art. 312 do CPP (o simples fato do acusado não ter
sido encontrado não é motivo suficiente para decretar sua prisão preventiva).

Produção
antecipada das provas consideradas urgentes:

No
caso do art. 366 do CPP, o juiz poderá determinar a produção antecipada de
provas consideradas urgentes.

Para
que o magistrado realize a colheita antecipada das provas, exige-se que seja
demonstrada a real necessidade da medida.

Assim,
toda produção antecipada de provas realizada nos termos do art. 366 do CPP está
adstrita à sua necessidade concreta, devidamente fundamentada.

Nesse
sentido, existe, inclusive, entendimento sumulado do STJ:

Súmula 455-STJ: A decisão que determina
a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser
concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo.

A
oitiva de testemunhas pode ser considerada prova urgente para os fins do art.
366 do CPP?

Sim,
desde que as circunstâncias do caso revelem a possibilidade concreta de
perecimento.

Ex:
a testemunha possui idade avançada e se encontra enferma, com possibilidade
concreta de morte.

Feitos
os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:

João
foi denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo
automotor (art. 302 do CTB).

Como
estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo
(art. 366 do CPP).

O
Ministério Público pediu a realização de audiência para a produção antecipada
de prova (oitiva das testemunhas) afirmando que o decurso do tempo faria com
que as pessoas que presenciaram o acidente esquecessem os fatos, de forma que o
ideal seria ouvi-las imediatamente.

O
juiz indeferiu o pedido afirmando que o mero decurso do tempo não é fundamento
suficiente para a antecipação da prova.

O
Promotor de Justiça não concordou com a decisão do magistrado e interpôs
recurso em sentido estrito.

Ocorre
que o Tribunal de Justiça não conheceu do recurso interposto por entender que a
presente situação não está abrangida pelo rol do art. 581 do CPP, que é
taxativo e não admitiria interpretação extensiva.

Veja o que diz o art. 581 do CPP:

Art. 581. Caberá recurso, no sentido
estrito, da decisão, despacho ou sentença:

I – que não receber a denúncia ou a
queixa;

II – que concluir pela incompetência do
juízo;

III – que julgar procedentes as
exceções, salvo a de suspeição;

IV – que pronunciar o réu;

V – que conceder, negar, arbitrar,
cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva
ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;

VI – (Revogado pela Lei nº 11.689/2008)

VII – que julgar quebrada a fiança ou
perdido o seu valor;

VIII – que decretar a prescrição ou
julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;

IX – que indeferir o pedido de
reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;

X – que conceder ou negar a ordem de
habeas corpus;

XI – que conceder, negar ou revogar a
suspensão condicional da pena;

XII – que conceder, negar ou revogar
livramento condicional;

XIII – que anular o processo da
instrução criminal, no todo ou em parte;

XIV – que incluir jurado na lista geral
ou desta o excluir;

XV – que denegar a apelação ou a julgar
deserta;

XVI – que ordenar a suspensão do
processo, em virtude de questão prejudicial;

XVII – que decidir sobre a unificação
de penas;

XVIII – que decidir o incidente de
falsidade;

XIX – que decretar medida de segurança,
depois de transitar a sentença em julgado;

XX – que impuser medida de segurança
por transgressão de outra;

XXI – que mantiver ou substituir a
medida de segurança, nos casos do art. 774;

XXII – que revogar a medida de
segurança;

XXIII – que deixar de revogar a medida
de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;

XXIV – que converter a multa em
detenção ou em prisão simples.

Agiu
corretamente o Tribunal de Justiça?

NÃO.

É
cabível recurso em sentido estrito para impugnar decisão que indefere produção
antecipada de prova, nas hipóteses do art. 366 do CPP.

STJ. 3ª Seção.
EREsp 1.630.121-RN, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 28/11/2018
(Info 640).

Realmente,
se você observar as hipóteses elencadas no art. 581 do CPP, verá que não existe
a previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que indefere o pedido
de produção antecipada de provas.

O
rol do art. 581 do CPP é exaustivo ou exemplificativo?

Exaustivo.
As hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito trazidas no art. 581 do
CPP são EXAUSTIVAS (taxativas). No entanto, apesar disso, é admitida a
interpretação extensiva dessas hipóteses legais de cabimento.

“O
artigo 581 do Código de Processo Penal regula as hipóteses de cabimento do
recurso em sentido estrito. Em geral, esse recurso serve para impugnar decisões
interlocutórias, no entanto, ele não se iguala ao agravo previsto no Código de
Processo Civil, pois sua hipótese de incidência é taxativa. Ademais, em alguns
casos, esse recurso também é cabível contra sentenças e decisões administrativas.
Em essência, é um recurso que se dirige a impugnar decisões de juiz singular.

Embora
seja um rol taxativo, em razão das mudanças da legislação processual penal, não
é aceitável a estagnação das hipóteses de cabimento. Ademais, em razão da
paridade de armas, não se pode permitir um desequilíbrio entre as partes, de
tal forma que a acusação fique privada de um instrumento de impugnação das
decisões proferidas por juiz de primeiro grau, considerando que a defesa sempre
poderá impetrar ordem de habeas corpus.

De
fato, não se admite a ampliação das hipóteses para abranger situação que
evidentemente o legislador quis excluir. No entanto, diante de uma omissão
involuntária do legislador, a hipótese pode ser suprida por meio de
interpretação extensiva.” (Voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no REsp
1550458/SP, Sexta Turma, julgado em 05/04/2016).

Exemplos:


o inciso I prevê que é cabível o recurso em sentido estrito contra a decisão
que “não receber a denúncia ou a queixa”. Por meio de interpretação extensiva,
a jurisprudência admite também o RESE contra a decisão que não recebe o
aditamento da denúncia ou da queixa.


não existe previsão de recurso em sentido estrito contra a decisão que concede,
nega ou revoga a suspensão condicional do processo (“sursis processual”).
Apesar disso, o STJ admite a interposição de RESE nesses casos com base em uma
interpretação extensiva do inciso XI (que conceder, negar ou revogar a
suspensão condicional da pena).

A
decisão que indefere a produção antecipada de prova nas hipóteses do art. 366
do CPP admite RESE com base em qual inciso do art. 581?

Com base no inciso XVI:

Art. 581.  Caberá recurso, no sentido estrito, da
decisão, despacho ou sentença:

(…)

XVI – que ordenar a suspensão do
processo, em virtude de questão prejudicial;

A decisão judicial que aplica a regra
do art. 366 do CPP é, em sua essência, uma decisão que determina a suspensão do
processo e a oitiva antecipada é uma das providências de natureza cautelar
decorrentes dessa decisão. Em outras palavras, a produção antecipada é uma
providência cautelar decorrente da decisão do juiz que determinou a suspensão
do processo. Reveja a redação do art. 366:

Art. 366. Se o acusado, citado por
edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz
determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes
e, se
for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

A decisão que defere ou indefere a produção antecipada de
provas com base no art. 366 deve ser encarada, para fins de recurso, como sendo
uma decisão que “ordena a suspensão do processo” e, além disso, determina se
haverá ou não a produção das provas. Logo, enquadra-se no inciso XVI do art.
581 do CPP.

Artigo Original em Dizer o Direito

Posts Similares

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.