Imagine a seguinte situação hipotética:
João é motorista de aplicativos (“motorista de Uber”).
Determinado dia, por imprudência, ele atropelou e matou um
pedestre.
pedestre.
Ele foi denunciado pela prática
de homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito tipificado no art.
302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com a causa de aumento de pena do
inciso IV do § 1º:
de homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito tipificado no art.
302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com a causa de aumento de pena do
inciso IV do § 1º:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na
direção de veículo automotor:
direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro
anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou
a habilitação para dirigir veículo automotor.
anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou
a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º No homicídio culposo cometido na
direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se
o agente:
direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se
o agente:
(…)
IV – no exercício de sua profissão ou
atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.
atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.
O juiz proferiu, então, sentença condenando João a:
a) pena privativa de liberdade, que foi convertida em pena
restritiva de direito;
restritiva de direito;
b) suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor.
João recorreu contra a sentença afirmando que é
motorista profissional e que a pena imposta (suspensão da habilitação) seria
inconstitucional por violar o direito ao trabalho, previsto no art. 5º, XIII,
da CF/88 (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”). A tese de
João foi acolhida pelo STF?
motorista profissional e que a pena imposta (suspensão da habilitação) seria
inconstitucional por violar o direito ao trabalho, previsto no art. 5º, XIII,
da CF/88 (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”). A tese de
João foi acolhida pelo STF?
NÃO.
O direito ao exercício de atividades profissionais (art. 5º,
XIII) não é absoluto.
XIII) não é absoluto.
Assim, é possível que haja restrições impostas pelo
legislador, desde que se mostrem razoáveis. Para o STF, esta restrição é
razoável, neste caso.
legislador, desde que se mostrem razoáveis. Para o STF, esta restrição é
razoável, neste caso.
Vale ressaltar, ainda, que a
medida é coerente com o princípio da individualização da pena prevista no art.
5º, XLVI e, também, respeita o princípio da proporcionalidade:
medida é coerente com o princípio da individualização da pena prevista no art.
5º, XLVI e, também, respeita o princípio da proporcionalidade:
Art. 5º (…)
XLVI – a lei regulará a
individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
A suspensão do direito de dirigir não impossibilita o
motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade
econômica.
motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade
econômica.
Por fim, o Min. Roberto Barroso
argumentou:
argumentou:
“Quando se priva fisicamente a
liberdade de alguém, essa pessoa não pode dirigir, não pode trabalhar, não pode
sair. Portanto, aqui estamos falando de algo menor em relação à pena privativa
de liberdade”.
liberdade de alguém, essa pessoa não pode dirigir, não pode trabalhar, não pode
sair. Portanto, aqui estamos falando de algo menor em relação à pena privativa
de liberdade”.
Em suma:
É constitucional a imposição da pena de suspensão de
habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado
por homicídio culposo no trânsito.
habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado
por homicídio culposo no trânsito.
STF. Plenário. RE 607107/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).
12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).
Esse é também o entendimento pacífico do STJ:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 114)
Tese 2: O fato de a infração
ao art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB ter sido praticada por
motorista profissional não conduz à substituição da pena acessória de suspensão
do direito de dirigir por outra reprimenda, pois é justamente de tal categoria
que se espera maior cuidado e responsabilidade no trânsito.
ao art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB ter sido praticada por
motorista profissional não conduz à substituição da pena acessória de suspensão
do direito de dirigir por outra reprimenda, pois é justamente de tal categoria
que se espera maior cuidado e responsabilidade no trânsito.
Os motoristas profissionais – mais do que qualquer outra
categoria de pessoas – revelam maior reprovabilidade ao praticarem delito de
trânsito, merecendo, pois, a reprimenda de suspensão do direito de dirigir,
expressamente prevista no art. 302 do CTB, de aplicação cumulativa com a pena
privativa de liberdade. Dada a especialização, deles é de se esperar maior
acuidade no trânsito.
categoria de pessoas – revelam maior reprovabilidade ao praticarem delito de
trânsito, merecendo, pois, a reprimenda de suspensão do direito de dirigir,
expressamente prevista no art. 302 do CTB, de aplicação cumulativa com a pena
privativa de liberdade. Dada a especialização, deles é de se esperar maior
acuidade no trânsito.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1771437/CE, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Qual é o prazo de duração desta pena?
O prazo de duração da pena de suspensão da habilitação para
dirigir veículo automotor deve ser fixado consoante as peculiaridades do caso
concreto, tais como a gravidade do delito e o grau de censura do agente, não
ficando o magistrado adstrito à análise das circunstâncias judiciais do art. 59
do Código Penal.
dirigir veículo automotor deve ser fixado consoante as peculiaridades do caso
concreto, tais como a gravidade do delito e o grau de censura do agente, não
ficando o magistrado adstrito à análise das circunstâncias judiciais do art. 59
do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1771437/CE, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Cordeiro, julgado em 11/06/2019.