Em caso de ação patrocinada pela Defensoria contra o ente público, caso este seja sucumbente, deverá pagar honorários advocatícios em favor da Instituição?


Imagine a seguinte situação hipotética:
João deseja ingressar com uma ação de reparação de danos
contra a União.

Como não possui condições de contratar um advogado, procurou
os serviços da Defensoria Pública da União.

Assim, João, com a assistência jurídica de um Defensor
Público Federal, ajuizou ação de indenização contra a União.

O Juiz Federal julgou procedente o pedido e condenou a União
a pagar indenização a João no valor de R$ 100 mil.

O magistrado deverá condenar a União a pagar honorários advocatícios em
favor da Defensoria Pública? Se a DPU está patrocinando uma causa contra a
União (ou contra entidades federais) e o Poder Público é sucumbente, deverá
pagar honorários advocatícios para a Defensoria Pública?

É sobre isso que vou tratar neste artigo. No entanto, é
importante que caminhemos por partes:

LC 80/90

A Lei Complementar nº 80/1994 prevê que são devidos
honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública mesmo que a parte
sucumbente seja um ente público. Confira:

Art. 4º (…)

XXI – executar e receber as verbas
sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por
quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria
Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e
à capacitação profissional de seus membros e servidores; (Incluído pela LC 132/2009).

Posição do STJ

Apesar disso, o STJ, em 03/03/2010, entendeu que não seriam
devidos honorários advocatícios e editou um enunciado espelhando essa posição:

Súmula 421-STJ: Os honorários
advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a
pessoa jurídica de direito público à qual pertença.

Exemplos de aplicação da súmula:

Ex1: João, assistido pela DPU, ingressa com ação contra a
União. Mesmo sendo o pedido julgado procedente, a União não seria condenada a
pagar honorários advocatícios porque a DPU “pertence” à União (pessoa jurídica
de direito público).

Ex2: Pedro, assistido pela DPE/AM, ajuíza ação contra o
Estado do Amazonas, que é julgada procedente. A DPE/AM, por “pertencer” ao
Estado do Amazonas (pessoa jurídica de direito público) não teria direito aos
honorários.

Argumento do STJ para a súmula 421: suposta “confusão”

A justificativa para o STJ editar essa súmula foi a de que
se a Fazenda Pública fosse condenada a pagar honorários em favor da Defensoria
Pública ela estaria pagando um valor que seria para ela mesma. Isso porque o
orçamento da Defensoria Pública é oriundo do ente público. Assim, se a União
fosse condenada a pagar honorários para a DPU haveria aquilo que, no Direito
Civil, chamamos de confusão (art. 381 do Código Civil), já que os recursos da
DPU vêm do Governo Federal.

A confusão ocorre quando, na mesma obrigação, se reúne numa
única pessoa a qualidade de credor e devedor. Ex: falece o credor, deixando
como único herdeiro o seu próprio devedor. O instituto está previsto no Código
Civil nos seguintes termos:

Art. 381. Extingue-se a obrigação,
desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor.

Confira um dos precedentes que deu origem à súmula:

(…) Segundo noção clássica do
direito das obrigações, ocorre confusão quando uma mesma pessoa reúne as
qualidades de credor e devedor.

2. Em tal hipótese, por
incompatibilidade lógica e expressa previsão legal extingue-se a obrigação.

3. Com base nessa premissa, a
jurisprudência desta Corte tem assentado o entendimento de que não são devidos
honorários advocatícios à Defensoria Pública quando atua contra a pessoa
jurídica de direito público da qual é parte integrante.

4. A contrario sensu, reconhece-se o
direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face
de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a Defensoria Pública
Estadual atua contra Município.

5. Recurso especial provido. Acórdão
sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC e à Resolução nº
8/2008-STJ.

STJ. Corte Especial. REsp 1108013/RJ,
Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 03/06/2009.

Por outro lado, mesmo de acordo com o STJ, a Defensoria
Pública teria direito aos honorários caso a ação tivesse sido proposta contra o
Município, por exemplo. Isso porque a Defensoria Pública não integra a mesma
pessoa jurídica do Município.

Ampliação da súmula para abranger também entidades da Administração
Indireta

Logo após a edição do enunciado, o STJ foi além e disse que o
entendimento da Súmula 421 também se aplica nas ações patrocinadas pela
Defensoria Pública contra as entidades (Administração Indireta) integrantes
da mesma pessoa jurídica. O tema foi definido em recurso repetitivo:

(…) 1. “Os honorários
advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a
pessoa jurídica de direito público à qual pertença” (Súmula 421/STJ).

2. Também não são devidos honorários
advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de
direito público que integra a mesma Fazenda Pública. (…)

STJ. Corte Especial. REsp 1199715/RJ,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2011.

Exemplos dessa ampliação da súmula:

Ex1: João, assistido pela DPU, ingressa com ação contra o
INSS (autarquia federal). Mesmo sendo o pedido julgado procedente, o INSS não
seria condenado a pagar honorários advocatícios.

Ex2: Pedro, assistido pela DPE/RJ, ajuíza ação contra a UERJ
(fundação pública estadual), que é julgada procedente. A DPE/RJ não terá
direito de receber honorários advocatícios.

ECs 45/2004, 74/2013 e 80/2014

A concepção exposta na Súmula 421 do STJ parte da premissa
de que a Defensoria Pública seria um órgão subordinado do Estado ou da União, sem
qualquer autonomia.

Assim, parte-se do pressuposto de que os recursos da
Defensoria seriam verbas do Estado ou da União que apenas decide repassá-las ou
não à Instituição, tal qual fosse uma “Secretaria” ou “Ministério”. Isso,
contudo, não é verdade.

A EC 45/2004 incluiu o § 2º ao art. 134 conferindo autonomia
para as Defensorias Públicas Estaduais. Veja o dispositivo que foi
acrescentado:

Art. 134 (…)

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

Essa autonomia já foi reconhecida pelo STF inúmeras vezes,
como no exemplo abaixo:

(…) I – A EC 45/04 reforçou a
autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, ao
assegurar-lhes a iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, §
2º).

II – Qualquer medida normativa que
suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros Poderes, em
especial ao Executivo, implicará violação à Constituição Federal. (…)

STF. Plenário. ADI 4056, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 07/03/2012.

Se você reparar bem, no entanto, verá que o § 2º somente
fala em Defensorias Públicas Estaduais. A Defensoria Pública da União e a
Defensoria Pública do Distrito Federal não foram contempladas, de modo que,
mesmo após a EC 45/2004, continuaram subordinadas ao Poder Executivo.

Essa injustificável distorção foi corrigida com a EC
74/2013, que incluiu o § 3º ao art. 134 da CF/88 com a seguinte redação:

Art. 134 (…)

§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às
Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.

Dessa forma, a EC 74/2013 conferiu, de forma indiscutível,
autonomia à DPDF e à DPU.

A EC 80/2014 reforçou ainda mais a autonomia da Instituição.

Diante disso, atualmente é pacífico o entendimento de que a
Defensoria Pública não pode ser considerada como um mero órgão da Administração
Direta. A Defensoria Pública goza de autonomia funcional, administrativa e
orçamentária (art. 134, § 2º, da CF/88), o que a faz ter o status de órgão
autônomo.

Como órgão autônomo, o repasse dos recursos destinados à
Defensoria Pública, assim como ocorre com o Judiciário, com o Legislativo e com
o Ministério Público, é uma imposição constitucional,
devendo ser efetuada sob a forma de duodécimos, até o dia 20 de cada mês,
conforme previsto no art. 168 da CF/88. Nesse sentido decidiu o STF:

(…) 1. Às Defensorias Públicas
Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa, bem como a
prerrogativa de formulação de sua própria proposta orçamentária (art. 134, §
2º, da CRFB/88), por força da Constituição da República, após a Emenda
Constitucional nº 45/2004.

2. O repasse dos recursos
correspondentes destinados à Defensoria Pública, ao Poder Judiciário, ao Poder
Legislativo e ao Ministério Público sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de
cada mês (art. 168 da CRFB/88) é imposição constitucional; atuando o Executivo apenas como órgão arrecadador dos recursos
orçamentários, os quais, todavia, a ele não pertencem
.

3. O repasse dos duodécimos das verbas
orçamentárias destinadas ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário, ao
Ministério Público e à Defensoria Pública quando retidos pelo Governado do
Estado constitui prática indevida em flagrante violação aos preceitos
fundamentais esculpidos na CRFB/88. (…)

STF. Plenário. ADPF 339, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 18/05/2016.

Assim, a Defensoria Pública possui orçamento próprio e
autonomia para geri-lo. Dentro desse contexto, revela-se incabível falar que existe
confusão quando o Poder Público é condenado a pagar honorários em favor da
Instituição considerando que os recursos da Defensoria Pública não se confundem
com o do ente federativo.

Decisão do STF na AR 1937

Apesar de existirem inúmeras decisões do STF reconhecendo a
autonomia da Defensoria Pública, faltava analisar, de forma específica a
questão dos honorários de acordo com as emendas constitucionais acima mencionadas.
Isso aconteceu agora no julgamento da AR 1937 AgR.

O STF decidiu que é possível sim a condenação da União a
pagar honorários advocatícios em favor da DPU, não havendo, no caso, confusão
em virtude da autonomia conferida à Instituição pelas emendas constitucionais
45/2004, 74/2013 e 80/2014.

Veja as palavras do Ministro Relator Gilmar Mendes:

“Percebe-se,
portanto, que, após as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014,
houve mudança da legislação correlata à Defensoria Pública da União, permitindo
a condenação da União em honorários advocatícios em demandas patrocinadas por
aquela instituição de âmbito federal, diante de sua autonomia funcional,
administrativa e orçamentária, cuja constitucionalidade foi reconhecida (…)”

Confira a ementa do julgado:

Agravo Regimental em Ação Rescisória.
2. Administrativo. Extensão a servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos
militares. 3. Juizado Especial Federal. Cabimento de ação rescisória.
Preclusão. Competência e disciplina previstas constitucionalmente. Aplicação
analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade. Rejeição. 4. Matéria com repercussão
geral reconhecida e decidida após o julgamento da decisão rescindenda. Súmula
343 STF. Inaplicabilidade. Inovação em sede recursal. Descabimento. 5. Juros
moratórios. Matéria não arguida, em sede de recurso extraordinário, no processo
de origem rescindido. Limites do Juízo rescisório. 6.
Honorários em favor da Defensoria Pública da União. Mesmo ente público.
Condenação. Possibilidade após EC 80/2014
. 7. Ausência de argumentos
capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo a que se nega provimento. 8.
Majoração dos honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC). 9. Agravo
interno manifestamente improcedente em votação unânime. Multa do art. 1.021, §
4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da causa.

STF. Plenário. AR 1937 AgR, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgado em 30/06/2017, Acórdão Eletrônico DJe-175 DIVULG 08-08-2017 PUBLIC
09-08-2017.

A decisão do STF foi tomada em um caso envolvendo DPU e
União. Vale ressaltar, no entanto, que o mesmo raciocínio pode ser perfeitamente
aplicado para os casos envolvendo ações patrocinadas pela Defensoria Pública estadual
contra o Estado-membro.

Importante esclarecer que o valor dos honorários não é
repassado para os Defensores Públicos, sendo repassado para um Fundo destinado,
exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação
profissional de seus membros e servidores.

Panorama atual da jurisprudência:

Em caso de ação patrocinada pela Defensoria Pública contra o respectivo
ente (ex: ação patrocinada pela DPU contra a União), caso o Poder Público seja
sucumbente, ele deverá pagar honorários advocatícios em favor da Instituição?

STJ: NÃO

STF: SIM

Súmula 421-STJ: Os
honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua
contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.

Após as ECs 45/2004,
74/2013 e 80/2014, passou a ser permitida a condenação do ente federativo em
honorários advocatícios em demandas patrocinadas pela Defensoria Pública,
diante de autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Instituição.

STF. Plenário. AR 1937 AgR,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/06/2017.

Resta aguardar qual será o entendimento do STJ após este
importante precedente do STF.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Foi Defensor Público.

Artigo Original em Dizer o Direito

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