O juiz Frederico Wildson da Silva Dantas, da 3ª Vara Federal em Alagoas, aplicou multa de 10 mil reais aos advogados Silvio Omena de Arruda, Felipe Máximo e David Alves de Araújo Junior. O magistrado é o responsável pelo processo em que a Braskem é acusada de provocar o afundamento do solo no bairro do Pinheiro e outras regiões de Maceió, forçando a desocupação de imóveis. Milhares de pessoas foram afetadas. Os três advogados queriam anular o acordo entre empresa e moradores, homologado pelo juiz.

Em sua decisão, Frederico Dantas rejeita a pretensão dos advogados em termos duros. Escreve que eles praticaram “litigância de má-fé” e agiram movidos por interesses particulares e não dos clientes que representam. Os três operadores do Direito chegam a alegar que o magistrado, ao homologar o acordo, estaria incorrendo em crime de abuso de autoridade, previsto em nova lei.

Tive acesso à íntegra da decisão do juiz no fim da tarde desta quinta-feira 27. Ele delibera sobre várias demandas levadas à Ação Civil Pública que originou o processo contra a Braskem. Vou reproduzir os trechos que tratam exclusivamente das petições dos advogados. Destaco em negrito os pontos que considero mais incisivos, além de esclarecedores, na formulação de Frederico Dantas:

“Vieram aos autos petições dos advogados Sílvio Omena de Arruda (OAB/AL 12.829), Felipe Máximo (OAB/PR 62.510), e David Alves de Araújo Júnior (OAB/PR 44.111 – OAB/AL 17.257ª), alegando, em suma, que o acordo homologado por este Juízo seria ilegal, porque fora formalizado sem a ciência das vítimas que têm advogados estabelecidos, em ofensa ao Estatuto da Advocacia, à Lei de Abuso de Autoridade e ao Código de Ética da OAB, requerendo em seguida a juntada de procurações e contratos, e advertindo o Juízo e as partes de que nenhum acordo que envolvesse os peticionantes listados poderia ser homologado sem a intimação e manifestação dos requerentes, sob pena de configurar infrações administrativas e crime de abuso de autoridade”.

“A própria pretensão dos advogados é manifestamente infundada. Somente os Autores desta ação coletiva, e outros colegitimados, possuem autorização legal para atuar em juízo na defesa dos direitos transindividuais objeto deste litígio e, para tanto, não necessitam da intervenção, nem muito menos da chancela dos advogados que representam individualmente eventuais beneficiários. Nesse passo, data maxima venia, é teratológica a alegação de que o acordo celebrado e sua homologação judicial violariam o Estatuto e o Código de Ética da OAB”.

“Não bastasse, da leitura das petições, constata-se que o objetivo dos requerentes é impedir o Juízo de homologar acordos individuais que venham a ser firmados pelos moradores com a Braskem S. A., porque isso supostamente iria ‘afrontar as prerrogativas do advogado’ e desrespeitar ‘procurações e contratos de prestação de serviços advocatícios’. Tudo indica que os advogados se insurgem contra o Termo de Acordo não pelo prejuízo que possa trazer aos seus clientes, mas justamente e na exata medida em que venha beneficiá-los, haja vista o receio de que a solução amigável da causa repercuta negativamente no cumprimento dos contratos de prestação de serviço celebrados. A toda evidência, esse fato não bastaria para impedir a homologação judicial dos acordos, pois, mesmo que o caso pudesse caracterizar infração disciplinar, isso não implicaria qualquer invalidade de negócio jurídico versando sobre direitos disponíveis dos beneficiários”.

“A propósito disso, há a registrar que, diante dos fatos que deram ensejo a esta demanda, onde foi noticiado iminente risco de desabamento dos imóveis, expondo milhares de famílias a risco de morte, data maxima venia, a preocupação manifestada pelos advogados é algo de menor importância, revelando atitude incompatível com a boa-fé objetiva e com a nobreza da profissão. É incompreensível para o Juízo que, no afã de garantir suas prerrogativas, os requerentes estejam dispostos a frustrar a execução do Termo de Acordo obtido pelo Judiciário, num esforço sem precedentes – mediante intervenção decisiva do Observatório Nacional sobre Questões de Alta Complexidade junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, para equacionar, em caráter emergencial, a situação difícil que atinge os moradores dos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto. Portanto, o papel do Judiciário é de buscar a solução integral da causa, com a efetivação do Termo de Acordo firmado pelas partes, como meio de preservar a vida, a integridade física e o patrimônio dos moradores das áreas afetadas, e não funcionar como fiscal do cumprimento de contratos de prestação de serviços advocatícios”.

“Por fim, este Juízo reconhece que a Lei nº 13.869/2019, que tipifica os crimes de abuso de autoridade, possui função relevante na democracia brasileira, servindo de instrumento para inibir arbitrariedades e por cobro a agentes públicos que abusam do seu poder. Todavia, a referência a esse diploma legal à guisa de censura, sem a indicação precisa de uma conduta criminosa, data venia, é uma conduta inapropriada, pois dá a entender que a intenção dos requerentes é inspirar temor ou intimidar de alguma maneira os agentes públicos destinatários da petição. Em boa verdade, se os requerentes genuinamente enxergam ou enxergarem a prática de abuso de autoridade por este magistrado, ou qualquer outro agente público, no exercício de suas funções, devem se valer dos meios institucionais próprios para formalizar a notícia crime, caso contrário, devem se abster de mencionar a Lei de Abuso de Autoridade em suas petições a pretexto de advertência, evitando a percepção de que estão utilizando o diploma legal como mero recurso retórico, atitude que não seria digna da profissão”.

“Por se tratarem de incidentes manifestamente infundados, verifica-se na hipótese a caracterização da litigância de má-fé, nos termos estabelecidos pelas regras do Art. 80, inciso VI, do CPC, motivo pelo qual os requerentes estão sujeitos à imposição de multa processual, nos termos do Art. 81 do Código. Ressalte-se que, nesse caso, a responsabilidade processual deve incidir na pessoa dos advogados e não dos clientes, pois as petições trazem pretensão dos causídicos, os quais se insurgem contra atos materiais que venham a ser praticados pelos clientes, sem seu conhecimento ou em desacordo com seus interesses, nomeadamente em desrespeito aos contratos de prestação de serviços advocatícios”.

“No tocante ao valor da multa, entendo não ser cabível a aplicação da regra do caput do Art. 81 do CPC, pois a causa possui valor bilionário, de maneira que a penalidade seria desproporcional ao ilícito. Ao revés, aplico por analogia a regra do § 2º do dispositivo, para fixar a multa em 10 (dez) salários mínimos. Ressalte-se que tal valor ainda é bastante módico diante do tumulto processual causado pelos requerentes, que trouxeram para os autos virtuais milhares de documentos, tornando extremamente difícil a consulta do processo – os autos tinham 24 páginas e, depois dos incidentes, passaram a exibir 236 páginas”.

“Rejeito os incidentes suscitados pelos advogados Sílvio Omena de Arruda (OAB/AL 12.829), Felipe Máximo (OAB/PR 62.510), e David Alves de Araújo Júnior (OAB/PR 44.111 – OAB/AL 17.257), os quais julgo manifestamente infundados, e determino a retirada da documentação que os acompanha dos autos”.

“Aplico multa por litigância de má-fé aos advogados Sílvio Omena de Arruda (OAB/AL 12.829), Felipe Máximo (OAB/PR 62.510), e David Alves de Araújo Júnior (OAB/PR 44.111 – OAB/AL 17.257), no valor de 10 (dez) salários mínimos, montante a ser dividido pro rata”.

O leitor do blog sabe que já critiquei a postura da OAB em relação a esse caso da Braskem. A Ordem mostrou estar mais preocupada com honorários dos advogados do que com a causa das famílias atingidas por um drama terrível. Agora, vejo que a coisa é ainda mais séria. Advogados tentam sabotar um acordo que foi aprovado pela maioria dos moradores! Voltarei ao assunto logo mais.

Fonte: Cada Minuto

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