Imagine a seguinte situação
hipotética:
hipotética:
João Lin mantém, há anos, um consultório
em sua casa chamado de “Centro de Acupuntura Chinesa”, onde atua como
acupunturista.
em sua casa chamado de “Centro de Acupuntura Chinesa”, onde atua como
acupunturista.
Vale ressaltar que João não
possui faculdade de Medicina.
possui faculdade de Medicina.
O Ministério Público, ao saber da
existência da clínica, denunciou João pela prática de exercício ilegal da
medicina, crime previsto no art. 282 do CP, alegando que a acupuntura é considerada
uma especialidade médica segundo o Conselho Federal de Medicina.
existência da clínica, denunciou João pela prática de exercício ilegal da
medicina, crime previsto no art. 282 do CP, alegando que a acupuntura é considerada
uma especialidade médica segundo o Conselho Federal de Medicina.
Art. 282. Exercer, ainda
que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem
autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem
autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena – detenção, de seis
meses a dois anos.
meses a dois anos.
Parágrafo único – Se o
crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
A denúncia do MP deverá ser
julgada procedente? João praticou o crime do art. 282 do CP?
julgada procedente? João praticou o crime do art. 282 do CP?
NÃO.
O exercício da acupuntura por indivíduo que
não é médico não configura o delito previsto no art. 282 do CP (exercício
ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica).
não é médico não configura o delito previsto no art. 282 do CP (exercício
ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica).
Não existe lei federal prevendo que a
acupuntura é uma atividade privativa de médico (art. 22, XVI, da CF/88).
acupuntura é uma atividade privativa de médico (art. 22, XVI, da CF/88).
STJ. 6ª Turma.
RHC 66.641-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/3/2016 (Info 578).
RHC 66.641-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/3/2016 (Info 578).
Norma penal em branco
O tipo penal descrito no art. 282
do CP é norma penal em branco e, por isso, deve ser complementado por lei ou
ato normativo em geral para que se discrimine e detalhe as atividades
exclusivas de médico, dentista ou farmacêutico.
do CP é norma penal em branco e, por isso, deve ser complementado por lei ou
ato normativo em geral para que se discrimine e detalhe as atividades
exclusivas de médico, dentista ou farmacêutico.
A complementação do art. 282 deve
ser feita por meio de lei federal que regulamenta as profissões de médico,
dentista ou farmacêutico.
ser feita por meio de lei federal que regulamenta as profissões de médico,
dentista ou farmacêutico.
Acupuntura não é privativa de
médico
médico
O exercício da medicina é regulamentado
por três leis federais:
por três leis federais:
a) Lei nº 12.842/2013;
b) Lei nº 3.268/57;
c) Decreto nº 20.931/32 (que tem
status de lei).
status de lei).
Em nenhuma delas é previsto que a
acupuntura é uma atividade privativa de médico.
acupuntura é uma atividade privativa de médico.
Atividades privativas de médico (Lei
nº 12.842/2013)
nº 12.842/2013)
Vale
ressaltar que a Lei nº 12.842/2013, em seu art. 4º, traz um rol de atividades
que são privativas de médico.
ressaltar que a Lei nº 12.842/2013, em seu art. 4º, traz um rol de atividades
que são privativas de médico.
O inciso II do § 4º do art. 4º previa
como atividade privativa de médico:
como atividade privativa de médico:
II – invasão da pele atingindo o
tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem,
instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;
tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem,
instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;
O objetivo velado deste inciso era
fazer com que a acupuntura se tornasse atividade privativa de médico.
fazer com que a acupuntura se tornasse atividade privativa de médico.
Ocorre que o dispositivo foi vetado
pela Presidente da República que apresentou a seguinte justificativa:
pela Presidente da República que apresentou a seguinte justificativa:
“Ao caracterizar de maneira ampla
e imprecisa o que seriam procedimentos invasivos, os dois dispositivos atribuem
privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos,
incluindo alguns que já estão consagrados no Sistema Único de Saúde a partir de
uma perspectiva multiprofissional. Em particular, o projeto de lei restringe a
execução de punções e drenagens e transforma a prática da acupuntura em
privativa dos médicos, restringindo as possibilidades de atenção à saúde e
contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do
Sistema Único de Saúde. O Poder Executivo apresentará nova proposta para
caracterizar com precisão tais procedimentos.”
e imprecisa o que seriam procedimentos invasivos, os dois dispositivos atribuem
privativamente aos profissionais médicos um rol extenso de procedimentos,
incluindo alguns que já estão consagrados no Sistema Único de Saúde a partir de
uma perspectiva multiprofissional. Em particular, o projeto de lei restringe a
execução de punções e drenagens e transforma a prática da acupuntura em
privativa dos médicos, restringindo as possibilidades de atenção à saúde e
contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do
Sistema Único de Saúde. O Poder Executivo apresentará nova proposta para
caracterizar com precisão tais procedimentos.”
Acupuntura não é ainda regulamentada
em lei
em lei
Não existe ainda lei federal
regulamentando a prática da acupuntura, sendo da União a competência privativa
para legislar sobre o tema, nos termos do art. 22, XVI, da CF/88 (STJ. 2ª
Turma. RMS 11.272-RJ, DJ 4/6/2001).
regulamentando a prática da acupuntura, sendo da União a competência privativa
para legislar sobre o tema, nos termos do art. 22, XVI, da CF/88 (STJ. 2ª
Turma. RMS 11.272-RJ, DJ 4/6/2001).
Voltando ao nosso caso concreto, como
não existe lei afirmando que a acupuntura é ato privativo de médico, está ausente
a complementação da norma penal em branco e o fato narrado é atípico.
não existe lei afirmando que a acupuntura é ato privativo de médico, está ausente
a complementação da norma penal em branco e o fato narrado é atípico.
Observação
O Conselho Federal de Medicina (CFM)
há anos pleiteia em ações movidas no Poder Judiciário para que a acupuntura
seja reconhecida como uma prática exclusiva médica, sob o argumento de que é
uma técnica que trata doenças e o diagnóstico e tratamento de doenças são
atividades exclusivas de médicos.
há anos pleiteia em ações movidas no Poder Judiciário para que a acupuntura
seja reconhecida como uma prática exclusiva médica, sob o argumento de que é
uma técnica que trata doenças e o diagnóstico e tratamento de doenças são
atividades exclusivas de médicos.
O tema ainda não foi decidido, de
forma definitiva, pelo STJ ou STF.
forma definitiva, pelo STJ ou STF.
O julgado acima explicado, apesar
de ser de uma turma que julga matéria criminal (6ª Turma do STJ) é um
importante precedente em sentido contrário aos interesses do CFM. Vamos
aguardar os desdobramentos do tema.
de ser de uma turma que julga matéria criminal (6ª Turma do STJ) é um
importante precedente em sentido contrário aos interesses do CFM. Vamos
aguardar os desdobramentos do tema.