O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar nesta quarta-feira (20) duas ações que discutem pontos da Convenção da Haia de 1980, tratado internacional que tem por finalidade facilitar o retorno de crianças retiradas ilegalmente de seu país de origem.
Até o momento, cinco ministros votaram pela compatibilidade do tratado internacional com a Constituição Federal e contra a possibilidade do retorno imediato de crianças e adolescentes ao exterior em casos de indícios de violência doméstica contra a mãe.
Esse entendimento foi inaugurado na última semana no voto do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e relator das ações.
Perspectiva de gênero
Na sessão de hoje, ao acompanhar o relator, o ministro Dias Toffoli defendeu que, nos casos de alegação de violência doméstica no país de residência habitual da criança, autoridades brasileiras (administrativas e judiciais) considerem a perspectiva de gênero, ou seja, a proteção da mãe.
Na avaliação do ministro, o entendimento de que indícios de violência e relatos da mulher são suficientes parte da premissa de que a situação de vulnerabilidade na qual ela se encontra dificulta a produção de provas robustas. Dessa forma, deve-se atribuir peso probatório diferenciado à palavra da mulher.
Retorno imediato
O ministro Flávio Dino propôs que o termo “retorno imediato” da Convenção seja compreendido de modo a sempre observar, previamente, um procedimento que garanta à mulher o contraditório e a ampla defesa, e não como uma execução automática, com a retirada repentina de crianças dos braços das mães.
Nesse sentido, o ministro Cristiano Zanin observou que a ausência de um rito processual definido dificulta o cumprimento da Convenção no país.
Papel da AGU
Os ministros demonstraram preocupação quanto à atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) nos casos de repatriação de crianças e adolescentes. De acordo com o artigo 33 do Código de Processo Civil (CPC), cabe ao órgão ajuizar medidas solicitadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública no âmbito da cooperação jurídica internacional.
Na avaliação de Dino, não cabe à advocacia pública atuar como parte em um litígio privado. Já para o ministro André Mendonça, quando no curso do processo se verificar que a representação é em relação a uma pessoa que praticou violência, a AGU deve reavaliar a sua posição.
Ações
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4245, o Partido Democratas (atual União Brasil) alega que algumas medidas previstas na norma, como o retorno imediato da criança, devem respeitar as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Para a legenda, o tratado tem recebido interpretações equivocadas a respeito dos procedimentos a serem adotados para garantir o retorno de crianças e adolescentes levados de seus países sem consentimento dos pais ou de um deles.
Já na ADI 7686, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pede que o tratado seja interpretado de modo a impedir que crianças que vivem em países estrangeiros e sejam trazidas ao Brasil pela mãe, sem a autorização do pai ou o contrário, não sejam obrigadas a retornar ao exterior quando houver suspeita de violência doméstica, mesmo que ela não seja a vítima direta.
(Suélen Pires/CR//VP)
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