A revolução digital está presente no sistema de Justiça do mundo inteiro. Discutir as oportunidades, desafios e riscos associados à integração de ferramentas tecnológicas, especialmente a inteligência artificial (IA) no Judiciário, foi objetivo da terceira sessão do J20. A reunião aconteceu na manhã desta terça-feira (14) e encerrou o encontro dos representantes das Supremas Cortes dos países do G20, fórum de cooperação econômica internacional que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Robert Barroso, fez uma reflexão inicial sobre a transformação digital em curso em todos os setores da sociedade e citou exemplos do emprego das novas tecnologias pelo Judiciário brasileiro. Digitalização de processos, realização de audiências virtuais e uso de IA para fins de filtragem de processos foram algumas das boas práticas compartilhadas pelo ministro.
Em seguida, os representantes dos países e instituições presentes fizeram suas intervenções, com mediação do presidente do STF. A maioria demonstrou convergir no sentido de que a ideia de integrar ferramentas tecnológicas nos processos judiciais é vital para a construção de processos mais eficientes e precisos e de instituições mais transparentes.
No entanto, foram levantadas preocupações com questões éticas, discriminatórias e excludentes que podem estar relacionadas à possibilidade de automatização de decisões e outras aplicações de IA nos processos judiciais.
Experiências compartilhadas
O presidente da Suprema Corte da Índia, Dhananjaya Yeshwant Chandrachud, contou que o país começou a integrar novas tecnologias no sistema judicial em 2007 e hoje tem o maior modelo eletrônico do mundo. “A tecnologia deve ser aproveitada para reduzir as desigualdades pré-existentes e melhorar a eficiência judicial. Apelo à criação de barreiras para proteção contra potenciais riscos de IA, enfatizando a importância de definir essas salvaguardas coletivamente como uma comunidade global”, afirmou o representante.
Sylvie Coudray, diretora da Divisão de Liberdade de Expressão e Educação para a Mídia da UNESCO, compartilhou dados de pesquisas realizadas pela instituição para entender melhor as demandas dos prestadores de serviço dentro do sistema judicial. Segundo ela, 90% dos entrevistados sublinharam a necessidade de formação jurídica sobre as implicações dos sistemas de IA na liberdade de expressão, na privacidade e em termos de direitos humanos e éticos.
Na Coreia do Sul, o emprego de inteligência artificial ampliou significativamente o acesso ao Poder Judiciário, contou o ministro da Corte Constitucional da Coreia do Sul, Hyung du Kim. Ele falou também de iniciativas de Singapura, onde a IA generativa age em casos menores e classifica decisões sem intervenção humana. “Se isso seguir evoluindo, essa IA vai conduzir julgamento automaticamente e pode ser o primeiro exemplo desse tipo no mundo.”
Na África do Sul essa realidade, porém, ainda é distante, disse o presidente da Corte Constitucional, Raymond Mnyamezeli Mlungisi Zondo. “Começamos a integrar tecnologias da informação no Judiciário na década de 90, mas nossos sistemas estão obsoletos. Ainda assim, tenho algumas experiências a compartilhar.”
Zondo contou que, atualmente, há um projeto piloto que permite a gestão eletrônica dos processos no país. “Isso funcionou muito bem e está crescendo para ser utilizado em outras cortes. Até o final desse ano, esperamos finalizar esse processo. É um exercício que demanda muitos anos.”
O encontro foi concluído no começo da tarde de terça-feira com a fala do ministro Luís Roberto Barroso. Ele fez um relato sobre os principais pontos discutidos nas três sessões do J20 e agradeceu as colaborações de todos os participantes. “Acho que estamos com a missão cumprida de criarmos uma plataforma para cooperação multilateral e nos ajudarmos na prestação de um melhor serviço jurisdicional, afinal esse é o nosso objetivo”, finalizou o presidente.