Se o autor pediu determinada quantia a título de danos morais e recebeu menos que esse valor, ele tem interesse e legitimidade para interpor recurso adesivo?


RECURSO ADESIVO

Ideia geral sobre o recurso adesivo

Imagine que em um processo, tanto o
autor (João) como o réu (Pedro) foram sucumbentes, ou seja, as duas partes não
conseguiram exatamente o que queriam.

Nesse caso, como houve sucumbência
recíproca, ambas as partes poderiam recorrer contra a decisão. Tanto João
quanto Pedro poderiam interpor apelação contra a sentença.

O ideal, para fins de pacificação
social, seria que as duas partes se conformassem com a decisão e que o processo
se encerrasse desde logo, ou seja, sem a interposição de recurso.

Na vigência do CPC 1939, no entanto,
muitas vezes acontecia de uma das partes já estar conformada, mas, com receio
de que a outra recorresse (e ela perdesse o que ganhou), interpor o recurso.

Voltando ao nosso exemplo, João já
estava satisfeito com o resultado. Por ele, o processo poderia se encerrar
logo. Entretanto, ele poderia ficar pensando: “E se Pedro recorrer? O processo não vai se encerrar, eu vou ter que
continuar acompanhando isso e, no final, minha situação nem poderá melhorar
porque eu não recorri. Então, vou recorrer também, só como garantia.”

Com o objetivo de evitar isso, o CPC de
1973 previu a interposição do recurso de forma adesiva, ou, como é mais
conhecido, o “recurso adesivo”.

O CPC 2015 também repetiu a previsão.

Veja como funciona o recurso adesivo
com base no exemplo:

Houve sucumbência recíproca, ou seja,
João e Pedro não conseguiram exatamente o que queriam. João já havia decidido
que não iria recorrer. Ocorre que Pedro, no último dia do prazo de 15 dias,
interpôs apelação.

João foi, então, intimado para
apresentar as contrarrazões à apelação. Já que Pedro interpôs recurso, João
decide recorrer também. Logo, irá apresentar as contrarrazões ao recurso de
Pedro e também uma apelação adesiva.

Nesse caso, diz-se que Pedro apresentou
“recurso independente” e João “recurso adesivo”.

Qual é o prazo que a parte tem para
interpor o recurso de forma adesiva?

A parte deverá interpor o recurso
adesivo no mesmo prazo de que dispõe para apresentar as contrarrazões.

Qualquer recurso poderá ser interposto
de forma adesiva?

NÃO. Pode-se recorrer de forma adesiva
aos seguintes recursos principais:

• apelação;

• embargos infringentes;

• recurso extraordinário;

• recurso especial.

Previsão

O recurso adesivo está previsto no art.
500 do CPC 1973 e no art. 997 do CPC 2015:

Art. 500. Cada parte interporá o
recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer
deles poderá aderir a outra parte
. O recurso adesivo fica subordinado ao
recurso principal e se rege pelas disposições seguintes:

I – será interposto perante a
autoridade competente para admitir o recurso principal, no prazo de que a parte
dispõe para responder;

II – será admissível na apelação, nos
embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial;

III – não será conhecido, se houver
desistência do recurso principal, ou se for ele declarado inadmissível ou
deserto.

Parágrafo único.  Ao recurso adesivo se aplicam as mesmas
regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo
e julgamento no tribunal superior.

Art. 997. Cada parte interporá o
recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.

§ 1º Sendo vencidos autor e réu, ao
recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro
.

§ 2º O recurso adesivo fica subordinado
ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos
requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal
diversa, observado, ainda, o seguinte:

I – será dirigido ao órgão perante o
qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe
para responder;

II – será admissível na apelação, no
recurso extraordinário e no recurso especial;

III – não será conhecido, se houver
desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.

AUTOR QUE RECEBE MENOS DO QUE
PEDIU A TÍTULO DE DANOS MORAIS É SUCUMBENTE?

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João propõe ação de indenização
por danos morais contra Pedro pedindo o pagamento de R$ 30 mil.

O juiz julga o pedido procedente,
condenando o réu a pagar a indenização por danos morais, mas fixando o valor em
R$ 10 mil.

Desse modo, o réu perdeu a ação
(foi sucumbente).

Indaga-se: além do réu, pode-se
dizer que o autor também foi sucumbente porque o valor que ele pediu não foi
acolhido? Pode-se afirmar que houve sucumbência (derrota) recíproca (de ambas
as partes)?

Para fins de DESPESAS PROCESSUAIS:

NÃO

Para fins de RECURSO:

SIM

Segundo o CPC, o litigante que
ficou vencido na demanda terá que pagar sozinho as despesas processuais.

Se houve sucumbência recíproca,
ou seja, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, as despesas serão
proporcionalmente distribuídas entre eles.

O STJ entende que, se o autor
pediu um determinado valor a título de danos morais e recebeu menos do que
desejava, para fins de pagamento das despesas processuais, ele não é
considerado como vencido (não perdeu a causa). Em outras palavras, se o autor
pediu um valor como danos morais e recebeu menos, não houve sucumbência
recíproca (só o réu perdeu e apenas ele terá que pagar as despesas
processuais).

Súmula 326-STJ: Na ação de
indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na
inicial não implica sucumbência recíproca.

Segundo o CPC, o litigante só
pode recorrer se ele tiver ficado vencido na demanda, ou seja, se ele perdeu.

Se houve sucumbência recíproca,
ou seja, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, as duas partes
poderão recorrer.

O STJ entende que, se o autor
pediu um determinado valor a título de danos morais e recebeu menos do que
desejava, para fins de recurso, ele é sim considerado como vencido
(perdeu a causa). Em outras palavras, se o autor pediu um valor como danos
morais e recebeu menos, sob a ótica dos recursos, houve sucumbência
recíproca. Neste caso, tanto o réu (que foi condenado), como o autor (que não
recebeu tudo que queria) poderão recorrer.

A Súmula 326-STJ trata apenas de
despesas processuais e honorários advocatícios. Tal enunciado não se aplica para
fins de interesse ou legitimidade recursal.

AUTOR QUE RECEBE MENOS DO QUE
PEDIU A TÍTULO DE DANOS MORAIS E RECURSO ADESIVO

Voltando ao exemplo que demos
acima:

O juiz julga o pedido procedente,
condenando o Pedro a pagar a indenização por danos morais, mas fixando o valor
em R$ 10 mil.

João pensou consigo mesmo: “eu
queria mais, no entanto prefiro acabar logo com esse processo e receber
imediatamente esses R$ 10 mil do que ficar tentando R$ 30 mil por mais alguns
anos; não vou recorrer”.

Ocorre que, no último dia do
prazo, Pedro interpôs apelação.

João foi, então, intimado para
apresentar contrarrazões à apelação. Neste momento, ele pensou: “ah, já que
esse ‘desgraçado’ recorreu, então agora eu também quero recorrer para aumentar
o valor da indenização; já que vou esperar mesmo, então quero tentar uma
quantia maior”.

Diante disso, o advogado de João
interpõe apelação na forma adesiva (na prática, chamada simplesmente de recurso
adesivo) pedindo a majoração do valor da indenização por danos morais.

Pedro apresenta contrarrazões
alegando que o recurso interposto por João é incabível, considerando que o
recurso adesivo só cabe se existir sucumbência recíproca e, no caso, não houve,
conforme preconiza a súmula 326 do STJ: “Na ação de indenização por dano moral,
a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica
sucumbência recíproca.”

A tese de Pedro está correta?

NÃO. O recurso adesivo pode sim ser
interposto pelo autor da ação de indenização julgada procedente, quando
arbitrado, a título de danos morais, valor inferior ao que era almejado. Isso
porque, neste caso, estará configurado o interesse recursal do demandante em
ver majorada a condenação, hipótese caracterizadora de sucumbência material.

Sucumbência recíproca

Realmente, só cabe recurso
adesivo se houve sucumbência recíproca, ou seja, se tanto o autor como o réu
perderam na sentença.

Sucumbência formal e material

A doutrina faz uma distinção
entre sucumbência formal e material (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Vol.
Único, 2ª ed., São Paulo: Ed. Método, 2011, p. 620-622):

a) Sucumbência FORMAL: ocorre
quando a parte não consegue aquilo que poderia ter processualmente obtido em
virtude do pedido formulado ao órgão jurisdicional.

b) Sucumbência MATERIAL: diz
respeito aos aspectos materiais do processo. A análise aqui não é processual,
mas sim sobre o bem ou os bens da vida que a parte poderia obter em virtude do
processo judicial e que não obteve em razão da decisão judicial. Essa
discrepância entre o desejado no mundo prático e o praticamente obtido no
processo gera a sucumbência material da parte.

Todas as vezes que houver
sucumbência formal, haverá também a material. Se a parte não conseguiu a
providência processual requerida, isso significa que, no mundo real, também não
obteve o bem da vida pretendido. Por outro lado, pode haver a sucumbência material
sem que exista a sucumbência formal, ou seja, a parte obteve a providência
processual, mas não conseguiu exatamente o bem da vida desejado.

Se o autor pediu a condenação do
réu em R$ 30 mil a título de danos morais e conseguiu a condenação em R$ 10 mil,
ele ganhou a demanda sob o ponto de vista formal (processual). Não se pode
dizer que houve sucumbência formal já que a providência processual requerida
foi atendida (o réu foi obrigado a pagar). No entanto, sob o ponto de vista
material, o autor teve sim uma sucumbência parcial (derrota parcial). Isso
porque ele não obteve exatamente o bem da vida que pretendia (queria 30 e só
teve 10). Logo, neste caso, o autor terá interesse em ver majorada a
condenação, hipótese caracterizadora, portanto, da sucumbência material
viabilizadora da irresignação recursal.

Não se aplica a Súmula 326 do STJ
porque esse enunciado é baseado na definição da responsabilidade pelo pagamento
de despesas processuais e honorários advocatícios. Ele não está relacionado com
interesse recursal. A correta leitura da súmula 326 é a seguinte:

Para fins de definição de quem irá
pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios, “na ação de
indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na
inicial não implica sucumbência recíproca”.

Logo, se o autor pediu uma
quantia a título de danos morais e obteve valor inferior ao desejado, podemos
concluir que:

• Sob o ponto de vista formal,
ele foi o vencedor da demanda e não terá que pagar as despesas processuais e os
honorários advocatícios do réu (Súmula 326-STJ);

• Sob o ponto de vista material,
ele foi sucumbente e terá direito de interpor recurso (principal ou adesivo),
já que não obteve o exato bem da vida pretendido.

Resumindo:

O recurso adesivo pode ser interposto pelo
autor da ação de indenização julgada procedente, quando arbitrado, a título de
danos morais, valor inferior ao que era almejado. Isso porque, neste caso,
estará configurado o interesse recursal do demandante em ver majorada a
condenação, hipótese caracterizadora de sucumbência material.

Realmente, só cabe recurso adesivo se
houver sucumbência recíproca, ou seja, se tanto o autor como o réu perderem na
sentença.

Se o autor pediu a condenação do réu em R$
30 mil a título de danos morais e conseguiu a condenação em R$ 10 mil, ele
ganhou a demanda sob o ponto de vista formal (processual). Não se pode dizer
que houve sucumbência formal, já que a providência processual requerida foi
atendida (o réu foi obrigado a pagar). No entanto, sob o ponto de vista
material, o autor teve sim uma sucumbência parcial (derrota parcial). Isso
porque ele não obteve exatamente o bem da vida que pretendia (queria 30 e só
teve 10). Logo, neste caso, o autor terá interesse em ver majorada a
condenação, hipótese caracterizadora, portanto, da sucumbência material
viabilizadora da irresignação recursal.

Não se aplica a Súmula 326 do STJ porque
esse enunciado é baseado na definição da responsabilidade pelo pagamento de
despesas processuais e honorários advocatícios. Ele não está relacionado com
interesse recursal.

Logo, se o autor pediu uma quantia a título
de danos morais e obteve valor inferior ao desejado, podemos concluir que:

• Sob o ponto de vista formal, ele foi o
vencedor da demanda e não terá que pagar as despesas processuais e os
honorários advocatícios do réu (Súmula 326-STJ);

• Sob o ponto de vista material, ele foi
sucumbente e terá direito de interpor recurso (principal ou adesivo), já que
não obteve o exato bem da vida pretendido.

STJ. Corte
Especial. REsp 1.102.479-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Corte Especial, julgado em
4/3/2015 (recurso repetitivo) (Info 562).

Artigo Original em Dizer o Direito

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