Esta quinta-feira (13) marcou o último dia do “Simpósio sobre Lei Penal e Processo Penal em conflitos armados: peculiaridades da Era da Informação”, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum), em Brasília, e com transmissão pelo Youtube.

A jornada de aprendizado foi aberta pelo especialista em Direito Penal Internacional, o procurador regional da República Vladimir Aras. Ele trouxe o tema “A jurisdição do Tribunal Penal Internacional e o ordenamento jurídico brasileiro” e logo afirmou que a finalidade precípua desse sistema de organismos internacionais é a proteção internacional da pessoa humana.

E citou como integrantes desse sistema de proteção o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), que têm a intenção de garantir direitos, proteger, investigar, processar e punir as violações às pessoas. 

O palestrante fez uma linha do tempo de como se configurou na sociedade global o arcabouço jurídico, normativo e organizacional de proteção dos direitos humanos, a começar pelo Tratado de Paris, de 1928; da Carta das Nações Unidas, de 1945; da Convenção sobre Genocídio, de 1948 e dos Princípios de Nuremberg até chegar ao Estatuto de Roma de 1998.

Foi o Tratado de Roma, do qual o Brasil é signatário, que criou, em 17 de julho de 1998,  o Tribunal Penal Internacional (TPI), organização internacional permanente e independente que tem competência para julgar indivíduos por crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão.

O procurador explicou que, passados 24 anos de sua criação, podem ser enumerados diversos fracassos e êxitos do TPI, mas fez questão de mostrar uma curva ascendente na proteção do homem, e apresentou as quatro gerações de aplicação do Direito Penal Internacional:  a 1ª geração, nascida nos julgamentos de Nuremberg e Tóquio, em 1945; a 2ª Geração, nos genocídios da Iugoslávia, em 1993, e de Ruanda em 1994;  de  3ª geração, com a criação do próprio Tribunal Penal Internacional e da Corte Internacional de Haia, em 1998, e, mais recentemente, a atuação de 4ª geração, com a atuação de cortes híbridas.

Nestas cortes híbridas, conta ele, há um método adotado para se desviar de algumas inflexibilidades do Estatuto de Roma, em que cortes nacionais, montadas dentro da estrutura local, viram uma corte internacional, com juízes internacionais e promotores locais e estrangeiros para julgar crimes de competência do TPI e citou como exemplo os tribunais do Camboja, do Líbano, de Kosovo e da Bósnia.

Vladimir Aras também diferenciou as competências do Tribunal Penal Internacional e da Corte Internacional de Justiça. Ambos funcionam em Haia.

“O TPI não pertence à ONU: é de matéria penal e julga pessoas. Já  o Tribunal de Haia, Corte Internacional de Justiça, pertence à ONU, e julga Estados. Sua função é solucionar, em concordância com o direito internacional, disputas legais submetidas por Estados, além de oferecer pareceres consultivos sobre questões legais apresentadas por órgãos autorizados da ONU e outras agências especializadas”, afirmou.

O Brasil, apesar de ser signatário do Tribunal Penal Internacional, anda atrasado na regulamentação interna para se adequar às exigências dessa Lei Internacional. A primeira questão é a prisão perpétua, prevista no TPI e vetada no Brasil por força Constitucional. O Congresso Nacional brasileiro ainda não se debruçou sobre esse tema e sobre como vai resolvê-lo. Da mesma forma, o país ainda não ratificou as Emendas de 2009 e nem tem em sua legislação o crime de agressão de Estados, por exemplo, e por isso torna algumas normas do TPI incompatíveis com a Lei interna pátria. O TPI tem jurisdição temporal desde 1º de julho de 2002 e tem hoje 123 Estados signatários. No entanto, Rússia e EUA não integram o organismo internacional.

Direito Administrativo Global

A segunda palestra do dia foi do Juiz Federal e Professor de Direito da UERJ Valter Shuenquener. O professor abordou o tema “O Direito Administrativo Global e sua Visão em Tempos de Conflitos Armados” e lecionou que hoje há no mundo cerca de 10 conflitos armados, além da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Ele trouxe princípios filosóficos para dizer que o conflito é inerente ao ser humano e da própria civilização. E, não à toa, os organismo internacionais surgiram momentos depois das duas principais guerras do século XX, na esteira dos horrores contra a degradação humana. Mas, segundo ele, não adianta criar organismos apenas no papel sem se ter o efetivo poder de cumprimento de suas determinações legais.

Esse é o grande desafio do mundo moderno. É fazer os Estados membros aplicarem as decisões desses organismos criados justamente para mediar e promover a resoluções de conflitos entre as nações. “E há outros dilemas. Quem atua nos organismos não foi eleito por voto em suas nações. Não teve legitimidade popular. Como legitimar sua decisões perante várias nações? São dificuldades apresentadas em todos os organismos. Nem todos os Estados estão de acordo com alguns pronunciamentos. Como conciliar o voto de cada país, com mesmo peso, em se comparando nações poderosas, em todos os sentidos, com nações pequenas com 30 mil habitantes e com o mesmo peso de voto?”, indaga o professor.

Segundo o palestrante, não se tem uma fórmula pronta e que, com a crescente participação dos indivíduos na arena de pressão com a ascensão das novas tecnologias, esse modelo de organismos e de solução de conflitos, criado no século passado, se não for evoluído, está fadado ao insucesso.  

Some-se a isso a falta de identidade que os organismos como a ONU e a OEA têm junto às pessoas integrantes das diversas nações, o que pode ter na transparência uma solução para essa crise, segundo especialista. “Transparência da produção das normas é essencial para a vida dessas organizações multilaterais.  É um desafio ainda não alcançado para se reconhecer valores universais como democracia e direitos humanos. É um desafio legitimar representantes nesses organismos sem eles terem sido eleitos, como são os parlamentares. Transparência é uma saída inteligente e estratégica

Medidas nacionais para repressão penal de violações

As medidas nacionais para a repressão penal diante das violações graves ao Direito Internacional Humanitário foi o tema da palestra do advogado e consultor legislativo do Senado Federal Tarciso Del Maso Jardim, que abriu os trabalhos da tarde desta quinta-feira.

O palestrante conceituou o que são violações graves para o Direito Internacional Humanitário (DIH), por meio de um resgate histórico, desde a convenção de 1864, que buscou a melhoria da sorte dos feridos em campanha, até o Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional.

Jardim explicou que a definição de violações graves ao DIH, chamados de crimes de guerra, foi realizada pelas quatro convenções de Genebra, juntamente com seus protocolos adicionais, sendo as tipificações debatidas e acrescidas em tratados internacionais diversos ao longo dos anos.

O Brasil ratificou praticamente todos os tratados, mas não houve implementações formais das modificações das ratificações, como a própria definição de crimes de guerra ou do que seja a própria guerra de acordo com o Direito Internacional Humanitário. Segundo o palestrante, não há tipos penais no ordenamento jurídico brasileiro que correspondam ao tipos penais a serem aplicados em caso de conflitos armados no Brasil, como os tipos que tratam de prisioneiros de guerra e a repatriação deles, por exemplo.

Segundo Jardim, sem uma tipificação penal de crimes de guerra, o Brasil corre o risco de ter um julgamento direto no Tribunal Penal Internacional, já que esse Tribunal só julga se o estado não o fizer, deixando de exerer sua soberania.

O palestrante ainda explicou que o Brasil, ratificando todas as convenções e tratados, tem a obrigação de implementar as atuallizações de tipificação penal, o que foi feito com relação às minas terrestres e às armas químicas, respectivamente tipificadas nas Leis nº 10.300/01 e 11.254/05.

Tarcicio Del Maso Jardim ainda explicou que há dois principais projetos legislativos em tramitação, nº 4.038/08 e nº 3.817/21, que trazem tipificações exigidas pelo Estatuto de Roma, definindo conflitos armados internacionais e não internacionais, define a cooperação com os tribunais penais internacionais, dispõe sobre o crime de genocídio, define crimes contra a humanidade, crimes de guerra contra a administarção da Justiça do TPI, dentre outros.

A palestra “Ecos da Condução das Hostilidades no Conflito Russo-Ucraniano” foi realizada pelo professor de Direito Internacional Humanitário Carlos Frederico Cinelli, a qual teve como foco as normas de proteção às pessoas e os métodos utilizados nos conflitos armados internacionais.

O palestrante falou dos princípios do DIH, humanidade, distinção, limitação, proporcionalidade e necessidade militar, que precisam ser respeitados quando houver decisões acerca da estratégia militar durante um conflito. A utilização de armas e de munições; a proteção aos civis e ex-combatentes; a escolha objetiva do local a ser atacado; a preservação de hospitais nos confrontos, a proporcionalidade do uso da força, por exemplo, são ações que precisam se ater aos princípios citados acima.

Diante desses conceitos, o palestrante falou sobre o conflito armado na Ucrânia sob à luz do DIH, caracterizada, segundo ele, como uma guerra de 3ª geração. Por meio de notícias de meios de comunicação, o palestrante analisou aspectos como objetivos militares, tratamento de prisioneiros de guerra, dentre outros.

Na opinião de Cinelli, as notícias têm demonstrado violações ao Direito Internacional Humanitário, como no tratamento de prisioneiros por parte da Rússia, com decapitações de prisioneiros, por exemplo, para intimidar os ucranianos. Também são percebidas violações no que tange a objetivos militares com a falta de precaução, resultando em ataques a alvos que deveriam ser protegidos, como maternidades, por exemplo. Porém, a análise do palestrante também sinalizou situações em que houve respeito aos princípios do DIH, com o aviso de previsão de bombardeios para que os civis pudessem ser evacuados, por parte da Rússia.

O palestrante ainda ressaltou as razões pelas quais os militares devem evitar o cometimento de crimes de guerra: obrigação jurídica; escolha política legitimadora e dever ético. Além disso, respeitar o DIH para as forças militares, revela o traço de profissionalismo do militar, eleva o moral e a disciplina, reforça o exemplo ante os subordinados, multiplica o poder de controle e revela a expectativa de reciprocidade.

O subprocurador-geral da Justiça Militar e professor adjunto de Direito Penal da UnB Carlos Frederico falou sobre Persecução Penal em Conflito Armado Não-Internacional.

O palestrante falou sobre o Artigo 3º comum a quatro convenções de Genebra, que estabelece regras sobre conflitos de caráter não internacional. Ele explicou que, apesar de falar sobre tais conflitos, os mesmos não são definidos pelo artigo, que também não estabelece requisitos e parâmetros para caracterizá-los, deixando para a ocasião pontual.

Após a Segunda Guerra mundial, houve um aumento de conflitos internos, porém as regulamentações existentes até então não se aplicavam às situações de tensão e de perturbação internas. Somente, com o Protocolo II, em 1977, falou-se em grupos dissidentes e grupos armados que questionam o poder e ocupam um determinado território.

Os Tratados que se referiam a conflitos armados começaram a ser assinados pelos países e neles estavam incluídos normas protetivas dentro de conflitos armados não internacionais, o que começa a aproximar as regras dos conflitos armados internacionais e não internacionais. Segundo ele, os efeitos dos dois conflitos, no que se refere à proteção da pessoa, são similares.

A jurisprudência do Tribunal na antiga Iugoslávia estabeleceu parâmetros focados em dois aspectos importantes: intensidade e organização do ator não estatal e, mais tarde, o Estatuto de Roma trouxe para esse tratado possíveis crimes de guerra para conflitos não internacionais, preservadas as diferenças.

O palestrante acredita que algumas situações ocorridas no Rio de Janeiro poderiam ser enquadradas na categoria de conflitos armados não internacionais e, por isso, poderiam ser aplicadas as normas do Direito Humanitário.

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Com Informações so Superior Tribunal Militar

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