STF decide que Defensoria Pública pode propor ACP na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos


A Defensoria Pública pode ajuizar
ação civil pública?
SIM. Trata-se, inclusive, de
previsão expressa da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):

Art. 5º Têm legitimidade
para propor a ação principal e a ação cautelar:

II — a Defensoria Pública;
(Redação dada pela Lei nº 11.448/2007).

A inclusão da Defensoria no rol
de legitimados para ajuizar ACP foi determinada pela Lei nº 11.448/2007.

Antes da Lei nº 11.448/2007, a
Defensoria tinha legitimidade para propor ACP?

SIM, considerando que o art. 5º,
da LACP e o art. 82, II, do CDC já previam que a ACP poderia ser proposta pela União
e pelos Estados. Logo, como a DPU é um órgão da União e a DPE é um órgão do
Estado, a jurisprudência majoritária entendia que as Defensorias já possuíam
legitimidade para a ACP mesmo antes da Lei n.°
11.448/2007. Confira um precedente do STJ neste sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES.

A Turma, por maioria,
entendeu que a defensoria pública tem legitimidade para propor ação civil
pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão
vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão
especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a
condição expressa no art. 82, III, do CDC. (…)

STJ. 3ª Turma. REsp
555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.

A alteração promovida pela Lei nº
11.448/2007 foi, no entanto, muito importante porque reforçou ainda mais essa legitimidade:

(…) 2. Este Superior
Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art.
5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a
Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. (…)

STJ. 1ª Turma. REsp
912849/RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 26/02/2008.

ADI 3943 proposta pela CONAMP

Nem todos, no entanto, ficaram
satisfeitos com a importante novidade legislativa.

A Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público (CONAMP) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contestando
a constitucionalidade da Lei n.°
11.448/2007, que acrescentou no art. 5º da Lei n.°
7347/85 o inciso que legitima a Defensoria Pública a propor ACP.

A CONAMP alegou que a
possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ACP “afeta
diretamente” as atribuições do Ministério Público.

Para a entidade, a inclusão da
Defensoria Pública afrontaria também os arts. 5º, LXXIV e 134, caput, da CF/88, considerando que a função
constitucional da instituição seria a de prestar assistência jurídica integral
e gratuita apenas aos hipossuficientes e, no bojo de uma ACP, não teria como ter
certeza se a ação estaria beneficiando apenas pessoas carentes ou também indivíduos
economicamente ricos.

Assim, a CONAMP pediu que esta inclusão
fosse declarada inconstitucional ou, então, que o STF dissesse que a Defensoria
Pública não pode ajuizar ACP em matéria de direitos difusos ou coletivos. Segundo
a tese da autora, a Defensoria, se pudesse propor ACP, somente poderia fazê-lo quanto
a direitos individuais homogêneos e desde que ficasse individualizada e identificada
a presença de pessoas economicamente hipossuficientes.

Segundo a autora, a Defensoria
Pública foi criada para atender, gratuitamente, aqueles que possuem recursos
insuficientes para se defender judicialmente ou que precisam de orientação
jurídica, de modo que seria impossível a sua atuação na defesa de interesses
difusos e coletivos em razão da dificuldade de identificar quem é carente. No
seu entendimento, os atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos,
individualizáveis, identificáveis, para que se saiba se a pessoa atendida pela
Instituição não possui recursos suficientes para o ingresso em juízo.

O STF concordou com os argumentos
da ADI proposta? É inconstitucional a previsão de que a Defensoria Pública pode
ajuizar ACP na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos?

NÃO. Não há qualquer
inconstitucionalidade na previsão da Lei nº 11.448/2007. Ao contrário, essa lei
já era compatível com o texto originário da CF/88 e isso ficou ainda mais claro
quando o Congresso Nacional aprovou a EC 80/2014, que alterou a redação do art.
134 da CF/88 prevendo expressamente que a Defensoria Pública tem legitimidade para
a defesa de direitos individuais e coletivos (em sentido amplo). Veja:

Art. 134. A Defensoria
Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,
aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição
Federal. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 80/2014)

Desse modo, seja antes da EC 80/2014
e com maior razão depois, a Defensoria Pública possui sim legitimidade para
propor ação civil pública na defesa de interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos.

Segundo pontuou a Ministra Cármen
Lúcia, em um país como o nosso, marcado por graves desigualdades sociais e pela
elevada concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação
da democracia e da cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Somente se conseguirá
promover políticas públicas para reduzir ou suprimir essas enormes diferenças se
forem oferecidos instrumentos que atendam com eficiência às necessidades dos cidadãos
na defesa de seus direitos. Nesse sentido, destaca-se a ação civil pública. Dessa
feita, não interessa à sociedade restringir o acesso à justiça dos
hipossuficientes.

A interpretação sugerida pela CONAMP
restringe, sem fundamento jurídico, a possibilidade de utilização da ação civil
pública, que é instrumento capaz de garantir a efetividade de direitos
fundamentais de pobres e ricos a partir de iniciativa processual da Defensoria
Pública.

Exigir que a Defensoria Pública,
antes de ajuizar a ACP, comprove a pobreza do público-alvo não é condizente com
os princípios e regras norteadores dessa instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da CF/88.

Vale ressaltar que no momento da
liquidação e execução de eventual decisão favorável na ação coletiva, a
Defensoria Pública irá fazer a assistência jurídica apenas dos
hipossuficientes. Nesta fase é que a tutela de cada membro da coletividade
ocorre separadamente.

Além disso, deve-se lembrar que a
CF/88 não assegura ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para o
ajuizamento de ação civil pública. Em outras palavras, a Constituição em nenhum
momento disse que só o MP pode propor ACP. Ao contrário, o § 1º do art. 129 da
CF/88 afirma que a legitimação do Ministério Público para as ações civis não
impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta
Constituição e na lei.

Em suma:

É
constitucional a Lei nº 11.448/2007, que alterou a Lei n.° 7.347/85, prevendo a
Defensoria Pública como um dos legitimados para propor ação civil pública.

Vale ressaltar
que, segundo o STF, a Defensoria Pública pode propor ação civil pública na
defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

STF. Plenário.
ADI 3943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6 e 7/5/2015 (Info 784).

APROFUNDANDO:

Vou agora aprofundar um pouco
mais o tema, tratando de alguns tópicos mais polêmicos e que ainda podem suscitar
divergências.
A legitimidade da Defensoria para
a ACP é irrestrita, ou seja, a instituição pode propor ACP em todo e qualquer
caso?

Apesar de não ser um tema ainda
pacífico, a resposta que prevalece é que NÃO.

Assim, a Defensoria Pública, ao
ajuizar uma ACP, deverá provar que os interesses discutidos na ação têm
pertinência com as suas finalidades institucionais.

Por que se diz que a legitimidade
da Defensoria não é irrestrita?

Porque a legitimidade de nenhum
dos legitimados do art. 5º é irrestrita, nem mesmo do Ministério Público. O STJ
já decidiu, por exemplo, que “o Ministério Público não tem legitimidade ativa
para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno
grupo de pessoas – no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente
individual.” (REsp 1109335/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2011).

Qual é enfim o parâmetro para a
legitimidade da Defensoria na ACP?

A doutrina majoritária tem
defendido que a Defensoria só tem adequada representação se estiver defendendo
interesses relacionados com seus objetivos institucionais e que se encontram
previstos no art. 134 da CF.

Segundo a posição tranquila no
STJ, a Defensoria Pública só tem legitimidade ativa para ações coletivas se
elas estiverem relacionadas com as funções institucionais conferidas pela
CF/88.
A própria Lei Orgânica da
Defensoria Pública (Lei Complementar n.°
80/94) nos faz concluir dessa forma:

Art. 4º São funções
institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(…)

VII – promover ação civil
pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes
;
(Redação dada pela LC 132/2009).

VIII – exercer a defesa
dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais
homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do
inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal
; (Redação dada pela LC
132/2009).

X – promover a mais ampla
defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo
seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos,
culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela LC 132/2009).

XI – exercer a defesa dos
interesses individuais e coletivos da criança e do
adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher
vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis
que mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela LC 132/2009).

No julgamento da ADI 3943, acima
explicada, diversos Ministros manifestaram esse mesmo entendimento.

A Min. Cármen Lúcia, em
determinado trecho de seu voto, afirmou:

“Não se está a afirmar a
desnecessidade de a Defensoria Pública observar o preceito do art. 5º, LXXIV,
da CF, reiterado no art. 134 — antes e depois da EC 80/2014. No exercício de
sua atribuição constitucional, é necessário averiguar a compatibilidade dos
interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis beneficiários
de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública.”

O Min. Roberto Barroso corroborou
essa conclusão e afirmou que o fato de se estabelecer que a Defensoria Pública
tem legitimidade, em tese, para ações civis públicas não exclui a possibilidade
de, em um eventual caso concreto, não se reconhecer a legitimidade da Instituição.
Em tom descontraído, o Ministro afirmou que a Defensoria não teria legitimidade,
por exemplo, no caso concreto, para uma ação civil pública na defesa dos sócios
do “Yatch Club”. E dando outro exemplo extremo, afirmou que a Defensoria não
teria legitimidade, no caso concreto, para ajuizar uma ação civil pública em
favor dos clientes “Personnalité” do Banco Itaú.

O Min. Teori Zavascki segue na
mesma linha e afirma que existe uma condição implícita na legitimidade da
Defensoria Pública para ações civis públicas que é o fato de ela ter que defender
interesses de pessoas hipossuficientes, sendo esta uma condição imposta pelo
art. 134 da CF/88.

A Min. Rosa Weber também deixou
claro que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações civis públicas,
mas que o juízo poderá aferir, no caso concreto, sua adequada representação.

Atenção. Não confunda: não se está
dizendo que a Defensoria Pública só pode propor ACP se os direitos discutidos
envolverem apenas pessoas “pobres”. Essa era a tese da CONAMP, que foi
rechaçada pelo STF. O que estou afirmando é que, para a Defensoria Pública ajuizar
a ACP aquele interesse discutido na lide tem que, de algum modo, favorecer seu
público-alvo (hipossuficientes), ainda que beneficie outras pessoas também.

Análise da legitimidade da Defensoria
Pública segundo a natureza do direito tutelado:

Direitos

DIFUSOS

Direitos

COLETIVOS

Direitos

INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS

A legitimidade da Defensoria
Pública é ampla.

Assim, a DP poderá propor a
ação coletiva tutelando direitos difusos, considerando que isso beneficiará
também as pessoas necessitadas.

No caso de ACP para a tutela de
direitos coletivos e individuais homogêneos, a legitimidade da DP é mais
restrita e, para que seja possível o ajuizamento, é indispensável que, dentre
os beneficiados com a decisão, também haja pessoas necessitadas.

Se o interesse defendido
beneficiar pessoas economicamente abastadas e também hipossuficientes, a
Defensoria terá legitimidade para a ACP?

SIM, considerando que, no
processo coletivo, vigoram os princípios do máximo benefício, da máxima
efetividade e da máxima amplitude.

Dessa feita, podendo haver
hipossuficientes beneficiados pelo resultado da demanda deve-se admitir a
legitimidade da Defensoria Pública.

É o caso, por exemplo, de
consumidores de energia elétrica, que tanto podem abranger pessoas com alto
poder aquisitivo como hipossuficientes:

LEGITIMIDADE. DEFENSORIA
PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA.

A Turma, ao prosseguir o
julgamento, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar
ação civil coletiva em benefício dos consumidores de energia elétrica, conforme
dispõe o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985, com redação dada pela Lei nº 11.448/2007.
(…)

REsp 912.849-RS, Rel. Min.
José Delgado, julgado em 26/2/2008 (Info 346).

Exemplo em que o STJ reconheceu não
haver legitimidade, no caso concreto, para a Defensoria Pública propor ACP:

Segundo decidiu o STJ, a
Defensoria Pública não tem legitimidade para ajuizar ACP em favor de
consumidores de plano de saúde particular. Para a Corte, ao optar por contratar
plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de um
consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado,
de forma coletiva, pela Defensoria Pública.

Ao revés, trata-se de grupo que,
ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, presume-se
em condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que
necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo que se falar em hipossuficiência.

Assim, o grupo em questão não é
apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de
ajuizamento de ação civil.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.192.577-RS,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014 (Info 541).

Artigo Original em Dizer o Direito

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