Valores recebidos por servidores públicos por força de decisão judicial precária, posteriormente reformada, devem ser restituídos ao erário?


 

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João, servidor público, ingressou
com ação pedindo o pagamento de determinada gratificação que entende devida.

O juiz deferiu a tutela
provisória de urgência, determinando a inclusão dessa verba no seu
contracheque.

Assim, por força dessa decisão
provisória, João passou a receber R$ 4 mil a mais todos os meses.

Depois de 1 ano, essa decisão
interlocutória foi reformada pelo Tribunal.

Ao final, o pedido de João foi
julgado improcedente.

A Fazenda Pública pediu, então,
que João fosse condenado a devolver os valores que recebeu ao longo desses 12
meses por força da decisão liminar que foi revogada.

De acordo com a União, a devolução é imposta pelo art. 46, §
3º da Lei nº 8.112/90:

Art. 46 (…)

§ 3º Na hipótese de valores recebidos
em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a
sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a
data da reposição.

 

O pedido da União deverá
ser acolhido? João terá que devolver os valores relativos aos 12 meses que
recebeu por força da medida liminar posteriormente revogada?

Para o STJ, sim.

Valores recebidos por servidores públicos por força
de decisão judicial precária, posteriormente reformada, devem ser restituídos
ao erário. 

STJ. 2ª
Turma. AREsp 1.711.065-RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 03/05/2022
(Info 735).

 

A posição consolidada no STJ é no
sentido de que se o servidor recebeu valores com base em uma decisão judicial
precária, não se pode dizer que ele estivesse de boa-fé, pois a Administração
em momento algum gerou nele uma falsa expectativa de que aquele recebimento
seria definitivo.

Se fosse proibida a cobrança dos
valores haveria um desvirtuamento do próprio instituto da antecipação dos efeitos
da tutela, haja vista que um dos requisitos legais para sua concessão reside
justamente na inexistência de perigo de irreversibilidade.

Assim, o servidor não pode alegar
boa-fé como argumento para não devolver os valores recebidos por meio de
liminar. Isso porque essa medida é precária por natureza, não se podendo
presumir a definitividade do pagamento (STJ. 2ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp
1.609.657/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 16/03/2021).

 

O STF possui o mesmo
entendimento do STJ?

A 1ª Turma do STF decidiu em sentido
contrário ao STJ em um caso no qual ficou reconhecido que houve mudança de
jurisprudência. Explicando melhor: quando a liminar foi concedida, a
jurisprudência era favorável ao pleito do servidor. Posteriormente, isso mudou.
Confira:

Não deve ser determinada a devolução de valores recebidos de
boa-fé por servidor público, percebidos a título precário no período em que
liminar produziu efeitos.

É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar
revogada, em razão de mudança de jurisprudência. Também é descabida a
restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias em que o
servidor público atuou de boa-fé.

STF. 1ª Turma.
MS 32185/DF, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

 

Não há julgados recentes do STF
enfrentando novamente o tema.

 

DOD PLUS

Outros entendimentos
jurisprudenciais que são importantes sobre o assunto:

 

SITUAÇÃO

TERÁ QUE DEVOLVER?

1) Servidor recebe por decisão
ADMINISTRATIVA depois revogada por se constatar que houve errônea ou
inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

NÃO

STJ REsp
1244182-PB, Tema 531

2) Servidor que recebe
indevidamente valores em decorrência de erro administrativo da Administração
(erro operacional ou de cálculo), que não se enquadre como interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração.

SIM,

salvo se comprovar
a sua boa-fé objetiva

STJ REsp
1.769.306/AL, Tema 1009

3) Servidor recebe por decisão
JUDICIAL não definitiva depois reformada.

SIM

(posição do STJ)

STJ EAREsp 58820-AL

4) Servidor recebe por decisão
JUDICIAL não definitiva depois reformada (obs: a reforma da liminar foi
decorrência de mudança na jurisprudência).

NÃO

(posição do STF)

4) Servidor recebe por sentença
TRANSITADA EM JULGADO e que posteriormente é rescindida.

NÃO

STJ AgRg no AREsp
463.279/RJ

5) Herdeiro que recebe
indevidamente proventos do servidor aposentado depois que ele morreu.

SIM

STJ AgRg no REsp
1387971-DF

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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