Entidades e advogados encerram audiência pública sobre liberdades de expressão artística, cultural e de comunicação
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), encerrou nesta terça-feira (5) a audiência pública sobre liberdades públicas de expressão artística, cultural, de comunicação e direito à informação afirmando seu “respeito aos que produzem cultura no Brasil”. Segundo ela, a data de conclusão da audiência foi escolhida em razão das comemorações do Dia Nacional da Cultura e dos 170 anos de nascimento do jurista Ruy Barbosa, “grande defensor da democracia, da cultura e da liberdade, com todas as consequências que ele mesmo sofreu”.
A ministra Cármen Lúcia é relatora da a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 614, ajuizada pela Rede Sustentabilidade contra o Decreto presidencial 9.919/2019, que altera a estrutura do Conselho Superior do Cinema, e a Portaria 1.576/2019 do Ministério da Cidadania, que suspendeu por 180 dias o edital de seleção para produção audiovisual. Todo o conteúdo da audiência pública será consolidado e encaminhado aos demais ministros do Tribunal, a fim de subsidiar e instruir o julgamento da ADPF pelo Plenário. Segundo a ministra, o STF como guardião da Constituição Federal tem a responsabilidade de atuar “para que todo brasileiro de qualquer lugar desse país tenha acesso à cultura produzida e possa ser um ser humano feliz”.
Asfixia
A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), integrante da Comissão de Cultura da Câmara, afirmou que há uma decisão “muito explícita” do governo federal de “asfixiar” o setor cultural por medidas como a extinção do Ministério da Cultura, os ataques à Agência Nacional do Cinema (Ancine), os cortes orçamentários e os empecilhos administrativos para políticas culturais. “As comunidades LGBTI, os negros, as mulheres, os indígenas e os povos tradicionais não conseguem conquistar visibilidade pública se não for meio de ações afirmativas e políticas públicas”, disse.
O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ministro da Cultura no governo Michel Temer, assinalou que, ao suspender um edital regularmente instruído em fase final, sob pretexto de recompor os membros do comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o governo federal age de forma desproporcional e com desvio de finalidade. “Ao retirar a paridade entre sociedade civil e governo no comitê, o governo diminui caráter democrático do colegiado e traz insegurança ao setor”, salientou.
Falando em nome do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a advogada Flávia Lefèvre Guimarães defendeu que a transferência do Conselho Superior de Cinema à Casa Civil esvazia as finalidades da promoção da participação social e do estímulo ao controle social, pois sua atuação fica sujeita às interferências diretas da Casa Civil e da Presidência da República, “com risco de torná-lo um instrumento de patrulhamento ideológico ou de censura da produção artística”.
O presidente da Bravi (Brasil Audiovisual Independente), Mauro Alves Garcia, destacou os aspectos socioeconômicos da produção audiovisual e frisou que essa indústria reúne hoje mais de 13 mil empresas que geram 300 mil empregos. “Os editais são um mecanismo de inserção de pequenas produtoras na produção audiovisual brasileira”, sustentou.
Para o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP), Dorberto Rocha Carvalho, a sociedade brasileira vive um momento de grande responsabilidade, em que a classe artística tem medo do cerceamento ideológico e financeiro a seus projetos e da retirada do patrocínio das estatais às produções artísticas populares.
O presidente Sindicato da Indústria Audiovisual, Leonardo Edde, afirmou que o Brasil tem uma política nacional de cinema prevista em lei e um plano nacional de cultura constitucionalmente garantido. Para o dirigente, a cultura deve ser preservada de forma ampla como política de Estado, e não de governos, e as normas questionadas na ADPF vão contra a descentralização institucional prevista na Constituição.
Pluralidade
Representando a organização internacional de Direitos Humanos Artigo 19 Brasil, a advogada Camila Marques defendeu a pluralidade e a divergência de ideias e afirmou que as normas atacadas na ADPF 614 “têm efeitos práticos que restringem de forma indireta e ilegítima a liberdade de expressão, porque instituem uma censura prévia”. Ela defendeu a atuação do STF contra essas restrições, como fez nos casos da Marcha da Maconha, das biografias e da não exigência de registro profissional de músicos em entidades de classe.
Segundo o ator e diretor Luís Donizete Sandei de Melo, o acesso à cultura diversificada é fundamental para a construção de uma sociedade plural. “Cercear esse acesso é o primeiro passo para cercear a liberdade de expressão e a cultura popular”, afirmou.
A presidente do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Úrsula Vidal Santiago de Mendonça, sustentou que todas as esferas sociais devem se ver representadas no cinema, na dança e na arte em geral e que os editais públicos devem garantir essa diversidade. “Como é que o Brasil vai se enxergar sem a diversidade?”, questionou, lembrando que o a pluralidade é promovida principalmente pelas produções independentes.
Em nome do Sindicato dos Profissionais de Dança do Estado do Rio de Janeiro, sua presidente, Elisabete Spinelli, reiterou a defesa da liberdade de expressão, das garantias trabalhistas da classe artística e do direito à profissão regulamentada. “Arte e liberdade andam sempre de mãos dadas, e cultura é patrimônio do povo e a ele pertence”, afirmou. Segundo ela, a entidade também está se posicionando contra propostas legislativas que buscam proibir dança do passinho e outras expressões culturais em escolas. O assessor jurídico do sindicato, Luiz Eduardo Guimarães Borges Barbosa, apontou violação a diversos preceitos constitucionais na incorporação do Conselho de Cinema à Casa Civil da Presidência da República, como a diminuição da participação social e o controle ideológico por parte do governo preocupa a classe artística do país.
Interesse público
O presidente da Comissão de Cultura da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Pernambuco, André Souto Maior Mussalem, afirmou que os filtros e os demais critérios adotados pelo governo para seleção das produções culturais dão uma aparência de política discricionária a uma forma velada de censura, “muito mais nefasta do que a que havia em 1964”.
Representando o Conselho Federal da OAB, Carmem Iris Parellada Nicolodi apontou que as manifestações artísticas dependem de um trabalho de interpretação e de uma visão geral do trabalho do artista. “Não é permitido remover partes individuais de uma obra de arte do seu contexto e sujeitá-la a um exame para determinar se ela deve ser considerada como delito. Uma pessoa que desconhece as formas pelas quais a arte se manifesta não pode definir os padrões”, sustentou.
O presidente da Comissão Especial de Direitos Autorais da OAB, Sydney Limeira Sanches, frisou que o decreto e a portaria interferiram diretamente no setor audiovisual e que a alteração na composição do conselho não poderia ser alterada por decreto presidencial. “A suspensão de edital voltado ao financiamento de obras audiovisuais com recursos do FSA denota tentativa de dirigismo”, comentou.
O advogado Flávio Henrique Unes Pereira, do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), criticou a diminuição substantiva da composição de um conselho ligado à cultura, setor marcado pela diversidade. “O interesse público não é o interesse estatal”, afirmou, lembrando que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que a decisão do agente público precisa ser fundamentada e não pode ser motivada em noções abstratas.
RP, AR//CF
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