Imagine a seguinte situação hipotética:

A empresa X ajuizou uma ação contra a
empresa Z cobrando um milhão de reais.

O juiz deferiu tutela cautelar
determinando que a empresa Z depositasse o dinheiro cobrado em uma conta
judicial até que se aguardasse o pronunciamento final.

Após efetuar o depósito em juízo, a
empresa Z apresentou contestação reconhecendo que devia 200 mil reais e negando
o restante do débito.

Desse modo, perceba que, quanto aos 200
mil reais, não há controvérsia, isto é, tanto o autor como o réu concordam que
são devidos. Não há lide quanto a esse ponto. A controvérsia está nos 800 mil
reais restantes. Somente quanto a essa parcela incontroversa é que o juiz terá
que decidir na sentença quem tem razão.

Levantamento do valor incontroverso

Depois da contestação da ré, a autora apresentou
petição ao juiz requerendo o levantamento do montante incontroverso.

O magistrado
concordou com o pedido, fundamentando sua decisão no art. 273, § 6º do CPC:

Art. 273 (…)

§ 6º A tutela antecipada também poderá
ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles,
mostrar-se incontroverso.

Assim, foi expedido, em favor da autora,
um alvará judicial no valor de 200 mil reais.

Tese da autora

Ocorre que a empresa X não concordou com
o fato de o juiz ter liberado apenas 200 mil reais e afirmou que a esse valor
deveria ser acrescido os honorários advocatícios e os juros de mora.

A argumentação deduzida pela autora foi,
mais ou menos, a seguinte:

Nos casos do art. 273, § 6º, do CPC,
apesar da lei falar em “tutela antecipada”, o que se tem é um reconhecimento
parcial do pedido e um verdadeiro julgamento antecipado de parte do mérito da
demanda.

Assim, não se trata de tutela
antecipada, porque essa parcela já é definitiva por ser incontroversa. Não há nada
mais para decidir em relação a essa parte da demanda, que se exauriu quando a ré
reconheceu a procedência parcial do pedido.

Dessa forma, a decisão que autoriza o
levantamento da quantia incontroversa não é proferida com cognição sumária, mas
sim com cognição exauriente, capaz, inclusive, de produzir coisa julgada
material.

Por consequência, a execução dessa
parte incontroversa é definitiva (e não provisória).

Sendo definitivo o julgado, não existe
fundamento para retardar a incidência dos juros e dos honorários quanto a essa
parte do pedido.

Em suma, quanto aos 200 mil reais, o
Poder Judiciário já reconheceu que a autora tem direito. Quanto a essa parte da
demanda, a requerente já se sagrou vencedora e o réu sucumbiu. Logo, a autora tem
direito de receber os honorários de sucumbência e o valor principal (200 mil
reais) acrescidos dos juros de mora devidos desde a citação inicial.

A tese apresentada pela autora é aceita
pela doutrina? O § 6º do art. 273 do CPC é um caso de tutela antecipada ou de
julgamento antecipado da lide?


corrente: JULGAMENTO ANTECIPADO

2ª corrente: TUTELA ANTECIPADA

Os processualistas mais modernos
defendem que o § 6º do art. 273 do CPC não é, propriamente, tutela
antecipada, mas sim uma hipótese de julgamento antecipado parcial da lide.

A localização topográfica do § 6º
está errada e não deveria ter sido prevista no art. 273, mas sim no art. 330
do CPC.

Quando o juiz decide com base nesse §
6º sua cognição é exauriente e está fundada em juízo de certeza, sendo uma
decisão apta a gerar coisa julgada material.

A decisão que aplica o § 6º é apta
para fazer coisa julgada material.

Pode ser executada definitivamente.

Por outro lado, uma segunda corrente
sustenta que a regra do § 6º é sim uma hipótese de tutela antecipada, tanto
que está inserida dentro do art. 273 do CPC.

Houve, portanto, uma opção
legislativa.

No sistema atual do CPC, não é
possível imaginar que haja o fracionamento do momento de decidir, ou seja,
parte é decidida no começo do processo e outra parte somente no final. Em
suma, o processo brasileiro não admite “sentenças parciais”.

Apesar de o juízo de verossimilhança
ser mais forte do que nas demais hipóteses de tutela antecipada, é possível
que, ao final da demanda, o magistrado reformule seu entendimento e revogue
ou modifique a decisão que havia concedido a tutela.

A decisão que aplica o § 6º não é
apta para fazer coisa julgada material, por força de opção legislativa.

A execução é provisória.

Nesse sentido:

Fredie Didier Júnior

Cássio Scarpinella Bueno

Daniel Mitidiero

Leonardo José Carneiro da Cunha

Joel Dias Figueira Júnior

Nesse sentido:

Teori Zavascki

Athos Gusmão Carneiro

Cândido Rangel Dinarmarco

Qual das duas correntes foi adotada
pelo STJ?

A segunda.

Afirmou o Min. Rel. Ricardo
Villas Bôas Cueva:

“(…) não se discute que a tutela
prevista no § 6º do artigo 273 do CPC atende aos princípios constitucionais
ligados à efetividade da prestação jurisdicional, ao devido processo legal, à
economia processual e à duração razoável do processo, e que a antecipação em
comento não é baseada em urgência, nem muito menos se refere a um juízo de
probabilidade (ao contrário, é concedida mediante técnica de cognição
exauriente após a oportunidade do contraditório). Porém, como já dito, por
questão de política legislativa, a tutela acrescentada pela Lei nº 10.444/02
não é suscetível de imunização pela coisa julgada.

Assim sendo, não há como na fase de
antecipação da tutela, ainda que com fundamento no § 6º do artigo 273 do CPC,
permitir o levantamento dos consectários legais (juros de mora e honorários
advocatícios), que deverão ser decididos em sentença.”

STJ. 3ª Turma. REsp 1.234.887-RJ, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/9/2013.

MUITA ATENÇÃO com esse julgado que será
bastante explorado nos concursos públicos em 2014.

Artigo Original em Dizer o Direito

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