“Capacitismo e Interseccionalidade” reuniu palestrantes para contar experiências e elencar desafios a serem enfrentados pela sociedade brasileira nos próximos anos

Seminário Capacitismo e Interseccionalidade: experiências específicas, desafios coletivos. Foto do Plenário com cadeirantes em primeiro plano

Seminário Capacitismo e Interseccionalidade: experiências específicas, desafios coletivos. Foto do Plenário com cadeirantes em primeiro plano

19/09/23 – Como forma de marcar o Dia da Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado em 21 de setembro, o Tribunal Superior do Trabalho realizou, nesta terça-feira 919), o seminário “Capacitismo e Interseccionalidade: experiências específicas, desafios coletivos”. O evento contava com todos os recursos de acessibilidade, com intérpretes de Libras, audiodescrição, legendas e pessoas treinadas para atender ao público. 

Investimento social 

Segundo o ministro Agra Belmonte, presidente da Comissão de Acessibilidade, Diversidade e Inclusão do TST, não bastam  condenações judiciais, leis, tratados internacionais ou interdição de estabelecimentos se a sociedade não estiver consciente de que incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho não é um gasto nem um fardo. “Essa inclusão deve ser vista como um investimento social”, afirmou. “Precisamos assumir, enquanto Justiça do Trabalho, a responsabilidade de atuar para a inclusão da pessoa com deficiência considerando todos os desafios que decorrem da soma dos marcadores de exclusão”.

Preconceito estrutural

O ministro Cláudio Brandão, diretor do Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Servidores do TST (Cefast), observou que a sociedade brasileira continua a praticar o preconceito estrutural e o capacitismo no seu dia a dia. Segundo ele, a abertura do TST para que as pessoas com deficiência apresentem suas experiências é uma oportunidade de ampliação da nossa visão de mundo. “Assim, podemos enfrentar o desafio de não apenas não sermos capacitistas, mas de combatermos esse mal”.

Emprego digno 

O primeiro painel teve como tema “A mulher com deficiência e o acesso ao emprego digno”. Segundo Agna Alves, representante do Coletivo de Mulher com Deficiência do Distrito Federal, os desafios ainda são muitos. “O empregador, ao buscar currículos de pessoas com deficiência, escolherá sempre um homem e com a deficiência menos visível possível. Não se leva em conta, por exemplo, o fato de eu ser uma mulher negra, deficiente e qualificada”, afirmou. 

Para Anahi Guedes de Mello, coordenadora do Comitê de Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a deficiência é uma existência solitária, mas que precisa se deslocar da experiência individual para a coletiva. “Só assim as lutas feministas, anticapacitistas e antirracistas farão sentido para que caminhem juntas. Assim, poderemos ocupar cada vez mais espaços de fala e de poder”.

Pluralidade

A importância da diversidade inclusiva foi a tônica da palestra “Interseccionalidades: do Quilombo PCD ao Orgulho LGBTQIAPN+ (PcD)”, apresentada por Marcelo Zig, cadeirante e fundador do Coletivo de Pessoas Pretas com Deficiência. Ele reforçou a relevância da ampliação do debate sobre a pluralidade do universo de pessoas com deficiência. “É muito importante exercermos este protagonismo e alcançarmos uma esfera de poder como a Justiça do Trabalho”.

Para Priscila Siqueira, pessoa com nanismo, psicóloga e especialista em acessibilidade, diversidade e inclusão, é preciso aumentar o nível de consciência sobre a temática. “Precisamos de mais políticas públicas voltadas para quem somos enquanto cidadãs e cidadãos, e não apenas neste recorte PCD. A realidade é que pulamos um obstáculo por dia e ainda temos muito para descontruir”, concluiu.

Desafios de inclusão

No painel “Atuação do sistema de proteção ao trabalho na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, o auditor fiscal do trabalho Rafael Faria Giguer, integrante do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Porto Alegre (RS), disse que o principal desafio é fazer os empregadores entenderem que é essencial fazer as adaptações necessárias para incluir esse grupo no mercado de trabalho. 

Cego, ele relatou a descrença de um médico que o atendeu há alguns anos, que não acreditou que ele trabalhava na fiscalização do cumprimento de direitos trabalhistas. “Nossa sociedade é pautada no trabalho, e, quando excluímos a pessoa com deficiência do acesso ao trabalho, excluímos também sua dignidade”, enfatizou.

A procuradora do trabalho Danielle Olivares Corrêa, da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho, apontou como um dos principais obstáculos a serem superados a crença de que pessoas com deficiência não têm capacidade de participar da vida social como as outras, nem de ingressar no mercado de trabalho e de produzir com competitividade e efetividade. Essa barreira, segundo ela, é atitudinal, baseada na cultura assistencialista.

Barbárie

“O combate ao capacitismo a partir das decisões da Justiça do Trabalho” trouxe a apresentação da desembargadora Ana Paula Tauceda, do TRT da 17ª Região (ES), mãe de uma jovem com deficiência motora. “Quando nossos tribunais endossam condutas que discriminam ou negam direitos às minorias, é o Estado compactuando com a barbárie social”, alertou, ao apresentar dados de um levantamento sobre os acórdãos proferidos pelos TRTs desde a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Para o desembargador Eduardo Milléo Bacarat, do TRT da 9ª Região (PR), a capacitação de pessoas com deficiência pelas próprias empresas seria uma das soluções plausíveis para resolver os argumentos de que não há profissionais capacitados desse grupo disponíveis no mercado de trabalho para preencher as cotas estabelecidas por lei.

Atipicidade

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Débora Diniz encerrou a programação com a conferência “Novos diálogos do feminismo como referencial para a análise da deficiência”. Ela contou como perdeu a audição de um dos ouvidos e como foi receber esse diagnóstico sem ter noção de como seria sua vida dali para frente.

“Porque um corpo atípico ainda é tão discriminado? Pessoas com deficiência e idosas sofrem dessa forma de opressão de corpos típicos (sem deficiência) e são vítimas de atitudes capacitistas”, enfatizou. Segundo ela, a ideia do capacitismo é justamente olhar para o outro com uma ideia de que aquele corpo “deveria ser consertado”.

Ainda de acordo com a professora, as pessoas típicas normalmente não assumem a própria responsabilidade de aprender sobre as temáticas atuais (racismo, misoginia, capacitismo, branquitude) e sobre como devem se portar diante de um colega de trabalho com deficiência. Para Débora Diniz, o verdadeiro desafio atual é construir um espaço comum em que todos possam conviver de forma confortável, sem medos, julgamentos e constrangimentos.

Azul y Blanco

Dentro da programação do seminário, foi montada a exposição “Azul y Blanco: as belezas do Lago Argentino”, da fotógrafa Jessica Mendes. Ela, que tem Síndrome de Down, fotografa desde os 15 anos e viajou para o país vizinho para conhecer as belezas de El Calafate (Patagônia) em outubro de 2022. A exposição pode ser vista até sexta-feira (22) no Espaço Cultural do Tribunal, localizado no mezanino do bloco A.

Programação

Nesta quarta-feira (20), será realizada uma oficina para magistrados e servidores com o objetivo de elaborar um documento com sugestões que podem ser adotadas pela Justiça do Trabalho, nos próximos anos, para promover a acessibilidade e a inclusão.

Veja mais imagens do seminário.

(Juliane Sacerdote/Andrea Magalhães/Nathália Valente/CF)

Média

(0 Votos)



Com informações do Tribunal Superior do Trabalho

Posts Similares

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.