Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no dia de hoje (08/05/2015),
mais uma emenda constitucional.

Trata-se da EC 88/2015, que ficou
jocosamente conhecida como “PEC da Bengala” em virtude de aumentar o limite de
idade da aposentadoria compulsória dos Ministros de Tribunais Superiores.

Vejamos alguns breves comentários
sobre o tema.

APOSENTADORIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

A CF/88, em seu art. 40, prevê as
regras gerais sobre a aposentadoria dos servidores públicos estatutários, sejam
eles federais, estaduais ou municipais, tanto do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário.

O conjunto de regras referentes a
aposentadoria dos servidores públicos estatutários é chamada de “Regime Próprio
de Previdência Social” (RPPS).

O assunto que estamos tratando
aqui diz respeito ao RPPS.

ESPÉCIES DE APOSENTADORIA DO RPPS

Existem três espécies de
aposentadoria no RPPS:

1) APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
(art. 40, § 1º, I)

Ocorre quando o servidor público
for acometido por uma situação de invalidez permanente, atestada por laudo
médico, que demonstre que ele está incapacitado de continuar trabalhando.

Como regra, o servidor aposentado
por invalidez receberá proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

Exceção: ele terá direito a
proventos integrais se a invalidez for decorrente de:

a) acidente em serviço;

b) moléstia profissional; ou

c) doença grave, contagiosa ou
incurável, na forma da lei.

2) APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA (art.
40, § 1º, III)

Ocorre quando o próprio servidor
público, mesmo tendo condições físicas e jurídicas de continuar ocupando o
cargo, decide se aposentar.

Para que o servidor tenha direito
à aposentadoria voluntária ele deverá cumprir os requisitos que estão elencados
no art. 40, § 1º, III.

A aposentadoria voluntária pode
ser com proventos integrais ou proporcionais, dependendo do tempo de
contribuição que o servidor tiver no serviço público.

Obs1: o § 5º do art. 40 prevê
critérios diferenciados para a aposentadoria de professores que comprovem
exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação
infantil e no ensino fundamental e médio.

Obs2: o § 4º do art. 40 elenca a possibilidade
de ser concedida aposentadoria com requisitos e critérios diferenciados para
servidores:

I – que sejam portadores de
deficiência;

II – que exerçam atividades de
risco;

III – cujas atividades sejam
exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física.

3) APOSENTADORIA COMPULSÓRIA (art.
40, § 1º, II)

A Constituição previu que, atingida
determinada idade, o servidor público, independentemente de ainda possuir condições
físicas e mentais de continuar exercendo o cargo, deveria ser obrigatoriamente
aposentado.

Há aqui uma presunção absoluta de
que, a partir daquela idade, o rendimento físico e mental do servidor público sofre
um decréscimo e, por razões de interesse público, ele será aposentado, mesmo
que, por sua vontade, ainda quisesse continuar no serviço público.

Qual é a idade da aposentadoria
compulsória no serviço público?

ANTES DA EC 88/2015:

70 anos (para todos os casos).

DEPOIS DA EC 88/2015:


REGRA: continua sendo 70 anos.

Os
servidores públicos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, de qualquer
dos Poderes, incluindo magistrados de Tribunais de 2ª instância, continuam se
aposentando compulsoriamente aos 70 anos de idade.

• EXCEÇÃO 1: a Lei
Complementar poderá prever que a aposentadoria compulsória seja ampliada para
75 anos, segundo critérios que ela fixar e para todos ou determinados cargos do
serviço público.

Veja a nova redação do inciso
II do § 1º do art. 40 dada pela EC 88/2015:

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata
este artigo serão aposentados (…):

(…)

II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos
de idade, na forma de lei complementar;


Essa parte final do inciso II é norma constitucional de eficácia limitada, dependendo de lei para produzir todos os seus efeitos.


EXCEÇÃO 2: para os Ministros do STF, dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE,
STM) e do TCU a idade da aposentadoria compulsória já é agora 75 anos mesmo sem Lei
Complementar. A regra já está produzindo todos os seus efeitos.

Veja
o art. 100 que foi acrescentado no ADCT da CF/88 pela EC 88/2015:

Art. 100. Até que entre em vigor a lei
complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição
Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e
do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75
(setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição
Federal.

PONTOS POLÊMICOS

1) Natureza da LC

Qual é a natureza da LC de que o
novo art. 40, § 1º, II, da CF/88?

Trata-se de lei complementar
nacional, ou seja, a ser editada pelo Congresso Nacional.

O STF possui entendimento
consolidado no sentido de que, embora a competência para legislar sobre a
previdência dos servidores públicos (RPPS) seja concorrente, a União tem a
competência para editar a lei complementar que funcionará como norma de caráter
nacional para regulamentar a matéria. Nesse sentido:

(…) A Corte firmou
entendimento no sentido de que a competência concorrente para legislar sobre
previdência dos servidores públicos não afasta a necessidade da edição de norma
regulamentadora de caráter nacional, cuja competência é da União. (…)

(STF. Plenário. MI 1898
AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 16/05/2012).

Assim, antes que os Estados e
Municípios legislem sobre o assunto será necessária a edição, pelo Congresso
Nacional, de uma lei complementar regulamentando no inciso II do § 1º do art.
40 da CF/88.

2) Extensão da aposentadoria compulsória aos 75 anos mesmo sem LC

Vimos acima que a aposentadoria
compulsória dos Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do TCU somente ocorre
agora aos 75 anos. Mesmo sem a LC de que trata o inciso II do § 1º do art. 40
da CF/88, é possível estender essa regra para juízes e Desembargadores sob a
alegação de que a magistratura é uma carreira única e nacional e que, portanto,
deve receber tratamento uniforme?

NÃO. A magistratura, de fato, é
uma carreira que possui caráter nacional, tendo essa natureza sido reafirmada
pelo STF em diversas oportunidades. Isso, contudo, não significa que todas as
regras válidas para os Ministros do STF e dos Tribunais Superiores devam ser
aplicadas para todos os demais magistrados de qualquer instância.

O tratamento uniforme que deve
ser dado à magistratura impede que sejam feitas distinções entre magistrados iguais,
que se encontram na mesma situação (ex: não pode haver diferenciações remuneratórias
entre um juiz federal e um juiz de direito que estejam em igualdade de
condições).

Não existe, entretanto, qualquer
fundamento constitucional que estabeleça um dever de todos os magistrados
receberem o mesmo tratamento legislativo reservado aos Ministros dos Tribunais
Superiores. Não há direito subjetivo de um juiz de ver para si aplicadas todas
as regras válidas para os Ministros do STF. A Constituição em nenhum momento permite
extrair essa conclusão. Ao contrário, o texto da CF/88, em diversas
oportunidades, tratou de forma diferente os membros dos Tribunais Superiores
dos demais magistrados. Basta ver a forma de ingresso e os requisitos para o
cargo, que são completamente distintos dos demais juízes.

O legislador constituinte
reformador foi muito claro ao elencar os cargos que teriam aposentadoria
compulsória estendida para 75 anos independentemente de lei complementar, não
havendo nesta escolha qualquer violação ao princípio da isonomia.

Desse modo, é manifestamente
incabível essa tese de equiparação.

3) Suposta necessidade de nova sabatina pelo Senado

O art. 100 do ADCT afirma que os
Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do TCU irão se aposentar compulsoriamente,
aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da
Constituição Federal
. O que quer dizer essa parte final?

No art. 52, III, “a” e “b”, da
CF/88 é previsto que o Senado Federal tem a competência de aprovar, por voto
secreto, a escolha dos Ministros do STF, do STJ, do TST, do STM e do TCU.

Segundo as notas taquigráficas
colhidas durante os debates para a aprovação da PEC, o objetivo dessa parte
final do dispositivo foi o de que exigir que o Ministro que complete 70 anos
somente possa continuar no cargo se for submetido a nova arguição pública (“sabatina”)
e votação no Senado Federal. Em outras palavras, o Ministro, quando completar
70 anos, poderá continuar no cargo até os 75 anos, mas para isso seu nome precisaria
ser novamente aprovado pelo Senado. Essa interpretação da parte final do art.
100 do ADCT foi exposta pelo Presidente do Senado Renan Calheiros, em entrevista
concedida à imprensa logo após a promulgação da emenda.

É possível extrair essa conclusão
da parte final do art. 100 do ADCT? A interpretação acima exposta está correta?

NÃO. Pode ser até que a intenção
do Congresso Nacional ao incluir essa parte final no art. 100 do ADCT tenha
sido a de obrigar nova sabatina no Senado. No entanto, a redação escolhida não
foi a melhor e não é possível extrair do texto essa conclusão exposta pelo
Presidente do Senado.

O art. 52, III, “a” e “b”, da
CF/88 estabelece o seguinte:

Art. 52. Compete
privativamente ao Senado Federal:

(…)

III – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:

a) Magistrados, nos casos
estabelecidos nesta Constituição;

b) Ministros do Tribunal
de Contas da União indicados pelo Presidente da República;

O inciso III é muito claro ao
falar que essa aprovação é prévia, ou seja, é anterior à
nomeação do Ministro. Se o Ministro já está nomeado e exercendo seu cargo, ele
não terá que se submeter novamente à sabatina quando completar 70 anos porque para
continuar no cargo até 75 anos não será necessária uma nova nomeação, um novo
ato de investidura.

Além disso, indaga-se: se o Ministro
for, em tese, recusado na sabatina, o que aconteceria com ele? Seria exonerado?
Seria aposentado compulsoriamente por ter sido rejeitado? A emenda sequer cuida
dessas consequências, o que demonstra sua inaplicabilidade quanto a este ponto.

Se a intenção do Parlamento foi a
de incluir de forma sutil essa exigência, ela ficou tão sutil que, na verdade, nem
chegou a existir juridicamente. Ficou na intenção. Foi um reserva mental do
legislador. A simples menção ao art. 52 da CF/88 na parte final do art. 100 do
ADCT não permite concluir que será exigida nova arguição pelo Senado.

A melhor interpretação que se
extrai do dispositivo é a de que a parte final do art. 100 do ADCT simplesmente
reitera que os Ministros dos Tribunais Superiores e do TCU antes de serem
nomeados, deverão ser aprovados pelo Senado Federal e, já no cargo, sua
aposentadoria compulsória somente ocorre com 75 anos.

Imaginemos, contudo, que o art.
100 do ADCT da CF/88 realmente esteja exigindo uma nova sabatina dos Ministros
que, ao completarem 70 anos, desejarem continuar nos seus cargos. Suponhamos
que tal interpretação seja a correta. Partindo dessa premissa, indaga-se: essa
exigência é compatível com a CF/88?

NÃO. Essa exigência é manifestamente
INCONSTITUCIONAL.

Em primeiro lugar, viola o princípio da razoabilidade. Não há
razão lógica, bom senso, coerência em se exigir que um Ministro que já ocupa o
cargo há anos seja obrigado a ser submetido à nova arguição pública no Senado para
que este decida se ele poderá continuar ou não exercendo a função por mais 5
anos. Não há substrato racional que justifique medida dessa natureza.

A sabatina e a votação pelo Senado
existem por uma única razão escolhida pela CF/88: para verificar se o nome
indicado para ser nomeado como Ministro preenche os requisitos constitucional
inerentes ao cargo. Ex: na arguição pública os Senadores irão avaliar se o
indicado a Ministro do STF possui notável saber jurídico e reputação ilibada.

Ora, se o indicado já é Ministro
do STF é porque já foi submetido a essa análise e, ao completar 70 anos de
idade, mostra-se absolutamente desnecessário que seja novamente exposto a isso.
Se por acaso, o Ministro, ao longo dos anos, perdeu sua reputação ilibada, a
hipótese é de se apurar eventual crime de responsabilidade por ele praticado.

Quanto ao notável saber jurídico,
se ele já tinha ao ser nomeado Ministro, o certo é que o tempo e a experiência
jurisdicional na Corte só fizeram aumentar ainda mais esses conhecimentos.

Além disso, a exigência viola a independência do Poder Judiciário,
ferindo assim, a cláusula pétrea da separação dos Poderes (art. 60, § 4º, III,
da CF/88). As regras sobre o sistema de freios e contrapesos previstas no texto
original da CF/88 não podem ser alargadas sem critério ou parcimônia, sob pena
de representarem tentativa de um Poder asfixiar o outro. Deve-se lembrar que a
CF/88 fala que é proibida emenda constitucional tendente a abolir a
separação dos Poderes.

A medida encartada exige que um
Ministro do STF, que é Relator de inúmeros processos de interesse dos Senadores
(alguns réus em ações penais em curso), ao completar 70 anos, seja obrigado a
ir até o Senado Federal para que este avalie se ele tem condições ou não de
continuar no cargo até os 75 anos. Há um claro conflito de interesses na
hipótese. Imaginemos, por exemplo, que, aos 69 anos, esse Ministro tivesse julgado
um tema de grande relevância de forma contrária ao Parlamento. Um ano depois,
este mesmo Ministro estaria sendo avaliado, em sessão secreta e imotivada, pelos
Senadores que, em tese, desagradou.

Parece-me, portanto, que há um
grave risco à independência do Poder Judiciário, em especial de seu principal
órgão, o Supremo Tribunal Federal.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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