A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada a partir de sua proclamação na Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, quando os países signatários, entre eles o Brasil, comprometeram-se a garantir dignidade à pessoa humana e protegê-la da opressão estatal.
Diversos casos a respeito do tema foram julgados nos 130 anos de atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) na República, mas a Constituição Federal de 1988 – cuja a redação foi norteada pela Declaração Universal – instituiu à Corte sua guarda e cumprimento dos preceitos fundamentais para construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Com decisões em julgamentos que visam solidificar essa missão, o STF tem assegurado ao cidadão brasileiro o pleno exercício dos direitos fundamentais de liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e igualdade.
Reconhecimento mundial
Uma das mais notórias decisões do Supremo pela garantia dos Direitos Humanos, em âmbito internacional, consiste no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. O julgado recebeu certificado da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) inscrevendo o texto como patrimônio documental da humanidade. Na cerimônia de recebimento do certificado, o ministro aposentado Ayres Britto, relator dos casos, ressaltou que a Carta Magna “é arejadora dos costumes e sabe enterrar ideias mortas”.
Mas, além de garantir a liberdade de proclamar seus direitos independente de raça, cor, sexo, língua ou religião – como consta no artigo 2º da Declaração Universal –, o Plenário do STF também enquadrou atos de homofobia e transfobia como crime de racismo (Lei 7.716/1989) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733. Durante a sessão, a ministra Cármen Lúcia destacou a necessidade de combater a discriminação contra uma pessoa, que atinge igualmente toda a sociedade, pois “a tutela dos direitos fundamentais há de ser plena, para que a Constituição não se torne mera folha de papel”.
Igualdade de gênero
A partir da entrada em vigor da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), o STF tem pacificado o propósito do legislador que, segundo a ministra Rosa Weber, “inaugurou uma nova fase de ações afirmativas em favor da mulher na sociedade brasileira\”. Recentemente, em março de 2021, a Corte firmou o entendimento no julgamento da ADPF 779, por unanimidade, de que a tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio é inconstitucional por violar os princípios universais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
Em maio de 2019, a maioria dos ministros julgou procedente a ADI 5938 para declarar inconstitucionais trechos da Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres. Em conformidade com o artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos – que versa sobre a maternidade e a infância terem direito a ajuda e a assistência especiais – a decisão do Supremo apontou afronta à proteção constitucional do artigo 7º, inciso XVIII, que fixa a licença à gestante, \”sem prejuízo do emprego e do salário\”.
Já no julgamento da ADPF 54, em 2012, o Supremo novamente atentou para a saúde da gestante ao decidir como desnecessária autorização judicial para antecipação de parto no caso de fetos anencéfalos. O relator do caso, ministro Marco Aurélio, afirmou que o objetivo seria \”zelar pela saúde psíquica da gestante, uma vez que, desde o diagnóstico da anomalia até o parto, a mulher conviverá com o sofrimento de carregar consigo um feto que não conseguirá sobreviver”.
O STF também entendeu, no contexto da ADI 3510, que não existe violação do direito à vida, tampouco à dignidade da pessoa humana, na Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), que regulamenta, entre outros itens, pesquisas com células-tronco embrionárias.
Povos e comunidades tradicionais
Cerca de 20 anos antes da ONU aprovar o texto da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Constituição Federal brasileira já previa mecanismos de proteção aos povos e comunidades tradicionais. E o Supremo, como guardião da Carta Magna, manifestou, por meio de suas decisões, a salvaguarda aos indígenas e quilombolas, como nos julgamentos da PET 3388 e da ADI 3239, que tratavam da demarcação e titularidade de terras para essas comunidades.
Na sessão plenária de 2008, em que foram julgados os limites da reserva indígena Raposa Serra do Sol, uma cena inédita registrou a proximidade da Corte com o tema, quando uma advogada indígena realizou sustentação oral para defender o interesse de 19 mil membros do povo Wapichana.
Também na defesa da diversidade cultural e religiosa da sociedade brasileira, o órgão máximo do Poder Judiciário discutiu a constitucionalidade do sacrifício de animais em ritos religiosos, comuns em religiões de matriz africana.
Na ocasião, o STF validou Lei estadual do Rio Grande do Sul que permite a prática religiosa (RE 494601), explicitando a consonância do artigo 5º da Constituição com o artigo 18 da Declaração de Direitos Humanos, que garante a toda pessoa \”liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos\”.
Saúde e educação
A dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito dificilmente é garantida sem amplo acesso à educação e saúde. Em meio à crise sanitária sem precedentes em razão da pandemia de Covid-19, o STF decidiu pela constitucionalidade da vacinação compulsória (ADIs 6586 e 6587), com o uso de medidas restritivas, porém sem imunização à força; referendou liminar para autorizar estados, municípios e o Distrito Federal a importar e distribuir vacinas contra no novo coronavírus (ADPF 770 e ACO 3451), além de determinar que o governo elabore planos para vacinar comunidades e povos tradicionais (ADPFs 709 e 742).
Além disso, os ministros consideraram inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) pagar para ter acomodações superiores ou ser atendido por médico de sua preferência. No âmbito do RE 581488, o colegiado seguiu por unanimidade o voto o relator, ministro Dias Toffoli, que entendeu a prática como \”afronta ao acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, violando, ainda, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana\”.
No que tange à educação, destacam-se as decisões nos casos do ensino inclusivo de pessoas com deficiência em escolas privadas (ADI 5357) e do acesso à creche e à pré-escola (ARE 639337). No primeiro julgamento, o ministro Edson Fachin destacou que \”somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação\”.
Liberdade de expressão
Tanto a Constituição da República como a Declaração Universal de Direitos Humanos estabelecem como essencial a liberdade de expressão. Na busca de doutrinar esse conceito, o STF declarou a incompatibilidade da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) com a Constituição Federal de 1988 no julgamento da ADPF 130. A norma, redigida durante a vigência de regime autoritário no Brasil, previa punição para jornalistas e veículos de comunicação que publicassem algo que ofendesse a \”moral e os bons costumes\”.
Firmado o entendimento de que seria necessário garantir a livre manifestação do pensamento para depois verificar eventual ofensa constitucional, os ministros negaram provimento ao RE 1010606. No julgamento que discutia o \”direito ao esquecimento\”, familiares da vítima de um crime com grande repercussão buscavam reparação pela reconstituição televisiva do caso mais de 50 anos após o fato ter acontecido. Segundo a decisão da maioria da Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.
Outra questão emblemática a respeito do tema foi o julgamento de Habeas Corpus (HC) 82424, do escritor Siegfried Ellwanger, por ter editado e distribuído obras de cunho antissemita. O STF, então, entendeu que a prática de racismo abrange a discriminação contra os judeus e a liberdade de expressão não protege o discurso do ódio.
Na mesma linha de juízo, o ministro aposentado Celso de Mello salientou que a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão protegidas pela liberdade de expressão e do pensamento. A afirmação se deu no julgamento para declarar a legalidade e a constitucionalidade do Inquérito (INQ) 4781, instaurado com o objetivo de investigar o incitamento ao fechamento do STF e as ameaças de morte ou de prisão de seus membros.
GT/CR//EH
Esta matéria faz parte da celebração dos 130 anos de instalação do Supremo Tribunal Federal no período republicano do Brasil, completados no dia 28 de fevereiro. Ao longo do ano, serão publicadas entrevistas com ex-presidentes sobre a gestão da Corte, bem como matérias especiais sobre a história da instituição e seu papel crucial na democracia brasileira. Clique aqui para ter acesso ao site comemorativo dedicado aos momentos mais marcantes do órgão máximo do Judiciário do País.