Comentários à Lei 13.715/2018, que ampliou as hipóteses de perda do poder familiar decorrente da prática de crimes


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada no dia de ontem (26/09) mais uma importante
novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.715/2018, que trata sobre perda do
poder familiar, alterando o Código Penal, o ECA e o Código Civil.

Vamos entender o que mudou.

I – ALTERAÇÃO NO
CÓDIGO PENAL

A Lei nº 13.715/2018 alterou a redação do inciso II do art.
92 do Código Penal.

O art. 92 prevê efeitos extrapenais específicos da
condenação.

Vejamos o que mudou:

Código
Penal

Antes da Lei 13.715/2018

Depois da Lei 13.715/2018 (atualmente)

Art. 92. São também efeitos
da condenação:

(…)

II – a incapacidade para o
exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à
pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

Art. 92. São também efeitos
da condenação:

(…)

II – a incapacidade para o
exercício do poder familiar, da tutela
ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos
contra outrem igualmente titular do mesmo
poder familiar
, contra filho, filha
ou outro descendente ou contra
tutelado ou curatelado;

O que diz esse inciso II:

Se o agente cometeu…

– um crime doloso

– sujeito à pena de reclusão

– contra uma das pessoas listadas no inciso II,

– o juiz, ao proferir uma sentença condenatória,

– poderá determinar que o condenado perca o poder familiar, a
tutela ou a curatela.

Obs: não importa a quantidade da pena nem se houve
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O que interessa
é que tenha sido um crime doloso cuja pena prevista em abstrato seja de
reclusão.

Vamos ver abaixo os aspectos que foram alterados na redação do
inciso:

“poder familiar”

A redação anterior falava em “pátrio poder”. Isso porque essa
era a expressão utilizada no Código Civil de 1916. O Código Civil de 2002
substituiu “pátrio poder” por “poder familiar”.

Desse modo, a alteração aqui foi apenas para atualizar a
linguagem do Código Penal, não tendo havido uma mudança substancial.

Poder
familiar é um conjunto de direitos e deveres conferido aos pais com relação ao filho menor de 18 anos
(não emancipado), dentre eles o poder de dirigir a criação e a educação, de
conceder consentimento para casar, de exigir que preste obediência, e outros
previstos no art. 1.634 do CC.

“outrem igualmente titular do mesmo poder familiar”

Aqui é novidade.

O que isso quer dizer: se o agente comete o crime contra uma
pessoa e esta vítima divide com o agente o poder familiar em relação a uma
criança ou adolescente, então, neste caso, o condenado também poderá perder o
poder familiar.

Dito de forma direta: se o agente pratica o crime contra a
mãe ou o pai de seu filho, ele poderá perder o poder familiar sobre o menor.

Ex: João e Maria possuem um filho em comum (Lucas). Maria se
separou de João, mas este nunca aceitou o rompimento. Determinado dia, João comete
homicídio contra Maria. Ao ser condenado, João poderá perder o poder familiar
em relação a Lucas.

 Vale ressaltar que isso
vale tanto para o crime cometido pelo homem como pela mulher. Assim, se Maria
tivesse matado João, ela também poderia ser condenada a perder o poder
familiar.

“filha”

Acréscimo absolutamente desnecessário e atécnico.

Mesmo quando o Código falava apenas em “filho”, nunca se
discutiu que isso incluía também a filha. Não é necessário que o texto legal flexione
o gênero das palavras, sendo isso presumido, salvo se houver uma limitação expressa
(ex: Lei Maria da Penha).

A situação é tão esdrúxula que o legislador incluiu filha,
mas não falou nada a respeito do tutelado e curatelado, que também estão no mesmo
inciso. Isso significa que os crimes contra a tutelada e a curatelada
estão fora da previsão legal? Obviamente, que não.

“outro descendente”

É o caso do crime cometido contra o neto e bisneto.

Trata-se de situação que não será tão comum na prática. É possível,
no entanto, imaginar o seguinte exemplo: João possui dois filhos: Pedro (23
anos) e Isabela (6 anos). Pedro, por sua vez, tem uma filha de 5 anos
(Letícia). João pratica estupro contra Letícia (sua neta). O juiz poderá
condenar João a perder o poder familiar em relação a Isabela.

Vale ressaltar que avô e avó não exercem poder familiar
sobre neto/neta, mesmo que os pais do menor já tenham falecido ou tenham
perdido, por algum motivo, o poder familiar.

Poder familiar é um conjunto de direitos e deveres que os PAIS
exercem sobre seus FILHOS menores.

Essa perda do poder familiar abrange apenas o filho que foi vítima do
crime ou o agente perderá o poder familiar com relação aos outros filhos que
não foram ofendidos pelo delito? Ex: João praticou o crime contra seu filho Lucas;
ocorre que ele também possui outros dois filhos menores de 18 anos. João, ao
ser condenado, poderá perder o poder familiar em relação aos três filhos?

SIM. Existe divergência na doutrina, mas essa é a posição
que prevalece:

“Essa incapacidade pode ser estendida para alcançar outros
filhos, pupilos ou curatelados, além da vítima do crime. Não seria razoável, exempliflcativamente,
decretar a perda do poder familiar somente em relação à filha de dez anos e
idade estuprada pelo pai, aguardando fosse igual delito praticado contra as
outras filhas mais jovens, para que só então se privasse o genitor desse
direito” (MASSON, Cleber. Direito Penal. São
Paulo: Método, 2018).

No mesmo sentido, o grande penalista Rogério Sanches Cunha (Manual de Direito Penal. Parte Geral. 4ª
ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 525).

Tal conclusão ganha ainda mais força com a inclusão do
descendente no rol do inciso II do art. 92 do CP. Isso porque os avós não detém
poder familiar em relação aos netos. Logo, se o crime é cometido pelo avô contra
o neto, o avô poderá perder o poder familiar em relação aos seus filhos
menores, mesmo eles não sendo as vítimas do delito.

Essa perda é temporária? Depois de o agente ter cumprido a pena e
conseguido a reabilitação, é possível que ele retome o poder familiar?

NÃO. A reabilitação, em regra, extingue (apaga) os efeitos
secundários extrapenais específicos da sentença condenatória.

O caso da perda do poder familiar, contudo, é uma exceção.

Assim, a pessoa perdeu o poder familiar em decorrência de
uma sentença penal condenatória não irá readquirir o poder familiar mesmo que
cumpra toda a pena e passe pelo processo de reabilitação.

Em outras palavras, essa perda do poder familiar é
permanente.

Isso está previsto na parte final do parágrafo único do art.
93 do Código Penal:

Art. 93 (…)

Parágrafo único. A reabilitação
poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste
Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos
dos incisos I e II do mesmo artigo
.

A doutrina faz a seguinte distinção:

• em relação à vítima do crime doloso e punido com reclusão,
essa incapacidade é permanente. Assim, mesmo em caso de reabilitação é vedada a
reintegração do agente na situação anterior (art. 93, parágrafo único, do CP).

• em relação aos outros filhos, pupilos ou curatelados, a
incapacidade seria provisória, pois o condenado, se reabilitado, poderá voltar
a exercer o poder familiar, tutela ou curatela.

Nesse sentido: Masson, ob.
cit.

Os
efeitos previstos no art. 92, II, do CP são automáticos? Em outras palavras,
sempre que houver condenação por crime doloso sujeito à pena de reclusão
cometido contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra
filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado, o condenado
irá perder o poder familiar, a tutela ou a curatela?

NÃO.
Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão
condenatória motive concretamente a necessidade da perda do poder familiar, da
tutela ou da curatela.

O
parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:

Art. 92 (…)

Parágrafo único. Os efeitos de que
trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na
sentença.

II – ALTERAÇÃO NO ECA

A Lei nº 13.715/2018 também alterou o ECA com a mesma
finalidade da mudança que foi feita no Código Penal. Vejamos:

ECA

Antes da Lei 13.715/2018

Depois da Lei 13.715/2018 (atualmente)

Art. 23. (…)

(…)

§ 2º A condenação criminal
do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na
hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o
próprio filho ou filha.

Art. 23. (…)

(…)

§ 2º  A condenação criminal do pai ou da mãe não
implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação
por crime doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra
filho, filha ou outro descendente.

Se
o pai/mãe do menor for condenado(a), ele(a) perderá, obrigatoriamente, o poder
familiar?

NÃO.

Regra:
a condenação criminal do pai ou da mãe NÃO implicará a destituição do poder
familiar.

Exceção:
haverá perda do poder familiar se a condenação foi…

– por crime doloso

– sujeito à pena de reclusão

– praticado contra outrem igualmente
titular do mesmo poder familiar (ex: homem que pratica crime contra a mãe do
seu filho)

– praticado contra filho ou filha; ou

– praticado contra outro descendente (ex: agente pratica o
crime contra seu neto).

III – ALTERAÇÃO NO CÓDIGO
CIVIL

Por fim, a Lei nº 13.715/2018 também alterou o Código Civil,
inserindo um parágrafo único no art. 1.638 com a seguinte redação:

Art. 1.638. (…)

Parágrafo único. Perderá também por
ato judicial o poder familiar aquele que:

I – praticar contra outrem igualmente
titular do mesmo poder familiar:

a) homicídio, feminicídio ou lesão
corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime
doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação
à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a
dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;

II – praticar contra filho, filha ou
outro descendente:

a) homicídio, feminicídio ou lesão
corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime
doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação
à condição de mulher;

b) estupro, estupro de vulnerável ou
outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

Se você observar bem, todas as hipóteses previstas neste novo
parágrafo único do art. 1.638 do Código Civil já são contempladas pelo novo
inciso II do art. 92 do Código Penal. Em outras palavras, todas as situações
trazidas pelo Código Civil já ensejariam a perda do poder familiar como efeito
da condenação criminal. Diante disso, indaga-se: qual seria a utilidade deste
parágrafo único do art. 1.638 do CC?

Rogério Sanches, de forma muito percuciente, encontra
sentido e utilidade para o dispositivo afirmando que, se a situação se
enquadrar em uma das hipóteses do parágrafo único do art. 1.638 do CC o autor
do crime perderá o poder familiar mesmo antes de eventual sentença penal
condenatória. As hipóteses do parágrafo único do art. 1.638 do CC são,
portanto, autônomas e não dependem de sentença penal condenatória, podendo a
perda do poder familiar ser decretada por decisão do juízo cível. Veja as suas
palavras:

“Neste caso, podemos traçar um
paralelo com a condição de indignidade que exclui da sucessão os herdeiros que
houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso contra a
pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou
descendente. No geral, a doutrina trata a indignidade como algo independente do
juízo criminal, ou seja, a exclusão da sucessão pode ocorrer com base na prova
produzida unicamente no juízo civil. É o que ensina Sílvio de Salvo Venosa:

‘Não é exigida a condenação
penal. O exame da prova será todo do juízo cível. Indigno é o que comete o fato
e não quem sofre a condenação penal (Pereira, 1984, v. 6:30).’ (Direito Civil –
Direito das Sucessões. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 62/63)

A relevância da sentença criminal
para o afastamento da indignidade existe apenas quando estabelecida a
inexistência do fato ou quando afastada peremptoriamente a possibilidade de
autoria. É, aliás, o que aponta o mesmo autor:

‘No entanto, se o juízo conclui
pela inexistência do crime ou declara não ter o agente cometido o delito, bem
como se há condenação, isso faz coisa julgada no cível.’

Pensamos que o mesmo pode se dar
nos casos de perda do poder familiar em virtude do cometimento dos crimes
elencados no novo parágrafo único do art. 1.638, que, destaque-se, é composto
pelo verbo praticar, sem nenhuma referência à necessidade de condenação.” (http://meusitejuridico.com.br/2018/09/25/lei-13-71518-altera-dispositivos-codigo-penal-codigo-civil-e-eca-sobre-perda-poder-familiar/)

Vigência

A Lei 13.715/18 entrou em vigor na data de sua publicação (25/09/2018).

Artigo Original em Dizer o Direito

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