Se um Desembargador é acusado de
cometer um crime, quem irá julgá-lo?

R: o Superior Tribunal de Justiça
– STJ (art. 105, I, a, da CF/88).

Como é chamada essa circunstância
de ser julgado por órgão jurisdicional diferente das demais pessoas?

A essa característica dá-se o
nome de foro por prerrogativa de função.

Como podemos conceituar foro por
prerrogativa de função?

– Trata-se de uma prerrogativa

– prevista pela Constituição

– segundo a qual as pessoas ocupantes
de determinados cargos ou funções,

– somente serão processadas e
julgadas

– criminalmente (não engloba
processos cíveis)

– em foros privativos colegiados.

Razão de existência:

O foro por prerrogativa de função
existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem
cargos ou funções de destaque, somente poderiam ter um julgamento
imparcial e livre de pressões se fossem julgadas por órgãos colegiados que componham
a cúpula do Poder Judiciário.

Assim, ainda utilizando o mesmo exemplo, o constituinte de 1988 entendeu que um Desembargador, caso praticasse um delito, não deveria ser
julgado por um juiz singular, nem mesmo pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo
STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado, para, no
caso concreto, exercer a atividade com maior imparcialidade.

Foro por prerrogativa de função é
o mesmo que foro privilegiado?

A expressão “foro privilegiado” é
utilizada como sinônima de “foro por prerrogativa de função” pela Imprensa em
geral, sendo, portanto, difundida entre muitas pessoas. 
Contudo, tecnicamente, existe
distinção entre as terminologias.
Tourinho Filho explica que o foro
por prerrogativa de função é estabelecido em razão do cargo ou função desempenhada
pelo indivíduo. Trata-se, portanto, de uma garantia inerente à função. Ex: foro
privativo dos Senadores no STF.

Já o chamado “foro privilegiado”
é aquele previsto, não por causa do cargo ou da função, mas sim como uma
espécie de homenagem, deferência, privilégio à pessoa. Ex: foro privilegiado
para condes e barões.

Desse modo, em provas não utilize
a expressão “foro privilegiado” como sinônima de “foro por prerrogativa de função”.

Críticas

Muitas são as críticas ao foro
por prerrogativa de função, especialmente pelo fato de que reduzidas são as condenações
verificadas contra pessoas que ostentam cargos com foro privativo. Vale citar que, recentemente,
em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, o Min. Celso de Mello defendeu o
fim do foro por prerrogativa de função.

Feitas estas considerações, passemos ao que foi decidido pelo STF no dia
de ontem (22/03):

“A” era Desembargador. “A” foi
acusado de praticar um crime. Em virtude de seu cargo de Desembargador, “A” começou
a ser processado por este suposto delito no STJ (foro privativo para julgar
crimes de Desembargadores – art. 105, I, a, CF/88). Durante o curso do
processo, “A” se aposenta, indaga-se: o processo continuará tramitando no STJ
ou será remetido para ser julgado pelo juiz criminal de 1ª instância?


R: O processo deverá ser remetido
para ser julgado pelo juiz criminal de 1ª instância.


Este foi o entendimento do
Plenário do STF ao julgar dois recursos diferentes interpostos por Desembargadores aposentados e que almejavam permanecer com o foro privativo mesmo após aposentarem-se.


(STF. Plenário. RE 546609 e RE
549560, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julgado em 22/03/2012)

O que alegavam os Desembargadores
aposentados?

As defesas dos dois
desembargadores pretendiam o reconhecimento do direito a que as ações penais
continuassem a ser julgadas pelo STJ. A alegação principal era a de que o cargo
do magistrado, de acordo com o inciso I do artigo 95 da Constituição da
República, é vitalício. Isso garantiria ao magistrado a vitaliciedade mesmo após
a aposentadoria e, consequentemente, o direito à prerrogativa de foro no
julgamento de casos ocorridos no exercício da função de magistrado mesmo após o
jubilamento.

O STF acolheu esta tese?

Como vimos, não. Segundo o
relator dos dois recursos dos Desembargadores, Min. Ricardo Lewandowski, a prerrogativa de foro somente se aplica aos membros ativos da carreira.

“A vitaliciedade dos magistrados
brasileiros não se confunde, por exemplo, com a ‘life tenure’ garantida a
certos juízes norte-americanos, que continuam no cargo enquanto bem servirem ou
tiverem saúde para tal”, assinalou o Relator.

A prerrogativa, segundo o ministro
Lewandowski, não deve ser confundida com privilégio.

“O foro por prerrogativa de
função do magistrado existe para assegurar o exercício da jurisdição com
independência e imparcialidade”. (…) “É uma prerrogativa da instituição
judiciária, e não da pessoa do juiz”.

Trata-se de uma mudança na
jurisprudência ou consolidação do entendimento?

Consolidação do entendimento.

Mesmo antes deste julgado, o STJ
e o STF possuíam entendimento prevalente no sentido de que, tendo o denunciado
deixado o cargo que atrai a prerrogativa de foro, esta não mais subsiste. Mencione-se
os seguintes precedentes:

COMPETÊNCIA CRIMINAL. Especial.
Prerrogativa de função. Não caracterização. Inquérito judicial penal. Ministro
aposentado do STJ e ex-Deputado Federal. Atos funcionais. Inconstitucionalidade
dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, introduzidos pela Lei nº 10.628/2002.
Pronúncia do Plenário nas ADIs nº 2.797 e nº 2.860. Incompetência do STF.
Competência reconhecida do Tribunal Regional Federal. Agravos improvidos. O
Supremo Tribunal Federal não tem competência para, após a cessação do exercício
da função pública, processar e julgar pessoa que devia responder perante ele
por crime comum ou de responsabilidade.”
(STF – AgRg no Inq 1.871/GO, Tribunal
Pleno, Rel. Ministro CEZAR PELUSO, DJ de 2/05/2006.)

AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL.
DESEMBARGADOR. APOSENTADORIA. FORO PRIVILEGIADO. VITALICIEDADE.
1. O magistrado aposentado,
afastado que se encontra, para sempre, da função judicante não está amparado
pelas “garantias especiais de permanência e definitividade no cargo”.
2. Em decorrência, não tem
direito a foro privilegiado pelo encerramento definitivo do exercício da
função, inclusive em decorrência do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
(Informativo 401) declarando contrários à Constituição Federal os §§ 1º e 2º do
art. 84 do Código de Processo Penal, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628 de
2002.
3. Agravo regimental
desprovido.”
(STJ – AgRg na APn 441/CE, Corte
Especial, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 01/08/2006.)

Desse modo, muita atenção: apesar de o cargo de magistrado ser vitalício, após a aposentadoria, este não mais detém o foro por prerrogativa de função.

Artigo Original em Dizer o Direito

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