Imagine a seguinte situação
hipotética:

João ajuizou ação de usucapião contra
Pedro.

O juiz julgou o pedido
procedente.

O réu interpôs apelação, mas o Tribunal
de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformado, Pedro
interpôs recurso especial contra o acórdão.

O Presidente do TJ, contudo, inadmitiu
o recurso especial. Essa decisão foi publicada em abril/2017.

Pedro não desistiu e interpôs o agravo em recurso especial
previsto no art. 1.042 do CPC:

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão
do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso
extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de
entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de
recursos repetitivos.

 

No STJ, o Ministro Relator
decidiu que o Presidente do TJ agiu corretamente e que o recurso especial, de
fato, não deveria ser admitido. Essa decisão foi publicada em maio/2020.

Pedro não recorreu contra essa
decisão, tendo havido o trânsito em julgado em maio/2020.

 

Ação rescisória

Em junho/2020, Pedro ajuizou, no
Tribunal de Justiça, ação rescisória afirmando que a concessão da usucapião,
neste caso, violou determinados dispositivos do Código Civil.

O Tribunal de Justiça não
conheceu da ação afirmando que:

– o prazo da rescisória é de 2 anos, nos termos do art. 975
do CPC:

Art. 975. O direito à rescisão se
extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão
proferida no processo.

 

– no caso concreto, deve-se
considerar que o trânsito em julgado ocorreu em abril/2017. Isso porque as
decisões posteriores não examinaram o mérito e ficaram apenas discutindo a
admissibilidade do recurso.

– logo, entre abril/2017 a
junho/2020 já se passaram mais de 2 anos.

 

O STJ concorda com essa
linha de argumentação desenvolvida pelo TJ?

NÃO.

Enquanto não estiver
definitivamente decidida a questão acerca da ocorrência ou não do trânsito em julgado,
o prazo decadencial da ação rescisória não se inicia, sob pena de se causar
grave insegurança jurídica.

Caso contrário, o recorrente
deveria ter ajuizado uma ação rescisória “condicional”, juntamente com a
interposição do agravo.

Assim, caso o Poder Judiciário
levasse mais de dois anos para decidir se o recurso especial deveria, ou não,
ser admitido, não haveria decadência para o ajuizamento da ação rescisória,
pois ela já estaria em tramitação. Esse procedimento, contudo, além de atentar
contra a economia processual, não se mostra razoável, causando insegurança
jurídica e desnecessária sobrecarga ao Poder Judiciário.

Nesse sentido:

(…) 1. O processo é instrumento de solução de litígios, que
deve garantir às partes um desenrolar tranquilo de sua cadeia de atos. A
surpresa e a instabilidade não agregam à pacificação social.

2. Estabelecer que o prazo para a ação rescisória teria início
antes do último pronunciamento judicial sobre a admissibilidade do recurso
interposto geraria situação de inegável instabilidade no desenrolar processual,
exigindo da parte o ajuizamento de ação rescisória “condicional”, fundada na
eventualidade de uma coisa julgada cuja efetiva ocorrência ainda não estaria definida.

3. O ajuizamento de ação rescisória antes mesmo de finda a
discussão sobre a tempestividade de recurso interposto atenta contra a economia
processual.

4. A extemporaneidade do recurso não obsta a aplicação da Súmula
401 do STJ (O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for
cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.), salvo na hipótese
de má-fé do recorrente. (…)

STJ. Corte Especial. EREsp 1352730/AM, Rel. Min. Raul Araújo,
julgado em 05/08/2015.

 

No julgamento do citado EREsp
1.352.730/AM, estabeleceu-se uma exceção, qual seja, a existência de má-fé da
parte recorrente, hipótese em que a data do trânsito em julgado não se
postergaria.

Em outras palavras, caso fique
demonstrado que a parte se insurgiu contra a inadmissibilidade de seu recurso
sem qualquer fundamento, apenas para postergar o encerramento do feito, em
nítida má-fé processual, o entendimento aqui proposto não prevaleceria.

 

Em suma:

O termo inicial do prazo para ajuizamento da ação
rescisória, quando há insurgência recursal da parte contra a inadmissão de seu
recurso, dá-se da última decisão a respeito da controvérsia, salvo comprovada
má-fé.

STJ. 3ª
Turma. REsp 1.887.912-GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
21/09/2021 (Info 711).

Artigo Original em Dizer o Direito

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