Ficha de cadastro de trabalhadores emitida em nome de trabalhador rural em data anterior ao ajuizamento de demanda com pedido de aposentadoria rural configura documento novo apto a demonstrar o início de prova material


 

O trabalhador rural,
denominado “boia-fria”, pode comprovar o seu tempo de serviço como rurícola com
base apenas em testemunhas?

NÃO. Aplica-se a Súmula 149/STJ
também aos “boias-frias”.

Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à
comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício
previdenciário.

 

Assim, a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente
para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, sendo
indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material,
conforme exige o art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991:

Art. 55 (…)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço
para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial,
observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for
baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a
prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior
ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº
13.846, de 2019)

 

E o boia-fria pode
apresentar prova material de apenas uma parte do tempo de serviço e se valer de
testemunhas para comprovar o restante?

SIM. Pode haver a apresentação de
prova material de apenas parte do lapso temporal, de forma que a prova material
é complementada por prova testemunhal idônea.

Não é imperativo que o início de
prova material diga respeito a todo o período de carência estabelecido pelo
art. 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia
probatória, vinculando-o, pelo menos, a uma fração daquele período (AgRg no
REsp 1326080/PR).

 

Qual é o rol de documentos
hábeis à comprovação do exercício de atividade rural?

Essa relação encontra-se prevista
no art. 106 da Lei nº 8.213/91.

 

Esse rol de documentos é
taxativo ou o requerente pode se valer de outros tipos de documento?

Trata-se de rol meramente
exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos
além dos previstos no mencionado dispositivo.

O que foi explicado acima restou
decidido no REsp 1.321.493/PR (Tema 554):

(…) 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova
exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais
denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de
início de prova material.

4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade
probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o
entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do
lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja
aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea
e robusta prova testemunhal. (…)

STJ. 1ª Seção. REsp 1321493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 10/10/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 554).

 

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

Francisca, trabalhadora rural
“boia fria”, formulou requerimento administrativo de aposentadoria por idade
rural junto ao INSS.

A autarquia previdenciária negou
a concessão do benefício alegando que não ficou comprovado o efetivo exercício
de atividade rural.

Em razão disso, Regina ingressou
com ação previdenciária em face do INSS.

O pedido foi julgado improcedente,
tendo havido trânsito em julgado.

Posteriormente, Francisca ajuizou ação rescisória com base
em prova nova, nos termos do art. 966, VII, do CPC:

Art. 966. A decisão de mérito,
transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(…)

VII – obtiver o autor, posteriormente
ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde
fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

 

Qual foi a prova nova
apresentada por Francisca?

Cópia do livro de registros de
empregados no qual consta que a autora foi contratada para exercer a função de
agricultora em 1992.

A autora explicou que somente
tomou conhecimento do documento após o trânsito em julgado, pois havia perdido
contato com o seu ex-empregador, em razão de morarem em cidades distantes.

A autora instruiu a demanda
originária tão somente com documentos em nome de seu cônjuge, pois desconhecia,
em princípio, a existência de qualquer outra prova que demonstrasse o desempenho
da atividade rurícola.

 

O STJ julgou procedente a
ação rescisória?

SIM.

Para configurar a hipótese de
rescisão prevista no inciso VII do art. 966 do CPC/2015, o documento novo apto
a aparelhar a ação rescisória é aquele que, já existente à época da decisão
rescindenda, era ignorado pelo autor ou do qual não pôde fazer uso, capaz de
assegurar, por si só, a procedência do pedido.

Em se tratando de rurícola, deve
ser mitigado o rigor conceitual de “documento novo”, pois não se pode
desconsiderar as precárias condições de vida que envolvem o universo social
desses trabalhadores.

No caso concreto, o documento
apresentado é a cópia autenticada e legível de registro de empregado, com
carimbo do Ministério do Trabalho, noticiando que a autora foi contratada como
trabalhadora rural.

O STJ entende que a ficha de
registro de empregado é apta a caracterizar início de prova material (REsp
1588606/PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães Segunda Turma, julgado em
05/05/2020).

Constatado, assim, início de
prova material em nome da autora, corroborado por idônea prova testemunhal
colhida no processo originário, restam preenchidos os requisitos para a
concessão de aposentadoria rural, em consonância com o entendimento pacificado
no julgamento do Tema 554/STJ – segundo o qual, diante da dificuldade
probatória atinente ao exercício de atividade rural pelos chamados
trabalhadores “boias-frias”, a apresentação de prova material relativa apenas à
parte do lapso temporal pretendido, não implica violação ao enunciado da Súmula
149/STJ.

Posto isso, o pedido foi julgado
procedente para desconstituir a coisa julgada, com amparo no art. 966, VII do CPC
e, em juízo rescisório, a aposentadoria rural por idade foi concedida desde a
data do requerimento administrativo.

 

Em suma:

 

DOD Plus – temas correlatos

Documento que já existia e
que não foi juntado pela parte

Em regra, se a parte já possuía o documento antes da propositura
da ação original (o documento era preexistente), não tendo sido juntado por
desídia, não será permitido, em regra, frise-se, que ajuíze a ação rescisória
trazendo esta prova como documento novo.

De forma excepcional, o STJ entendeu que é possível ao tribunal,
na ação rescisória, analisar documento novo para efeito de configuração de
início de prova material destinado à comprovação do exercício de atividade
rural, ainda que esse documento seja preexistente à propositura da ação em que
proferida a decisão rescindenda referente à concessão de aposentadoria rural por
idade.

Nesse caso, é irrelevante o fato de o documento apresentado ser
preexistente à propositura da ação originária, pois devem ser consideradas as
condições desiguais pelas quais passam os trabalhadores rurais, adotando-se a
solução pro misero.

STJ. 3ª Seção. AR 3921-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 24/4/2013 (Info 522).

 

Extinção de processo por
ausência de início de prova material de atividade rural e possibilidade de
ajuizamento de nova demanda

Se a petição inicial de ação em que se postula a aposentadoria
rural por idade não for instruída com documentos que demonstrem início de prova
material quanto ao exercício de atividade rural, o processo deve ser extinto
sem resolução de mérito por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento
válido do processo (art. 485, IV, do CPC/2015). Isso significa que o segurado
poderá ajuizar nova ação caso reúna os elementos necessários a essa iniciativa
(art. 486, § 1º).

STJ. Corte Especial. REsp 1352721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, julgado em 16/12/2015 (recurso repetitivo) (Info 581).

Artigo Original em Dizer o Direito

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