Imagine a seguinte situação adaptada:

João comprou e assentou cerâmicas
para a sala para seu novo apartamento.

Ocorre que cerca de 9 meses
depois, as cerâmicas começaram a se deteriorar.

Diante disso, João ajuizou ação de
indenização por danos morais e materiais contra a empresa fabricante.

Na contestação, a fabricante
alegou a situação narrada configura “vício do produto” e que houve a decadência
do direito de o consumidor reclamar, já que o prazo máximo seria de 90 dias, com
base no art. 26, II, do CDC:

Art. 26. O direito de
reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I – 30 (trinta dias),
tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis;

II – 90 (noventa dias),
tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.

O
argumento da fabricante foi acolhido pelo STJ?

NÃO. Analisando
um caso concreto, o STJ entendeu que o aparecimento de grave vício em
revestimento (pisos e azulejos), quando já se encontrava devidamente instalado
na residência do consumidor, configura “fato do produto” (e não vício do
produto). Logo, o prazo não é o do art. 26 e sim o do art. 27 do CDC.

STJ. 3ª Turma.
REsp 1.176.323-SP, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 3/3/2015 (Info 557).

Vício do produto x Fato do
produto

Vamos
relembrar as diferenças entre os dois institutos:

VÍCIO (VÍCIO DO PRODUTO)

DEFEITO (FATO DO PRODUTO)

Vício é a inadequação do produto ou
serviço para os fins a que se destina. É uma falha ou deficiência que
compromete o produto em aspectos como a quantidade, a qualidade, a eficiência
etc.

Restringe-se ao próprio produto e não
aos danos que ele pode gerar para o consumidor

Ex: Paulo compra um Playstation® e
ele não “roda” todos os jogos.

O art. 12, § 1º do CDC afirma que defeito
diz respeito a circunstâncias que gerem a insegurança do produto ou serviço.
Está relacionado, portanto, com o acidente de consumo.

Ex: Paulo compra
um Playstation®, ele liga o aparelho, começa a jogar e, de repente, o
videogame esquenta muito e explode, ferindo-o.

No entanto, a doutrina e o STJ
entendem que o conceito de “fato do produto” previsto no § 1º do art. 12 pode
ser lido de forma mais ampla, abrangendo todo e qualquer vício que seja grave
a ponto de ocasionar dano indenizável ao patrimônio material ou moral do
consumidor.

Desse modo, mesmo o produto/serviço
não sendo “inseguro”, isso poderá configurar “fato do produto/serviço” se o
vício for muito grave a ponto de ocasionar dano material ou moral ao
consumidor. Foi nesse sentido que o STJ enquadrou o caso acima (do piso de
cerâmica) como sendo hipótese de fato do produto.

Prazo para reclamar sobre os vícios é
decadencial:

• 30 dias para serviços e produtos
não duráveis;

• 90 dias para serviços e produtos
duráveis.

O prazo para
ações de reparação por danos causados por fato do produto ou do serviço prescreve
em 5 anos.

Veja o que a doutrina afirma
sobre o tema:

“(…) São considerados
vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os serviços (ou
os produtos) impróprios ou inadequados ao consumo que se destinam e também que
lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da
disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente,
embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária.

(…)

O defeito, por sua vez,
pressupõe vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é
uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si.

O defeito é o vício
acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço,
que causa um dano maior do que simplesmente o mau funcionamento, o não
funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou
o serviço não cumpriram com o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além
desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material ou
moral do consumidor.

Logo, o defeito tem
ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, ele é mais
devastador.

Temos, então, que o vício
pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo o próprio consumidor
ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou serviço para atingir o
consumidor em seu patrimônio jurídico material e⁄ou moral. Por isso somente se
fala propriamente em acidente de consumo em caso de defeito. É no defeito que o
consumidor é atingido.”

(NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 5ª ed., São
Paulo: Saraiva, 2009, ps. 344⁄345).

Dessa feita, o STJ entendeu que
os problemas causados pelo piso novo já instalado superaram o mero conceito de
“vício do produto” e devem ser classificados como “fato do produto”, razão pela
qual não se aplicam o prazo decadencial do art. 26, II, do CDC (90 dias), mas
sim o prazo prescricional de 5 anos, insculpido no art. 27 do CDC.

Reconheço que esse conceito mais
elástico de “fato do produto” é um tanto quanto subjetivo e poderá gerar inúmeras
dúvidas sobre situações limítrofes em casos concretos. No entanto, apesar
disso, é importante que você conheça essa posição do STJ que certamente será
exigida nas provas, além de poder ajudá-lo a resolver questões práticas na lide
forense.

RESUMINDO:

O aparecimento de grave vício em
revestimento (pisos e azulejos), quando já se encontrava devidamente instalado
na residência do consumidor, configura FATO DO PRODUTO, sendo, portanto, de 5
anos o prazo prescricional da pretensão reparatória (art. 27 do CDC).

O art. 12, § 1º do CDC afirma que defeito
diz respeito a circunstâncias que gerem a insegurança do produto ou serviço.
Está relacionado, portanto, com o acidente de consumo.

No entanto, a doutrina e o STJ entendem que
o conceito de “fato do produto” deve ser lido de forma mais ampla, abrangendo
todo e qualquer vício que seja grave a ponto de ocasionar dano indenizável ao
patrimônio material ou moral do consumidor.

Desse modo, mesmo o produto/serviço não
sendo “inseguro”, isso poderá configurar “fato do produto/serviço” se o vício
for muito grave a ponto de ocasionar dano material ou moral ao consumidor. Foi
nesse sentido que o STJ enquadrou o caso acima (do piso de cerâmica).

STJ. 3ª Turma.
REsp 1.176.323-SP, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 3/3/2015 (Info 557).

Artigo Original em Dizer o Direito

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