Se o Ministério Público Estadual é
parte em um processo e houve recurso para o STJ, ele poderá atuar diretamente
neste recurso ou ele precisará da participação do MPF?

Poderá atuar sozinho, sem a
participação do MPF. O Ministério Público Estadual tem legitimidade para atuar
diretamente como parte em recurso submetido a julgamento perante o STJ.

Foi o que decidiu a Corte
Especial do STJ no EREsp 1.327.573-RJ, julgado em 17/12/2014 (Info 556).

Havia polêmica sobre o assunto?

Sim. Havia uma tese, aceita durante
vários anos, no sentido de que somente o Ministério Público Federal poderia
atuar diretamente no STJ e no STF.

Dessa forma, o Ministério Público
Estadual, por meio do Procurador-Geral de Justiça, não poderia, por exemplo,
propor uma reclamação, impetrar mandado de segurança, interpor agravo
regimental, fazer sustentação oral, entre outros atos processuais, quando
envolvesse o STF/STJ. Segundo se entendia, isso teria que ser feito por
intermédio do Procurador-Geral da República.

Qual era o fundamento para essa tese?

Argumentava-se que o Ministério Público
é uma instituição una, cabendo a seu chefe, o Procurador-Geral da República,
representá-la, atuando, em seu nome, junto às Cortes Superiores: STF e STJ.

Assim, segundo o entendimento anterior, o Ministério Público Estadual, por meio de seus
Procuradores-Gerais de Justiça, até podiam interpor Recurso Extraordinário e
Recurso Especial contra os acórdãos dos Tribunais de Justiça, no entanto,
depois de interposto, a atribuição para oficiar junto aos tribunais superiores
seria do Procurador-Geral da República ou dos Subprocuradores da República.

Esse entendimento restritivo ao MPE foi
superado?

SIM. O primeiro passo foi dado em 2011,
quando o STF reconheceu a legitimidade ativa autônoma do Ministério Público
estadual para propor reclamação perante aquela Corte (Rcl 7358/SP, rel. Min.
Ellen Gracie, julgado em 24/2/2011).

O STJ seguiu no mesmo correto caminho e
decidiu que o Ministério Público Estadual tem legitimidade recursal para atuar
também no STJ (AgRg no AgRg no AREsp 194.892-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 24/10/2012 – brilhante voto).

Qual a posição que prevalece, portanto,
atualmente?

O Ministério Público estadual possui
legitimidade para atuar no STF e no STJ de forma autônoma, ou seja, por meio de
seu Procurador-Geral de Justiça ou alguém por ele designado (até mesmo um
Promotor de Justiça).

Dessa forma, atualmente, os interesses
do Ministério Público Estadual podem ser defendidos diretamente pelo
Procurador-Geral de Justiça no STF e STJ, não sendo necessária a atuação do
Procurador-Geral da República (chefe do MPU), como se entendia até então.

Veja interessante trecho do voto do
Min. Ari Pargendler sobre o tema:

“Perante o Superior Tribunal de
Justiça, o Ministério Público Federal exerce ambas as funções:

– no âmbito cível, ele  atua como autor, portanto como parte, quando
propõe, por exemplo, uma ação rescisória, e age como custos legis quando,
v.g,  opina em mandado de segurança, em
recursos, etc;

– no âmbito criminal, ele é autor da
ação, portanto  parte, quando esta deve
ser processada e julgada 
originariamente, e funciona como custos legis quando, v.g.,  opina em habeas corpus, em recursos, etc.

Tais funções podem ser cumuladas no
mesmo processo; é o caso da ação rescisória, em que o Ministério Público
Federal opina mesmo sendo o autor (AR nº 384, PR, de minha relatoria, DJ,
1º.09.97).

Quid, se a
ação, cível ou penal, é proposta pelo Ministério Público Estadual, perante o 1º
grau de jurisdição, e o processo é alçado ao Superior Tribunal de Justiça por
meio de recurso?

Salvo melhor juízo, em sede de
recursos, o Ministério Público Federal exerce apenas uma de suas funções, qual
seja, a de custos legis; o recurso é da parte, e o Ministério Público, à vista
do ordenamento jurídico, pode opinar pelo provimento ou pelo desprovimento
da irresignação.

Cindido em um processo o exercício das
funções do Ministério Público (o Ministério Público Estadual sendo o autor da
ação, e o Ministério Público Federal opinando acerca do recurso interposto nos
respectivos autos), não há razão legal, nem qualquer outra ditada pelo
interesse público, que autorize uma restrição ao Ministério Público
Estadual  enquanto autor da ação.

Do ponto de vista legal, como exposto,
o Subprocurador Geral da República opina como custos legis em recursos
interpostos pelo Ministério Público dos Estados.

Sob o prisma do interesse público, nada
justifica a restrição à atuação do Ministério Público Estadual, que tem o
direito de atuar perante o Superior Tribunal de Justiça no interesse dos
recursos que interpõe, sustentando-os oralmente, interpondo agravos regimentais
contra decisões que os denegam, etc.”

Argumentos que fundamentam a atuação do
MP Estadual no STF e STJ:

1) Inexistência de hierarquia entre
MPU e MPE

A CF/88 organiza o Ministério Público
brasileiro em dois segmentos:

I – o Ministério Público da União, que
compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios;

II – os Ministérios Públicos dos
Estados.

Desse modo, conclui-se que o Ministério
Público é dividido em dois ramos distintos (MPE e MPU), não havendo qualquer
relação de hierarquia ou subordinação entre eles.

O chefe do Ministério Público da União
é o Procurador-Geral da República (art. 128, § 1º da CF/88). Por sua vez, o
chefe de cada Ministério Público estadual é o seu respectivo Procurador-Geral
de Justiça (art. 128, § 3º).

Logo, não há qualquer sentido em se
permitir que o MPF atue diretamente nas Cortes Superiores e negar esse poder
aos Ministérios Públicos Estaduais.

2) Princípio federativo

Viola o regime federativo impedir que o
Ministério Público Estadual tenha acesso aos Tribunais Superiores, uma vez que
haveria uma diferença de tratamento em relação ao MPF, o que mitigaria sua
autonomia funcional.

3) Autonomia do MPE

Está também relacionada com o princípio
federativo, considerando que não permitir que o Ministério Público Estadual
atue, no STF e STJ, nos processos de seu interesse, significaria tolher a
autonomia e liberdade de atuação do Parquet
estadual.

4) MPU e MPE não são unos entre si

O Ministério Público, de fato, é uno
(art. 127, § 1º, CF/88). No entanto, a unidade institucional é princípio
aplicável apenas no âmbito de cada Ministério Público. Não é possível dizer,
por exemplo, que entre o Ministério Público estadual e o Ministério Público
federal exista unidade. Desse modo, quando houver necessidade de atuação do
Ministério Público Estadual nos processos que tramitam no STF e STJ, esta
deverá ocorrer por meio do seu Procurador-Geral de Justiça, não suprindo isso o
fato de haver a intervenção do Procurador-Geral da República.

5) Os
interesses defendidos pelo MPE podem, eventualmente, ser conflitantes com os do
MPU

Poderia acontecer de os Ministérios
Públicos Estaduais deduzirem pretensão no STF e STJ com a qual não concorde,
eventualmente, a chefia do Ministério Público da União, o que obstaria o acesso
do Parquet estadual aos Tribunais
Superiores (STF Rcl 7358/SP).

6) Paridade de armas

Fazer com que o Ministério Público
estadual ficasse na dependência do que viesse a entender o Ministério Público
Federal seria incompatível, dentre outros princípios, com o da paridade de
armas, considerando que, em eventual conflito entre o MPE e o MPU, o chefe do
MPU (PGR) poderia atuar diretamente no STF, mas não o MPE (STF Rcl 7358/SP).

Exemplos de atuação direta dos
Ministérios Públicos estaduais no STF e STJ:

• Mandado de segurança (contra decisão
do CNMP, v.g.);

• Reclamação constitucional;

• Pedido de suspensão de segurança;

• Pedido de tutela antecipada;

• Recursos contra as decisões
proferidas no STF e STJ (embargos de declaração, embargos de divergência,
agravo regimental etc.).

Qual órgão do Ministério Público
participa no STF e STJ como custos legis?

MPF. É importante ressaltar que a
atuação do Ministério Público como custos
legis
no STF e STJ continua sendo feita sempre pelo Procurador-Geral da
República ou pelos Subprocuradores da República (por delegação ou designação).

Desse modo, o que se passou a permitir
foi a atuação direta do Ministério Público Estadual como parte no STF e STJ.

Vale sublinhar, inclusive, que nos
processos em que o MPE for parte, no STJ e STF, o MPF atuará como custos legis (fiscal da lei), oferecendo
parecer.

Nos casos de ação penal de competência
originária do STF e do STJ, qual órgão do Ministério Público oferecerá a
denúncia e atuará no processo criminal?

MPF. Em tais hipóteses, a atribuição
continua sendo do MPF, por meio do Procurador-Geral da República (ou um
Subprocurador-Geral, mediante delegação do Procurador-Geral). Nesse sentido: STJ
Corte Especial. APn 689-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, julgada em 17/12/2012.

Trata-se de previsão legal do art. 46,
parágrafo único, III e 48, II, da LC n.° 75/93.

O Ministério Público do Trabalho tem
legitimidade para atuar diretamente no STF e STJ?

NÃO. A jurisprudência continua
entendendo que o MPT não pode atuar diretamente no STF e STJ. Nesse sentido: STF.
Plenário. RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/9/2014
(repercussão geral) (Info 759).

Se for necessário, por exemplo, propor
uma reclamação no STF e que seja do interesse do MPT, quem deve manejar essa
reclamação é o Procurador-Geral da República.

O Procurador do Trabalho não pode atuar
diretamente no STF (nem mesmo o Procurador-Geral do Trabalho).

O exercício das funções do Ministério
Público da União junto ao Supremo Tribunal Federal cabe privativamente ao
Procurador-Geral da República (ou aos Subprocuradores por ele designados), nos
termos do art. 46 da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União):

Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da
República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal
Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

Art. 47. O Procurador-Geral da
República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por
delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo
Tribunal Federal.

Assim, o MPT é parte ilegítima para, em
sede originária, atuar no STF e STJ, uma vez que integra a estrutura orgânica
do Ministério Público da União, cuja atuação funcional compete, em face da
própria unidade institucional, ao seu chefe, qual seja, o Procurador-Geral da
República.

LC 75/93:

Art. 24. O Ministério Público da União
compreende:

I – o Ministério Público Federal;

II – o Ministério Público do Trabalho;

III – o Ministério Público Militar;

IV – o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios.

Art. 25. O Procurador-Geral da
República é o chefe do Ministério Público da União (…)

Vale ressaltar, no entanto, que, quando
se diz que o MPT não pode atuar diretamente no STF, isso significa que não pode
ajuizar ações originárias no STF nem pode recorrer contra decisões proferidas
por essa Corte. Importante esclarecer, dessa forma, que o membro do MPT pode
interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão
proferida pelo TST.

Resumindo:

O Ministério Público Estadual tem
legitimidade para atuar diretamente no STJ nos processos em que figure como
parte. Assim, o MPE possui legitimidade para atuar diretamente em recurso por
ele interposto e submetido a julgamento perante o STJ.

STJ. Corte
Especial. EREsp 1.327.573-RJ, Rel. originário e voto vencedor Min. Ari
Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/12/2014 (Info
556).

Artigo Original em Dizer o Direito

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