O
que é a teoria da perda de uma chance?
Trata-se de teoria inspirada na
doutrina francesa (perte d’une chance).
Segundo esta teoria, se alguém,
praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de
obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização
pelos danos causados. Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua
conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura
melhor.
A
teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil?
SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ
que exige, no entanto, que o dano seja REAL,
ATUAL e CERTO
, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera
possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da
responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel.
Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009).
Em outros julgados, fala-se que a
chance perdida
deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas
condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.
(AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda
Turma, julgado em 17/03/2011)
Natureza
do dano
O
dano resultante da aplicação da teoria da perda de uma chance é considerado
dano emergente ou lucros cessantes?
Trata-se de uma terceira categoria. Com
efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente
causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo
intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se
buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse
o ato ilícito praticado. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 16/11/2010)
Exemplo
de aplicação desta teoria
Aplica-se a teoria da perda de uma
chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida
diferença de oito votos após atingido por notícia falsa publicada por jornal,
resultando, por isso, a obrigação de indenizar. (STJ. 3ª Turma, REsp
821.004/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 19/08/2010)
Perda
de uma chance e perda do prazo pelo advogado
O
simples fato de um advogado ter perdido o prazo para a contestação ou para a
interposição de um recurso enseja indenização pela aplicação desta teoria?
NÃO. Em caso de responsabilidade de
profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do
aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que
invocam a teoria da “perda de uma chance” devem ser solucionadas a
partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do
processo
, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.
Vale dizer, não é o só fato de o
advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou
para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização
civil com base na teoria da perda de uma chance.
É absolutamente necessária a ponderação
acerca da probabilidade – que se supõe real – que a parte teria de se sagrar
vitoriosa. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 16/11/2010)
Perda
de uma chance nas relações de direito público
A
teoria da perda de uma chance pode ser aplicada nas relações de direito
público?
SIM, existem alguns Ministros do STJ
que defendem que a teoria da perda de uma chance poderia ser aplicada também
nas relações entre o Estado e o particular. Nesse sentido: Min. Mauro Campbell
Marques e Min. Eliana Calmon.
Perda
de uma chance e erro médico
A teoria
da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade
civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha reduzido
possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha a falecer em
razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.254.141-PR, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.
Caso
concreto julgado pelo STJ:
“R”, viúvo de “V”, ajuizou ação de
indenização contra “M”, médico responsável pelo tratamento da falecida, que
possuía um câncer no seio.
O autor alegou que, durante o tratamento
da doença, “M” cometeu uma série de erros médicos, entre os quais se destacam os
seguintes: após o tratamento inicial da doença não foi recomendada quimioterapia;
a mastectomia realizada foi parcial (quadrantectomia), quando seria recomendável
mastectomia radical; não foi transmitida à paciente orientação para não mais engravidar;
com o desaparecimento da doença, novamente o tratamento foi inadequado; o aparecimento
de metástase foi negado pelo médico; entre outras alegações.
O laudo pericial apontou que houve, de
fato, erro médico.
O réu foi condenado por danos morais e
materiais, tendo sido aplicada a teoria da perda de uma chance.
Perda de uma chance clássica X Perda de
uma chance por conta de erro médico
A aplicação da teoria da perda de uma
chance no caso de erro médico possui algumas diferenças da aplicação
tradicional da teoria da perda de uma chance às demais hipóteses (baseado nas
lições da Min. Nancy Andrighi):
Teoria da perda de
uma chance CLÁSSICA (TRADICIONAL)
Teoria da perda de
uma chance no caso de ERRO MÉDICO
Ocorre quando o agente frustrou a
oportunidade da pessoa de auferir uma vantagem.
Ocorre quando o médico, por conta de
um erro, fez com que a pessoa não tivesse um tratamento de saúde adequado que
poderia tê-la curado e evitado a sua morte.
Há sempre
certeza quanto à autoria do fato que frustrou a oportunidade. Existe
incerteza quanto à existência/extensão dos danos.
Aqui, a extensão
do dano já está definida (a pessoa morreu), e o que resta saber é se esse
dano teve como concausa a conduta do réu.
Perda
de uma chance no caso de mulher que foi impedida de participar de sorteio
Em
2012, o STJ julgou o seguinte caso, aplicando a teoria da perda de uma chance:
Determinada mulher fez compras em um
supermercado e recebeu bilhete para participar de um sorteio. No bilhete
constava a seguinte inscrição: “você concorre a 900 vales-compras de R$
100,00 e a 30 casas.”
A mulher foi sorteada e, ao comparecer
para receber o prêmio, obteve apenas o vale-compras, tomando, então,
conhecimento de que, segundo o regulamento, as casas seriam sorteadas àqueles
que tivessem sido premiados com os vale-compras. Este segundo sorteio, todavia,
já tinha ocorrido, sem a sua participação. As trinta casas já haviam sido
sorteadas entre os demais participantes e ela, por falha de comunicação da
organização, não participou do sorteio.
O STJ considerou que houve violação do
dever contratual, previsto no regulamento, o que fez com que a mulher ficasse
impedida de participar do segundo sorteio e, portanto, de concorrer,
efetivamente, a uma das trinta casas.
O STJ também entendeu que a mulher
deveria ser indenizada pela perda da chance de participar do segundo sorteio,
no qual 900 pessoas (ganhadoras dos vale-compras) concorreriam a 30 casas.
Na teoria da perda de uma chance não se
paga como indenização o valor do resultado final que poderia ter sido obtido,
mas sim uma quantia a ser arbitrada pelo juiz, levando em consideração o caso
concreto.
No caso concreto acima relatado, por
exemplo, o STJ não condenou o supermercado a pagar o valor de uma casa
sorteada. Isso porque não havia certeza de que a mulher seria sorteada. O que
ela perdeu não foi a casa em si, mas sim a chance, real e séria, de ganhar a
casa. Logo, ela deve ser indenizada pela chance perdida e não pela casa
perdida.
Nesse sentido, o STJ entendeu que o dano
material suportado pela mulher não corresponde ao valor de uma das 30 casas
sorteadas, mas à perda da chance, no caso, de 30 chances, em 900, de obter o
bem da vida almejado.
A casa sorteada estava avaliada em R$
40 mil. Como eram 900 pessoas concorrendo a 30 casas, a probabilidade da mulher
ganhar a casa era de 1/30. Logo, o STJ condenou o supermercado a pagar 1/30 do
valor da casa (1/30 de R$ 40 mil).
Processo: STJ. 4ª Turma. EDcl no
AgRg no Ag 1196957/DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/04/2012.

Artigo Original em Dizer o Direito

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