“Plano Cruzado”

Na década de 80, o Brasil lutava
constantemente para combater a inflação, principal problema da economia
nacional na época.

Em virtude disso, houve vários
planos econômicos que impuseram algumas medidas muito duras tanto para as
empresas como para os consumidores.

Um dos mais famosos programas
econômicos do período foi o chamado “Plano Cruzado”, lançado pelo então
Presidente José Sarney, que recebeu esse nome porque determinou a troca da
moeda nacional, que deixou de ser o “Cruzeiro” e foi substituída pelo “Cruzado”.

Congelamento de preços de bens e
serviços

A medida de maior destaque e
repercussão do “Plano Cruzado” foi determinar o congelamento do preço dos bens
e serviços.

Os preços das passagens aéreas
também foram congelados, ou seja, as companhias não podiam, salvo autorização
do Governo, reajustar o valor das tarifas.

O Plano Cruzado foi sendo
substituído por outros planos econômicos (Bresser, Verão etc), mas o
congelamento das tarifas do setor aéreo durou até janeiro de 1992.

Ação de indenização

A Varig, maior companhia aérea do
período, foi a mais impactada com a medida.

Diante disso, em 1993, ela
ajuizou uma ação, na Justiça Federal em Brasília, contra a União, pedindo o restabelecimento
do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de transporte aéreo,
com o ressarcimento dos prejuízos suportados em razão do congelamento.

A empresa argumentou que era concessionária
de serviço público e que o congelamento das tarifas violou seu direito ao
equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, considerando que ela
ficou operando com prejuízos.
Principal argumento de defesa da
União

A AGU defendeu, como principal
tese, que a União ao instituir os planos econômicos e determinar o congelamento
de preços estava atuando de forma legítima, buscando melhorar a economia do país
e regular o serviço público em prol de toda a coletividade.

Vale ressaltar que, segundo a
CF/88, cabe à União, por meio de lei, dispor sobre a política tarifária adotada
pelas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos (art. 175, parágrafo
único, III). Logo, a conduta perpetrada foi LÍCITA.

Parecer do MPF

O Ministério Público federal opinou
de forma contrária ao pleito da Varig.

Dentre outras razões invocadas, o
Parquet afirmou que toda a coletividade sofreu prejuízos e teve que arcar com
os ônus decorrentes do congelamento de preços determinado pelo plano econômico,
de modo que não havia sentido apenas a Varig ser indenizada.

O que decidiu o STF? A Varig tem
direito de ser indenizada?

SIM. Plenário. RE 571969/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado
em 12/3/2014.

Vejamos abaixo
os principais argumentos:

Situação peculiar da empresa: concessionária de serviço público

Para a Min. Carmen Lúcia, relatora
do recurso, realmente toda a sociedade brasileira se viu submetida às determinações
do plano econômico. No entanto, a situação da Varig era peculiar porque se
tratava de uma concessionária de serviço público. Assim, essa empresa não tinha
liberdade para atuar segundo a sua própria conveniência, já que estava
vinculada aos termos do contrato de concessão que foram pré-determinadas pela União,
que também foi a autora das medidas econômicas de congelamento.

Violação ao equilíbrio econômico-financeiro

Deve-se esclarecer que, para o
STF, as medidas impostas pelo plano econômico foram lícitas. Desse modo, a conduta
da União, no caso, foi LÍCITA. Apesar isso, houve um prejuízo financeiro à
Varig e isso deve ser reparado.

Segundo a Relatora, como
concessionária de serviço público, a Varig foi obrigada a cumprir o tabelamento
de preços, o que lhe causou graves prejuízos já que houve a quebra do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

De que forma houve a quebra desse
equilíbrio? Ora, os serviços de transporte aéreo deveriam continuar sendo
prestados já que essa era a obrigação contratual da Varig, mas, em compensação,
ela tinha que suportar um ônus novo, antes não previsto no contrato, qual seja,
a impossibilidade de que as tarifas fossem reajustadas. Os custos do serviço
iam sendo aumentados (combustível, salários, manutenção das aeronaves etc), mas
isso não podia ser repassado para o preço das passagens. A empresa passou a
trabalhar de forma deficitária.

Responsabilidade civil por atos lícitos

Os atos que compuseram o “Plano Cruzado”,
apesar de não serem ilegais e de estarem justificados pelo interesse públicos, provocaram
diretamente danos à Varig.

Vale ressaltar que é possível a
responsabilidade civil do Estado não apenas por atos ilícitos, mas também por condutas
LÍCITAS. Esse é um exemplo.

A responsabilidade do Estado pela
prática de atos lícitos ocorre quando deles decorram prejuízos específicos,
expressos e demonstrados.

Conclusão

Desse modo, o STF, reconheceu que
a União, na qualidade de contratante, possui responsabilidade civil por
prejuízos suportados pela companhia aérea em decorrência do congelamento das
tarifas de aviação determinada pelos planos econômicos.

Fundamentos constitucionais:

·        
Necessidade de garantir o equilíbrio econômico-financeiro
do contrato de concessão (princípio constitucional da estabilidade econômico-financeira):
art. 37, XXI;

·        
Responsabilidade civil do Estado também pode ser
por atos lícitos que causem prejuízos: art. 37, § 6º.

Como votaram os Ministros:

A favor da indenização

Contrários à indenização

Impedidos ou ausentes

Min. Carmen Lúcia

Min. Luís Roberto Barroso

Min. Rosa Weber

Min. Ricardo Lewandowski

Min. Celso de Mello

Min. Joaquim Barbosa

Min. Gilmar Mendes

Min. Teori Zavascki

Min. Luiz Fux

Min. Dias Toffoli

Min. Marco Aurélio

Votos divergentes

Os dois votos divergentes foram
dos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes.

O Min. Joaquim Barbosa afirmou
que as medidas determinadas nos planos econômicos foram feitas com base em atos
legislativos de caráter genérico e impessoal, que afetaram indistintamente
todas as empresas e pessoas. Assim, não seria possível indenizar apenas uma
empresa ou pessoa por supostos danos por eles causados.

De igual sorte, sustentou que não
seria devido aplicar ao caso a teoria da imprevisão uma vez que a assinatura do
contrato de concessão entre a União e a Varig ocorreu em época de combate à
inflação, sendo, portanto, tais medidas previsíveis e normais para o período.

Valor da indenização

O valor da indenização ainda será
calculado pela Justiça Federal de Brasília, em 1ª instância, em liquidação da
sentença. No entanto, em cálculos iniciais realizados pela AGU, o montante
devido seria de 3 bilhões de reais. Por outro lado, os ex-funcionários da Varig
argumentam que a dívida chega a 6 bilhões de reais.

Deve-se esclarecer que a Varig já
foi à falência e o dinheiro dessa condenação será revertido em favor dos
ex-funcionários que até hoje lutam por seus direitos trabalhistas e previdenciários.

Artigo Original em Dizer o Direito

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