Imagine a seguinte situação hipotética:

João, cliente do plano de saúde “Norte América”, sofre de
obesidade mórbida, pesando 150kg.

Após várias tentativas de tratamento, o médico que atende
João recomendou que ele faça a cirurgia de redução do estômago (cirurgia
bariátrica), tecnicamente chamada de gastroplastia.

O plano de saúde, contudo, não autorizou custear a cirurgia
afirmando que este tipo de tratamento não estaria coberto pelo contrato.

A recusa do plano de saúde foi legítima?

NÃO.

O plano de saúde pode se recusar a custear, para o seu cliente que
sofre de obesidade mórbida, a cirurgia de redução do estômago (cirurgia
bariátrica), tecnicamente chamada de gastroplastia?

NÃO. O STJ possui entendimento
sedimentado no sentido de que:

A cirurgia para redução
do estômago (gastroplastia), indicada para o tratamento de obesidade mórbida, é
procedimento essencial à sobrevida do segurado, sendo ilegítima a negativa de cobertura
das despesas médicas pelo plano de saúde.

STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 512.484/PA, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 22/09/2015.

O tratamento da obesidade mórbida é de cobertura obrigatória
nos planos de saúde (art. 10 da Lei nº 9.656/98). Efetivamente, tal condição é
considerada doença crônica não transmissível, relacionada na Classificação
Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), de
etiologia e patogênese multifatoriais, sendo fator de risco para o desenvolvimento
de comorbidades (Diabetes Mellitus tipo 2, apneia do sono, hipertensão
arterial, dislipidemia, osteoartrites, males cardiovasculares, depressão, entre
outros), induzindo a mortalidade.

Desse modo, mesmo que
o contrato do plano de saúde ou do seguro-saúde contenha uma cláusula que
exclua da cobertura securitária o tratamento estético de emagrecimento, isso
não significa que também esteja excluída a cirurgia para tratamento de
obesidade mórbida (gastroplastia), tendo em vista que esta não pode ser
considerada apenas como procedimento para emagrecimento, sendo, na verdade,
tratamento indispensável à vida do paciente.

No mesmo sentido:

(…) 1. Recusa indevida, pela operadora de plano de saúde, da
cobertura financeira do tratamento médico do beneficiário (gastroplastia por
videolaparoscopia). Ainda que admitida a possibilidade de previsão de cláusulas
limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque,
permitindo imediata e fácil compreensão), revela-se abusivo o preceito do contrato
de plano de saúde excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao
melhor desempenho do tratamento clínico ou do procedimento cirúrgico coberto ou
de internação hospitalar. (…)

STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 549.831/RS, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 05/03/2015.

Vale ressaltar que essa recusa pode gerar a condenação do
plano de saúde a pagar indenização por danos morais:

(…) 5. Indenização por dano moral. A jurisprudência do STJ é
no sentido de que a recusa indevida/injustificada pela operadora de plano de
saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico, a que esteja
legal ou contratualmente obrigada, enseja reparação a título de dano moral, por
agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário.
(…)

STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 549.831/RS, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 05/03/2015.

Voltando ao nosso exemplo:

Suponhamos que João fez a cirurgia e, depois de 1 ano do
procedimento, ele já perdeu 80kg.

Ocorre que, como uma consequência natural da perda de tanto
peso, o corpo de João ficou com grande excesso de pele sobrando.

Diante disso, ele, por recomendação médica, pediu que o
plano de saúde, custeasse agora, ou seja, depois da gastroplastia, uma cirurgia
plástica para retirada do excesso de pele nos braços (dermolipoctomia braçal),
coxas e abdômen (dermolipectomia abdominal ou abdominoplastia).

O plano de saúde negou o custeio do procedimento afirmando
que se trata de cirurgia meramente estética, o que não é coberto pelo contrato.

Agiu corretamente o plano de saúde? Essa recusa é legítima?

Mais uma vez a resposta é NÃO.

Vamos entender.

Cirurgia plástica estética

De fato, o art. 10, II, da Lei
nº 9.656/98 permite que os planos de saúde recusem, no contrato, o custeio de
procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos:

Art. 10. É instituído o
plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial
médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos,
realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de
terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das
doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde,
respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(…)

II – procedimentos clínicos ou
cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

(…)

§ 1º As exceções constantes dos
incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS.

Assim, é lícita a cláusula contratual que preveja que o
plano de saúde não vai pagar por tratamentos que tenham finalidade puramente estética, ou seja, de preocupação exclusiva do paciente
com o seu embelezamento físico.

Nem toda cirurgia plástica é meramente estética

Há situações em que a cirurgia plástica não se limita a rejuvenescer
ou aperfeiçoar a beleza corporal, mas se destina primordialmente a reparar ou a
reconstruir parte do corpo humano ou, ainda, a prevenir males de saúde.

Esse é o caso da cirurgia para retirada de excesso de pele pós-bariátrica.
Não se trata de um procedimento exclusivamente estético.

O excesso de pele pode causar dermatites, candidíase, assaduras
e até mesmo infecções bacterianas devido às escoriações pelo atrito, odor
fétido e hérnias. Desse modo, a cirurgia plástica para retira do excesso de
tecido epitelial não se trata de procedimento unicamente estético, servindo
para prevenir ou curar enfermidades (tem um caráter funcional e reparador).

Dever do plano de saúde custear

Assim, os planos de saúde têm o deve de custear:

• a cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida;

• e também a cirurgia plástica para corrigir as dobras de
pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento.

Obviamente que, tanto em um caso como no outro, é necessário
que haja a indicação médica para esse tratamento.

Em suma:

Se houver
indicação médica, o plano de saúde não pode se recusar a custear a realização
de cirurgia plástica para retirada de excesso de tecido epitelial decorrente de
rápido emagrecimento ocasionado por cirurgia bariátrica.

O excesso
de pele pode causar dermatites, candidíase, assaduras e até mesmo infecções
bacterianas. Desse modo, a cirurgia plástica para corrigir essa situação não se
constitui em procedimento unicamente estético, servindo para prevenir ou curar
enfermidades (tem um caráter funcional e reparador).

STJ. 3ª Turma. REsp 1757938/DF, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 05/02/2019.

No caso concreto acima explicado (REsp 1757938/DF), o plano
de saúde, além de ser obrigado a custear a cirurgia, foi também condenado a
pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais em virtude da recusa ilegítima.

Vale ressaltar que não se trata de entendimento novo,
havendo precedentes mais antigos do STJ no mesmo sentido:

III – As cirurgias de remoção de excesso de pele (retirada do
avental abdominal, mamoplastia redutora e a dermolipoctomia braçal) consiste no
tratamento indicado contra infecções e manifestações propensas a ocorrer nas
regiões onde a pele dobra sobre si mesma, o que afasta, inequivocamente, a tese
sufragada pela parte ora recorrente no sentido de que tais cirurgias possuem
finalidade estética;

IV – Considera-se, assim, ilegítima a recusa de cobertura das
cirurgias destinadas à remoção de tecido epitelial, quando estas se revelarem necessárias
ao pleno restabelecimento do paciente-segurado, acometido de obesidade mórbida,
doença expressamente acobertado pelo plano de saúde contratado, sob pena de
frustrar a finalidade precípua de tais contrato.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.136.475/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe
16/3/2010.

Por fim, para aqueles que estudam para concursos no Rio de
Janeiro ou militam naquele Estado, vale mencionar que o TJRJ possui uma súmula
sobre o tema:

Súmula 258 do TJRJ: A cirurgia plástica, para retirada do
excesso de tecido epitelial, posterior ao procedimento bariátrico, constitui
etapa do tratamento da obesidade mórbida e tem caráter reparador.

Artigo Original em Dizer o Direito

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