NOÇÕES GERAIS SOBRE DUPLICATA

Conceito

Duplicata é…

– um título de crédito

– que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo
próprio credor

– por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que
prestou

– e que estão representados em uma fatura

– devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo
tomador dos serviços.

Genuinamente
brasileiro

A
duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título
genuinamente brasileiro.

Regulamentação

A
duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e, agora, também pela Lei nº
13.775/2018.

Exemplo
de emissão de duplicata

O
distribuidor “SILVA & SOUZA Ltda.” vendeu para a loja “Bompé” 70 pares de
sapatos.

O
distribuidor (vendedor) extrai uma fatura dos produtos e emite uma duplicata mercantil
dando uma ordem à loja (compradora) para que pague a ele (vendedor) o preço dos
pares de sapato e eventuais encargos contratuais.

Espécies
de duplicata

• Duplicata
mercantil
:
emitida por causa da compra e venda mercantil.

• Duplicata
de serviços
:
emitida por causa da prestação de serviços.

Características
da duplicata

a) Título causal:
a duplicata só pode ser emitida para documentar o crédito decorrente de dois
negócios jurídicos: a compra e venda mercantil ou a prestação de serviços. Essa
causa da duplicata é mencionada no próprio título. Por conta dessa
característica, alguns autores afirmam que se trata de um título impróprio. Obs:
o contrário dos títulos causais são os “não causais” ou “abstratos”, como o
caso da nota promissória.

b) Ordem de pagamento.

c) Título de modelo
vinculado (título formal):
os padrões de emissão da duplicata são fixados
pelo Conselho Monetário Nacional. A duplicata somente produz efeitos cambiais
se observado o padrão exigido para a constituição do título.

Emissão
da duplicata

O vendedor
ou prestador dos serviços emite a fatura discriminando as mercadorias vendidas
ou os serviços prestados. Com base nessa fatura, esse vendedor ou prestador
poderá emitir a duplicata.

Remessa da
duplicata para ACEITE

Aceite é o
ato por meio do qual o sacado (comprador ou tomador dos serviços) assina o título
se obrigando a pagar o crédito ali descrito, na data do vencimento.

Assim,
emitida a duplicata, nos 30 dias seguintes, o sacador (quem emitiu o título)
deve remeter o título ao sacado (comprador ou tomador dos serviços) para que
ele assine a duplicata no campo próprio para o aceite, restituindo-a ao sacador
no prazo de 10 dias.

O aceite na
duplicata é obrigatório

Na
duplicata, o título documenta uma obrigação surgida a partir de um contrato de
compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.

Desse modo,
se o vendedor/prestador do serviço, que no caso foi o sacador, cumpriu as suas
obrigações contratuais, não há motivo para o devedor recusar o aceite.

Em virtude
dessa circunstância, a doutrina afirma que o aceite na duplicata é, em regra,
obrigatório, somente podendo ser recusado nas hipóteses previstas nos arts. 8º
e 21 da Lei nº 5.474/68.

Recusa
do aceite

Como
vimos, o aceite é, em regra, obrigatório.

As
hipóteses previstas na lei em que o aceite pode ser recusado estão relacionadas
com situações em que o sacador (vendedor ou prestador dos serviços) não cumpriu
corretamente suas obrigações contratuais ou em que há divergência entre aquilo
que foi combinado no contrato e o que consta da duplicata.

Estão
previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº Lei nº 5.474/68.

Tipos
de aceite

a) aceite ORDINÁRIO:
ocorre quando o sacado (comprador ou tomador dos serviços), não encontra nenhum
problema em aceitar e, por isso, assina em um campo próprio localizado na
frente (anverso) do título, devolvendo-o em seguida.

b) aceite PRESUMIDO:
ocorre quando o sacado resolve não assinar ou não devolver a duplicata
assinada, no entanto, ao receber as mercadorias compradas ele assinou o
comprovante de recebimento, sem fazer qualquer ressalva quanto aos bens
adquiridos. Ora, se ele recebeu normalmente as mercadorias é porque se presume
que o vendedor cumpriu sua obrigação contratual. Logo, esse comprador deveria
ter feito o aceite da duplicata. Nesses casos, o sacador deverá fazer o
protesto do sacado por falta de aceite ou por falta de pagamento.

Diante disso, é admitido como aceite
presumido da duplicata:

O comprovante de entrega das
mercadorias assinado pelo sacado acompanhado do instrumento do protesto do
título por falta de aceite ou falta de pagamento.

c) aceite por COMUNICAÇÃO:
ocorre quando o sacado retém o título e expressa o aceite em carta ou
comunicado. Essa comunicação, mesmo escrita fora do título, produz os mesmos
efeitos do aceite.

Protesto

Protesto
de títulos é o ato público, formal e solene, realizado pelo tabelião de protesto,
com a finalidade de provar:

i) a
inadimplência do devedor

ii) o
descumprimento de obrigação constante de título de crédito; ou

iii) qualquer
outro ato importante relacionado com o título (ex: falta de aceite).

No
caso da duplicata, para que serve o protesto?

O
protesto poderá servir para provar três situações distintas:

i) a falta
de pagamento;

ii) a falta
de aceite da duplicata;

iii) a falta
de devolução da duplicata;

OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS À EMPRESA DE FACTORING

Imagine
agora a seguinte situação hipotética:

João
fez um contrato com uma empresa de móveis residenciais, segundo o qual ela iria
construir e instalar os modulados da casa do cliente no prazo de 5 meses.

Ficou
combinado que João pagaria R$ 50 mil, divididos em 5 meses.

Para
instrumentalizar esse crédito, foram emitidas 5 duplicatas no valor de R$ 10
mil cada, a serem pagas por João assim que os serviços fossem entregues mês a
mês.

No
sistema da duplicata, com base neste exemplo, João recebe o nome de “sacado”
(comprador) e a movelaria é denominada de sacador (emitente).


Sacado (comprador): é a pessoa que recebe a ordem de pagamento. É aquela que
compra a mercadoria ou o serviço e paga para o beneficiário, que é o próprio
vendedor.


Sacador (emitente): é quem dá a ordem de pagamento (emite a duplicata). É
aquele que vende a mercadoria ou o serviço.

Vale
ressaltar que João, sem conhecer muito bem as regras de direito cambiário, deu
aceite nas cinco duplicatas, ou seja, assinou-as na frente do título
comprometendo-se a pagá-las mesmo sem ter ainda recebido os móveis comprados.

Venda
das duplicatas para a factoring

A
empresa, precisando de dinheiro imediatamente para ter capital de giro,
procurou uma factoring e “vendeu”
essas duplicatas (contrato de conventional
factoring
). Em outras palavras, a empresa de modulados cedeu o crédito
estampado nas duplicatas para a factoring
e, quando ocorresse o dia do vencimento de cada uma delas, quem receberia o
valor pago pelo cliente seria a própria factoring
(e não mais a movelaria).

Importante
registrar também que João foi notificado de que a empresa estava vendendo as
duplicatas para a factoring e contra isso não se opôs.

Abrindo
um parêntese para explicar esse serviço da factoring:

Factoring
tradicional (conventional factoring):
nesta atividade, o empresário cede à factoring
os títulos de crédito que recebeu em sua atividade empresária e que somente
irão vencer em uma data futura, e a empresa de factoring antecipa esse pagamento, recebendo, como contraprestação,
um percentual desses créditos. Trata-se de uma forma de o empresário obter
capital de giro nas vendas a prazo. Ex.: uma loja recebe um cheque “pré-datado”
(pós-datado) para 90 dias no valor de R$ 10 mil. Ocorre que a loja precisa de
dinheiro logo. Então, ela cede o cheque para a empresa de factoring, que irá pagar à vista para a loja R$ 9.700,00 e, daqui a
90 dias, irá descontar o cheque, ficando com os R$ 10 mil. A loja recebeu o
crédito à vista e teve que pagar um percentual à factoring.

É
como se o cliente tivesse “vendido” o título para a factoring, que irá cobrar do devedor no momento do vencimento da
dívida.

O
contrato de
conventional
factoring é um contrato de mútuo? Não.
Em verdade, consiste em uma compra e venda de créditos (direitos), por um preço
ajustado entre as partes.

Fechando
o parêntese e voltando ao exemplo envolvendo a movelaria e João.

Atraso
nos móveis

A
empresa de modulados entregou as duas primeiras partes dos móveis nos dois
primeiros meses, tendo João pago as duas primeiras duplicatas.

A
partir do terceiro mês, no entanto, a empresa, alegando atraso na produção, não
entregou a terceira parte. Diante disso, João também não pagou a terceira
duplicata. Isso se repetiu no quarto e quinto meses.

Desse
modo, a empresa cumpriu dois meses de seu compromisso contratual e, como não
mais entregou os móveis a partir daí, o cliente deixou de pagar as três
duplicatas restantes.

Ocorre
que a factoring, que já havia “comprado” as duplicatas, não quis saber de nada
e, como não houve o pagamento, levou os títulos para protesto.

Exceções
pessoais

Juridicamente,
um dos sentidos da palavra “exceção” é o de defesa. Assim, o termo “exceção”
pode ser utilizado como sinônimo de defesa em alguns casos.

Em
direito cambiário, quando falamos em “exceções pessoais”, estamos querendo
dizer que são defesas que a pessoa que emitiu o título de crédito possui em
relação àquele em favor de quem foi emitido o título de crédito.

Ex:
Pedro quer comprar um celular de Mário e emite uma nota promissória. A origem
da nota promissória é a compra e venda (trata-se da causa subjacente/causa debendi). O celular apresenta
vício e, por isso, Pedro não paga o valor da nota promissória e devolve o
celular. Se Mário executar essa nota promissória, Pedro poderá invocar, como
exceção pessoal, que a causa subjacente não se concretizou. Trata-se de uma
exceção pessoal do emitente em relação ao beneficiário do título.

As exceções pessoais podem ser
invocadas (alegadas) pelo emitente para deixar de pagar o beneficiário do
título. No entanto, em regra, as exceções pessoais não podem ser utilizadas
contra pessoas de boa-fé que receberam o título. Isso está previsto no art. 916
do Código Civil:

Art. 916. As exceções, fundadas em
relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele
opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

Assim,
se Mário já havia passado a nota promissória para Juliana, uma terceira pessoa,
e ela estava de boa-fé, Juliana poderá executar o título cobrando o valor de
Pedro. Este, coitado, ficará com o celular quebrado e terá que pagar o valor do
título para Juliana. Obviamente que, depois, Pedro poderá tentar cobrar de
Mário aquilo que foi pago. No entanto, repito, não poderá invocar contra
Juliana sua exceção pessoal porque o título circulou e agora encontra-se com alguém
considerado terceiro de boa-fé.

Voltando
ao exemplo da factoring. A factoring (faturizadora) está cobrando de João o
valor das três duplicatas não pagas. João não quer pagar porque a mercadoria
não foi entregue. João (sacado) poderá invocar isso como exceção pessoal para
não pagar à factoring?

NÃO.

Alguém
poderia falar: mas a duplicata é um título causal, ou seja, ela está
relacionada com um negócio jurídico. Se este negócio jurídico não foi cumprido,
mesmo assim, a duplicata terá que ser paga?

A
duplicata é um título causal no momento da sua emissão. No entanto, ela
conserva essa característica apenas até a emissão do aceite, expresso ou ficto,
quando adquire feição e qualidades próprias dos demais títulos de crédito,
tanto que se admite a sua circulação, por cessão ou endosso.

Isso
porque o aceite confere ao adquirente da duplicata uma segurança jurídica de
que o negócio que justificou a emissão do título foi cumprido. A certeza é transmitida
pelo próprio devedor (sacado), que, podendo recusar, aceitou o título.

Assim,
depois do aceite, a duplicata perde o caráter causal, ou seja, desvincula-se do
negócio jurídico que lhe deu causa.

Além disso, com a circulação (que
ocorre com o endosso do título para terceiros), a duplicata passa a ter duas outras
características muito relevantes para o direito cambiário: autonomia e abstração.

a) Autonomia: o possuidor de
boa-fé (possuidor do título de crédito), ao cobrar esse título, está exigindo
um direito próprio (direito seu), que não pode ser atrapalhado por conta de
relações jurídicas anteriores entre o devedor e antigos possuidores do título.
Assim, o possuidor de boa-fé do título de crédito não tem nada a ver com o fato
de o título ter vícios ou defeitos anteriores. Se ele é o atual possuidor e
está de boa-fé, tem direito ao crédito (obs.: existem algumas exceções ao
princípio da autonomia, que não interessam no momento).

b) Abstração: significa que os títulos de crédito,
quando circulam, ficam desvinculados da relação que lhe deu origem. Ex: João
comprou um notebook de Ricardo, entregando-lhe uma nota promissória. Ricardo
endossou a nota promissória para Rui. Ricardo acabou nunca levando o computador
para João. Rui (que estava de boa-fé) poderá cobrar de João o crédito constante
da nota promissória e o fato de o contrato não ter sido cumprido não poderá ser
invocado para evitar que João pague o débito. Isso porque, como o título
circulou, ele já não tem mais nenhuma vinculação com o negócio jurídico que lhe
deu origem.

Esses
dois princípios acima elencados têm por objetivo conferir segurança jurídica ao
tráfego comercial e à circulação do crédito. Se a pessoa que recebeu um título
de crédito (aparentemente válido) pudesse ficar sem o dinheiro por força de
vícios anteriores ou por conta de uma quitação que não consta na cártula, isso
geraria um enorme risco ao portador, o que desestimularia as pessoas a
aceitarem títulos de crédito.

Foi isso que decidiu o STJ:

A
duplicata mercantil, apesar de causal no momento da emissão, com o aceite e a
circulação adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico
subjacente, impedindo a oposição de exceções pessoais a terceiros endossatários
de boa-fé, como a ausência ou a interrupção da prestação de serviços ou a
entrega das mercadorias.

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.439.749-RS, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 28/11/2018 (Info 640).

Essa é também a opinião da doutrina
majoritária:

“Assim, aceitando a duplicata, o sacado
não mais poderá discutir a causa debendi porque o título liberta-se de sua
causa originária em razão de ter reconhecido a sua exatidão e ter assumido a
obrigação de pagá-lo no vencimento, tornando líquida a obrigação cambiária, ainda
mais porque o sacado poderia ter recusado o aceite no prazo do art. 7º e pelas
razões do art. 8º, e não o fez” (ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio da. Títulos de Crédito. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 690).  

“A duplicata, título causal, pois
nascido sempre de uma compra e venda a prazo, com a assinatura do comprador
desprende-se da causa que lhe deu origem já que o comprador não apenas
reconheceu a exatidão da mesma como a obrigação de pagá-la na época do vencimento.
A obrigação torna-se desse modo líquida, o que dá maior segurança de
recebimento não apenas ao sacador-vendedor como a qualquer outra pessoa a quem
o título seja transferido.” (MARTINS, Fran. Títulos
de Crédito
. Vol. II. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 165).

A
ausência de entrega da mercadoria não vicia a duplicata que já foi aceita. Assim,
uma vez aceita a duplicata, o sacado (aceitante) fica vinculado ao título como
devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria não pode ser oponível
ao endossatário de boa-fé (empresa de factoring).

Vale
ressaltar que o aceitante (João) terá direito de regresso contra a endossante (empresa
de móveis), diante do descumprimento do negócio jurídico subjacente.

A
empresa de factoring, mesmo trabalhando com isso, pode ser considerada como
terceiro de boa-fé?

Em
regra, sim. Não se pode presumir que a empresa de factoring, que celebrou mero
contrato de factoring tradicional (conventional
factoring
) tenha conhecimento se a empresa endossante está ou não
entregando as mercadorias ou prestando os serviços de forma pontual.

Obviamente,
seria possível que o aceitante demonstrasse que tal situação é do conhecimento
da empresa de factoring, o que excluiria a sua boa-fé. Essa prova seria mais fácil
caso o contrato que a factoring tivesse com a empresa de móveis fosse mais
amplo e abrangesse não apenas a “compra” de títulos de crédito, prevendo também
que a factoring desempenharia atividades de gerência financeira, gestão de
crédito e seleção de riscos em favor da empresa, o que não era o caso.

Artigo Original em Dizer o Direito

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