“Lei das filas”

Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um
tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja
atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica,
supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”.

Exemplo

Um exemplo é a Lei nº 167/2005,
do Município de Manaus (AM). Veja o que ela diz:

Art. 1º Ficam obrigadas as
concessionárias de serviços públicos de água, luz e telefone, as agências
bancárias, as loterias, os estabelecimentos de crédito, prestadores de serviços
de saúde e os supermercados e lojas de departamentos do Município de Manaus, a
disponibilizar funcionários suficientes no setor de atendimento ao público,
para que o serviço seja feito em prazo hábil, respeitados a dignidade e o tempo
do usuário.

(…)

Art. 2º Para os efeitos desta lei,
entende-se como tempo hábil para o atendimento o prazo de até:

I – 15 (quinze) minutos em dias
normais;

II – 20 (vinte) minutos às vésperas e
após os feriados prolongados, exceto aos supermercados que serão de 25 (vinte e
cinco) minutos;

III – 25 (vinte e cinco) minutos nos
dias de pagamento de funcionários públicos municipais, estaduais e federais,
não podendo ultrapassar esse prazo em hipótese alguma, exceto aos supermercados
que terão 30 (trinta) minutos.

(…)

Art. 4º Ficam as empresas dispostas no
caput do art. 1º obrigadas a fixar relógio em local visível e fornecer bilhetes
ou senhas, onde constarão impressos o horário de entrada e o fim de atendimento
do cliente.

Art. 5º O descumprimento das
disposições contidas nesta Lei acarretará ao infrator a imposição das seguintes
sanções:

I – multa de 340 a 1.270 UFMs;

II – multa de 1.271 a 5.000 UFMs na
primeira reincidência;

III – suspensão do alvará de
funcionamento pelo prazo de quinze dias na segunda reincidência;

IV – cassação do alvará de
funcionamento na terceira reincidência.

CONSTITUCIONALIDADE

Essas leis municipais são constitucionais?

SIM. Trata-se de assunto de interesse local, sendo,
portanto, de competência dos Municípios segundo o art. 30, I, da CF/88.

Esse é o entendimento do STF:

É pacífica a jurisprudência desta Corte de que os Municípios
detêm competência para legislar sobre o tempo máximo de espera por atendimento
nas agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz
respeito às normas de proteção das relações de consumo, não se confundindo com
a atividade-fim das instituições bancárias.

STF. 1ª Turma. AI 495187 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
30/08/2011.

LEI DAS FILAS E DANOS MORAIS
INDIVIDUAIS

O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado
pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização
por danos morais?

NÃO.

A
mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em
fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.

Em
outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento
bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja
indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o
consumidor foi atendido em 25 minutos.

No
entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou
associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de
sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral.

STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.

STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.

Ex1: em um caso concreto, o STJ reconheceu que houve dano
moral indenizável porque restou provado que a consumidora, no dia do fato,
estava com a saúde debilitada e ficou esperando, em pé, durante muito mais
tempo do que a lei estabelecia, sem que houvesse um banheiro que ela pudesse
utilizar. A indenização foi fixada em R$ 3 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1218497-MT,
Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 11/9/2012).

Ex2: em outra situação, o STJ reconheceu que houve dano
moral na hipótese em que o consumidor ficou aguardando 2h07m para ser atendido
na agência bancária. O STJ afirmou que tal período de tempo configura uma espera
excessiva, que é causa de danos extrapatrimoniais. A indenização foi fixada em
R$ 5 mil (STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
02/05/2017).

LEI DAS FILAS E DANO MORAL
COLETIVO

Imagine a seguinte situação:

A Lei nº 3.441/2007, do Município de Aracaju (SE), prevê
que, em dias normais, o cliente não pode esperar mais do que 15 minutos para
ser atendido nas agências bancárias.

Apesar disso, vários clientes reclamam que o Banco “X” não
cumpre essa lei e que os consumidores esperam horas para serem atendidos.

Ademais, as agências desse Banco não possuem assentos destinados
a idosos, gestantes e pessoas com deficiência.

Por fim, outra irregularidade está no fato de que não há
banheiros nas agências para utilização pelos clientes.

Diante desse cenário, a Defensoria Pública ajuizou ação civil
pública contra o referido banco pedindo que a instituição bancária seja condenada
a:

• cumprir o tempo máximo de atendimento previsto na lei
municipal;

• cumprir as exigências estipuladas pelas normas federais
para as agências bancárias (assentos especiais para pessoas com dificuldade de
locomoção, existência de banheiros etc.); e

• pagar indenização por danos morais coletivos causados pelo
não cumprimento reiterado das referidas obrigações.

O pedido formulado pela Defensoria Pública encontra amparo na
jurisprudência do STJ?

SIM.

O
descumprimento da lei municipal que estabelece parâmetros para a adequada
prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de
configurar dano moral de natureza coletiva.

A
violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do
consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal
pertinente afronta valores essenciais da sociedade, sendo conduta grave e
intolerável, de forma que se mostra suficiente para a configuração do dano
moral coletivo.

A
instituição financeira optou por não adequar seu serviço aos padrões de
qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o
desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao
interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é
suficiente para a configuração do dano moral coletivo.

A
condenação em danos morais coletivos cumprirá sua função de sancionar o
ofensor, inibir referida prática ilícita e, ainda, de oferecer reparação indireta
à sociedade, por meio da repartição social dos lucros obtidos com a prática ilegal
com a destinação do valor da compensação ao fundo do art. 13 da Lei nº 7.347/85.

STJ. 2ª Turma. REsp 1402475/SE, Rel.
Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017.

STJ. 3ª Turma. REsp 1737412/SE, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019.

DANO MORAL COLETIVO

Dano extrapatrimonial era só individual e depois houve uma evolução

No início, os danos extrapatrimoniais relacionavam-se unicamente
com a violação de aspectos da personalidade individual.

Contudo, houve uma evolução do sistema da responsabilidade
civil e o dano extrapatrimonial passou a também ser admitido com relação a
direitos pertencentes à sociedade como um todo. Surge, então, a ideia de dano
moral coletivo.

Os danos morais coletivos surgem a partir do momento em que o
direito passa a reconhecer que existem determinados bens que são coletivos.
Logo, se há uma violação extrapatrimonial a esses bens, podemos falar, então,
em danos morais coletivos.

Assim, “na medida em que se reconhecem bens coletivos, há
também um dano dessa categoria derivado da lesão desse bem” (LORENZETTI,
Ricardo Luís. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável – Teoria Geral do Dano
Ambiental Moral, in: Revista de Direito
Ambiental
. nº 28, São Paulo: RT, p. 139-149).

O que é dano moral coletivo?

“O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma
comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva,
valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver
não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade,
pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera
extrapatrimonial de uma pessoa.” (Min. Mauro Campbell Marques).

O dano moral coletivo é o resultado de uma lesão à esfera
extrapatrimonial (moral) de determinada comunidade. Ocorre quando o agente
pratica uma conduta que agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o
ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si
considerada, provocando uma repulsa e indignação na consciência coletiva (Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva).

Categoria autônoma

O dano moral coletivo é uma espécie autônoma de dano que
está relacionada à integridade psico-física da coletividade.

Quando se fala em dano moral coletivo a análise não envolve aqueles
atributos tradicionais da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).

O dano moral coletivo tutela, portanto, uma espécie autônoma
e específica de bem jurídico extrapatrimonial, não coincidente com aquela
amparada pelos danos morais individuais.

Os danos morais coletivos não correspondem ao somatório das lesões
extrapatrimoniais singulares

Em outras palavras, dano moral coletivo não significa a soma
de uma série de danos morais individuais.

A ocorrência de inúmeros episódios de danos morais
individuais não gera, necessariamente, a constatação de que houve um dano moral
coletivo.

Toda vez que são violados direitos dos consumidores haverá dano moral
coletivo?

NÃO.

Não é qualquer atentado aos interesses
dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso (dano moral coletivo). É
necessário que esse ato ilícito seja de razoável significância e desborde os
limites da tolerabilidade. Deve ser grave o suficiente para produzir
verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na
ordem extrapatrimonial coletiva STJ. 3ª Turma. REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min.
Massami Uyeda, julgado em 02/02/2012.

Basta que haja violação à lei ou ao contrato para que se caracterize o
dano moral coletivo?

NÃO.

Não basta a mera infringência à lei ou
ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato
antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os
lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo
primordial de valores sociais.

O dano moral coletivo não pode ser
banalizado para evitar o seu desvirtuamento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1473846/SP, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/02/2017.

Reparação dos danos morais: individuais X coletivos

Danos morais INDIVIDUAIS

Danos morais COLETIVOS

O objetivo da reparação é promover o retorno do status quo, ou seja, da situação
anterior à violação do direito.

O propósito visado não é, primordialmente, o retorno à
situação anterior.

Sua finalidade precípua é a de punir o responsável pela lesão
e inibir novas práticas ofensivas.

Importante binômio: punir e inibir.

A reparação está limitada individual está limitado pela
extensão do dano (art. 944 do CC) e pelo princípio da compensação integral da
lesão, razão pela qual a vítima não deve receber quantia inferior ou superior
aos danos sofridos.

A reparação tem por objetivo redistribuir o lucro obtido pelo
ofensor de forma ilegítima, entregando parte dele à sociedade.

Não se trata, portanto, de uma reparação típica.

O valor obtido com a indenização visa a restituir de forma
direta o dano causado à vítima.

Restitui o dano causado de forma apenas indireta, considerando
que o ganho obtido com a prática do ilícito é revertida ao fundo de reconstituição
dos bens coletivos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Trinômio dos danos morais coletivos

• Punir a conduta (sancionamento exemplar ao ofensor);

• Inibir a reiteração da prática ilícita;

• Evitar o enriquecimento ilícito do agente.

TEMPO MÁXIMO DE ESPERA EM FILA E
DANO MORAL COLETIVO

Dano moral coletivo gerado pela perda injusta e intolerável do tempo do
consumidor

O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses
coletivos.

Desse modo, a proteção contra a perda do tempo útil do
consumidor deve ser realizada não apenas sob o ponto de vista individual, mas
também de forma coletiva.

Responsabilidade civil pela perda do tempo

Assim, a doutrina, há alguns anos, vem defendendo a possibilidade
de responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil. Nesse
sentido, podemos citar:

• Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor – O
Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011).

• Maurílio Casas Maia e Gustavo Borges (Dano temporal: o
tempo como valor jurídico. Florianópolis: Empório do Direito, 2018).

• Pablo Stolze (Responsabilidade civil pela perda do tempo.
Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013.
Disponível em: );

• Vitor Vilela Guglinski (Danos morais pela perda do tempo
útil: uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio
2012. Disponível em: .

A perda do tempo útil do consumidor decorre principalmente
pelo fato de os fornecedores estarem, de forma voluntária e reiterada,
descumprindo as regras legais com o intuito de otimizar o lucro em prejuízo da
qualidade do serviço.

Assim, por exemplo, os bancos contratam poucos funcionários
para trabalhem nas agências físicas com o objetivo de otimizar o lucro. Ocorre
que isso gera uma enorme queda na eficiência dos serviços, fazendo com que o
consumidor demore muito tempo para ser atendido.

Essa conduta dos fornecedores de serviço ofende os deveres
anexos ao princípio boa-fé.

Teoria do desvio produtivo do consumidor

No voto e na ementa do REsp 1737412/SE, a Min. Nancy
Andrighi mencionou a “Teoria do desvio produtivo do consumidor”. O que vem a
ser isso?

Trata-se de uma teoria desenvolvida por Marcos Dessaune,
autor do livro Desvio Produtivo do
Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado
. São Paulo: RT, 2011).

Segundo o autor,

“o desvio produtivo
caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento,
precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma
atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema
criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza
irrecuperável”.

Logo, o consumidor deverá ser indenizado por este tempo
perdido.

Por que o STJ tem sido mais “rigoroso” para condenar em caso de danos
morais individuais do que na hipótese de danos morais coletivos?

Sob o prisma individual, o STJ adota o entendimento de que
“a mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera
em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização”, sendo,
para tanto, necessária a prova de alguma “intercorrência que pudesse abalar a
honra do autor ou causar-lhe situação de dor, sofrimento ou humilhação” (AgRg
no AREsp 357.188/MG, Quarta Turma, DJe 09/05/2018).

Já no caso de dano moral coletivo, não é necessária a
demonstração efetiva dessa “intercorrência”.

Isso se dá porque, conforme já explicado, a indenização, no
caso de danos morais individuais, baseia-se na previsão do art. 944 do CC, no
princípio da reparação integral do dano e na vedação ao enriquecimento ilícito
do consumidor. Assim, exige-se efetivamente a prova de uma situação efetivamente
danosa.

No fundo, o que se percebe é uma preocupação do STJ com a
proliferação de ações individuais de reparação nestes casos que poderiam gerar
o fenômeno conhecido como “indústria” do dano moral.

Artigo Original em Dizer o Direito

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