Um dos temas mais discutidos no direito
penal nos últimos anos foi sobre o regime de cumprimento de pena para os condenados
por tráfico de drogas.

Finalmente, no dia de ontem
(27/06/2012), o STF pacificou o entendimento sobre isso.
Vamos explicar o que decidiu a Corte
Suprema, fazendo antes uma breve revisão sobre o assunto:
O
que são crimes hediondos?
São crimes que o legislador considerou
especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e
processual penal mais gravoso que os demais delitos.
A CF/88 menciona que os crimes
hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, não definindo,
contudo, quais são os delitos hediondos.
Art. 5º (…)
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos
, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Quais
são os crimes hediondos no Brasil?
O Brasil adotou o sistema
legal
de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem
define, de forma exaustiva (taxativa, numerus
clausus
), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a de n.° 8.072/90, conhecida como Lei dos crimes hediondos.
A
Lei n.
°
8.072/90 prevê, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos:
São considerados
hediondos os seguintes crimes (consumados ou tentados):
I – homicídio
(art. 121 do CP), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º,
I, II, III, IV e V);
II – latrocínio
(roubo seguido de morte) (art. 157, § 3º, in
fine
);
III – extorsão
qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV – extorsão
mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V – estupro (art.
213, caput e §§ 1º e 2º);
VI – estupro de
vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);
VII – epidemia com
resultado morte (art. 267, § 1º).
VIII –
falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B).
IX – Genocídio
(arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.
° 2.889/56).
O
tráfico de drogas é crime hediondo?
NÃO. O tráfico de drogas, a tortura e o
terrorismo não são crimes hediondos. Estes três delitos (TTT) são equiparados
(assemelhados) pela CF/88 a crimes hediondos. Em outras palavras, não são
crimes hediondos, mas devem receber o mesmo tratamento penal e processual penal
mais rigoroso que é reservado aos delitos hediondos.
A Lei n.° 8.072/90, em sua redação original, determinava
que os condenados por crimes hediondos ou equiparados (TTT) deveriam cumprir a
pena em regime integralmente
fechado:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática
da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo
são insuscetíveis de: (…)
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida integralmente
em regime fechado.
Em
23/02/2006, o STF
declarou inconstitucional este § 1º do art. 2º por duas razões principais, além
de outros argumentos:
a) A norma violava o princípio
constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), já que obrigava
o juiz a sempre
condenar o réu ao regime integralmente fechado independentemente do caso
concreto e das circunstâncias pessoais do réu;
b) A norma proibia a progressão de
regime de cumprimento de pena, o que inviabiliza a ressocialização do preso.
A ementa do julgado ficou assim
redigida:
PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO –
PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER.
A progressão no regime de cumprimento
da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a
ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio
social.
PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE
CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 –
INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
Conflita com a garantia da
individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a
imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente
fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em
evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º,
da Lei nº 8.072/90.
(HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006)
Diante
dessa decisão, o Congresso Nacional editou a Lei n.
° 11.464/2007 modificando o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90:
Redação
original
Redação
dada pela Lei 11.464/2007
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida INTEGRALMENTE
em regime fechado.
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida INICIALMENTE
em regime fechado.
Para
os crimes anteriores à Lei n.
° 11.464/2007, como o antigo § 1º era inconstitucional, as
regras são as seguintes:
* É possível a
progressão de regime cumprido 1/6 da pena (art. 112 da LEP) (Súm. 471-STJ);
* Não existe regime inicial
obrigatório. O regime inicial é fixado segundo as normas do art. 33, § 2º do
CP.
Para
os crimes posteriores à Lei n.
° 11.464/2007, as regras da Lei são as seguintes:
* A nova redação do § 1º passou a
permitir a progressão de regime para crimes hediondos, conforme os requisitos
previstos no § 2º do art. 2º (2/5 se primário e 3/5 se reincidente);
* A nova redação do § 1º continuou a
impor ao juiz que sempre fixe o regime inicial fechado aos condenados por
crimes hediondos e equiparados.
Segundo
entendeu o STF, essa nova redação dada pela Lei n.
° 11.464/2007 somente é válida para os crimes praticados após
a sua vigência (29.03.2007).
Assim, a Lei n.° 11.464/2007 é irretroativa,
considerando que, segundo o STF, trata-se de lei posterior mais grave. Isso
porque depois da decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação
de progressão para crimes hediondos (prevista na redação original do § 1º), os
condenados por crime hediondos e equiparados passaram a poder progredir com o requisito
de 1/6 (regra geral), mais favorável que o critério da Lei n.º 11.464/07 (RHC 91300/DF, rel.
Min. Ellen Gracie, 5.3.2009).
Recapitulando:
  • § 1º (em sua redação original): proibia
    a progressão para crimes hediondos.
  • STF (em 23/02/2006): decidiu
    que essa redação original do § 1º era inconstitucional (não se podia proibir a
    progressão).
  • Como o STF afirmou que o § 1º era
    inconstitucional
    : as pessoas condenadas por crimes hediondos ou equiparados
    passaram a progredir com os mesmos requisitos dos demais crimes não hediondos
    (1/6, de acordo com o art. 112 da LEP).
  • Lei n.°
    11.464/2006
    :
    modificou o § 1º prevendo que a progressão para crimes hediondos e equiparados
    passaria a ser mais difícil que em relação aos demais crimes (2/5 para
    primários e 3/5 para reincidentes).
  • Logo, a Lei n.°
    11.464/2006 foi mais gravosa
    para aqueles que cometeram crimes antes da sua vigência (e
    que podiam progredir com 1/6). Por tal razão, ela é irretroativa.
As
perguntas que o STF respondeu ontem foram as seguintes:
O novo § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, continua sendo inconstitucional?
Os vícios de inconstitucionalidade que existiam na redação
original permanecem?
Esse dispositivo, em sua nova redação, continua violando o
princípio constitucional da individualização da pena?
A resposta a essas perguntas é SIM.
O Plenário do STF, no dia de ontem (27/06/2012) decidiu que o
§ 1º do art. 2º da Lei n.
°
8.072/90, com a redação dada pela Lei n.
° 11.464/2007, ao impor o regime inicial fechado, é INCONSTITUCIONAL.
A decisão foi tomada no julgamento do
Habeas Corpus 111.840/ES, afetado ao Plenário, tendo como relator o Min. Dias
Toffoli.
Como votaram os Ministros:
O § 1º do
art. 2º, da Lei n.° 8.072
é inconstitucional?
SIM
NÃO
Dias Toffoli
Rosa Weber
Cármen Lúcia
Ricardo Lewandowski
Cezar Peluso
Gilmar Mendes
Celso de Mello
Ayres Britto
Luiz Fux
Marco Aurélio
Joaquim Barbosa
Vejamos os principais argumentos
utilizados para se chegar a essa conclusão:
  • A CF prevê o princípio da
    individualização da pena (art. 5º, XLVI). Esse princípio também deve ser observado
    no momento da fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Assim, a
    fixação do regime prisional também deve ser individualizada (ou seja, de acordo
    com o caso concreto), ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 
  • A CF prevê, no seu art. 5º, XLIII, as
    vedações que ela quis impor aos crimes hediondos e equiparados (são inafiançáveis
    e insuscetíveis de graça ou anistia). Nesse inciso não consta que o regime
    inicial para esses crimes tenha que ser o fechado. Logo, não poderia o
    legislador estabelecer essa imposição de regime inicial fechado por violar o princípio
    da individualização da pena.
  • Desse modo, deve ser superado o
    disposto na Lei dos Crimes Hediondos (obrigatoriedade de início do cumprimento de
    pena no regime fechado) para aqueles que preencham todos os demais requisitos
    previstos no art. 33, §§ 2º, e 3º, do CP, admitindo-se o início do cumprimento
    de pena em regime diverso do fechado.
  • O juiz, no momento de fixação do regime
    inicial, deve observar as regras do art. 33 do Código Penal, podendo estabelecer
    regime prisional mais severo se as condições subjetivas forem desfavoráveis ao
    condenado, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados,
    aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade
    do indivíduo.
A partir dessa decisão do STF, a
pergunta que surge é a seguinte:
Qual é o
regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado por crime
hediondo ou equiparado (ex: tráfico de drogas)?
O regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou
equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado,
podendo ser o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do
art. 33, § 2º, alíneas b e c, do Código Penal.
Assim, será possível, por exemplo, que o juiz condene o réu
por tráfico de drogas a uma pena de 6 anos de reclusão e fixe o regime inicial
semiaberto.
Duas observações finais:
A declaração de
inconstitucionalidade foi feita incidentalmente, ou seja, em sede de controle
difuso no julgamento de um habeas corpus. Desse modo, em tese, essa declaração de
inconstitucionalidade não possui eficácia erga omnes nem efeitos vinculantes
(salvo para os adeptos da “abstrativização do controle difuso”). No entanto, é certo
que todos os demais juízos vão ter que se curvar ao entendimento do Supremo
Tribunal Federal.

O habeas corpus julgado foi
impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo. Desse modo, esse
é um tema que certamente será cobrado nas provas de Defensor Público.

Artigo Original em Dizer o Direito

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