O crédito fiscal tributário
não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial

A Fazenda Pública não é obrigada a habilitar seus créditos
fiscais no processo falimentar ou de recuperação judicial. O art. 187 do CTN
afirma expressamente que o crédito tributário não é sujeito a concurso de
credores:

Art. 187. A cobrança judicial do
crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em
falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

 

O STJ entende, contudo, que esse
dispositivo não proíbe que a Fazenda Pública faça a habilitação dos créditos
tributários na falência. O art. 187 do CTN garante ao ente público a
prerrogativa de escolher entre receber o pagamento de seu crédito pelo rito da
execução fiscal ou mediante habilitação nos autos da falência.

Assim, muito embora o
processamento e o julgamento das execuções fiscais não se submetam ao juízo
universal da falência, compete à Fazenda Pública optar por ingressar com a
cobrança judicial ou requerer a habilitação de seu crédito na ação falimentar.

A Lei nº 14.112/2020, alterando a Lei nº 11.101/2005, criou,
inclusive, um incidente de classificação de crédito público para que a Fazenda
Pública informe ao juízo da falência a relação completa de seus créditos inscritos
em dívida ativa:

Art. 7º-A. Na falência, após
realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto,
respectivamente, no inciso XIII do caput e no § 1º do art. 99 desta Lei, o juiz
instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de
classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para
que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador
judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de
seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da
classificação e das informações sobre a situação atual. (Incluído pela Lei nº
14.112/2020)

(…)

 

E o crédito fiscal não
tributário
, segue a mesma regra? O crédito fiscal não tributário se
submete, ou não, aos efeitos do plano de recuperação judicial? Ex: a ANVISA aplicou
multa administrativa contra a ML Operações Logísticas Ltda; posteriormente, foi
deferida a recuperação judicial da empresa; esse crédito terá que,
obrigatoriamente, ser cobrado na recuperação judicial?

NÃO.

O crédito fiscal não tributário não se submete aos
efeitos do plano de recuperação judicial

STJ. 3ª
Turma. REsp 1.931.633-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info
703).

 

Como vimos acima, o art. 187,
caput, do Código Tributário Nacional exclui os créditos de natureza tributária
dos efeitos da recuperação judicial do devedor. Esse dispositivo, contudo, nada
fala sobre os créditos de natureza não tributária.

A despeito disso, os créditos de
natureza não tributária não se submetem aos efeitos do plano de recuperação
judicial, por força do art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005.

Explicando melhor.

O art. 6º, II, da Lei nº 11.101/2005 afirma que, em regra,
todas as execuções ajuizadas contra o devedor deverão ficar suspensas:

Art. 6º A decretação da falência ou o
deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I – suspensão do curso da prescrição
das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;

II – suspensão das execuções
ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do
sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação
judicial ou à falência;

III – proibição de qualquer forma de
retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial
ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou
extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial
ou à falência.

 

O § 7º-B do art. 6º, contudo, prevê uma exceção. Esse
dispositivo prevê que essa suspensão não se aplica às execuções fiscais:

Art. 6º (…)

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e
III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida,
todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição
dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à
manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial,
a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art.
69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil),
observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº
14.112/2020)

 

Logo, as execuções fiscais não ficam
sobrestadas mesmo que tenha havido o deferimento de recuperação judicial.

 

Entendi até aqui… as
execuções fiscais não são suspensas… no entanto, estamos falando de um crédito
não tributário…

É neste ponto que reside um erro
comum de muitos: considerar que a execução fiscal cobra apenas créditos fiscais
(créditos tributários). Isso não é verdade.

Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda
Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e
fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários)
inscritos em dívida ativa, conforme se observa pelo art. 1º c/c art. 2º da Lei
nº 6.830/80:

Art. 1º A execução judicial para
cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente,
pelo Código de Processo Civil.

 

Art. 2º Constitui Dívida Ativa da
Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº
4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui
normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º Qualquer valor, cuja cobrança
seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado
Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º A Dívida Ativa da Fazenda
Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização
monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou
contrato.

(…)

 

Assim, o art. 6º, § 7º-B da Lei
nº 11.101/2005, ao se referir a “execuções fiscais”, está tratando do
instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos
titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua
natureza, podendo ser créditos tributários ou não tributários.

Desse modo, se, por um lado, o
art. 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao
processo de soerguimento – silenciando quanto àqueles de natureza não
tributária -, por outro lado verifica-se que a Lei nº 11.101/2005 não
estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao
ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de
soerguimento.

Como reforço de argumentação,
veja que a Lei nº 10.522/2002 – que trata do parcelamento especial previsto no
art. 68, caput, da LFRE – prevê, em seu art. 10-A, que tanto os créditos de
natureza tributária quanto não tributária poderão ser liquidados de acordo com
uma das modalidades ali estabelecidas, de modo que admitir a submissão destes
ao plano de soerguimento equivaleria a chancelar a possibilidade de eventual
cobrança em duplicidade.

Outro ponto muito importante está no fato de que o art. 29
da Lei nº 6.830/80 afirma, de forma ampla, que a cobrança judicial da dívida
ativa da Fazenda Pública não está sujeita a habilitação em concordata (atual
recuperação judicial):

Art. 29. A cobrança judicial da Dívida
Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em
falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

 

A dívida ativa, como já vimos,
abrange tanto débitos tributários como não tributários.

Assim, em que pese a dicção
aparentemente restritiva da norma do caput do art. 187 do CTN, a interpretação
conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda
Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da
própria Lei nº 11.101/2005 e da Lei nº 10.522/2002, autorizam a conclusão de
que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a
natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante.

 

 

 

 

Artigo Original em Dizer o Direito

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