Imagine a seguinte situação
hipotética:

João ingressou com execução
contra Luciana.

No bojo da ação, foram penhorados
R$ 100 mil que estavam na conta-corrente de Luciana.

Pedro, marido de Luciana,
apresentou, então, embargos de terceiro afirmando que o dinheiro foi penhorado
em uma conta bancária conjunta solidária que ele mantém com a esposa. Alegou,
ainda, que, apesar de a mencionada conta ser conjunta, os valores penhorados
pertenciam exclusivamente a ele.

Diante disso, pediu a liberação
de toda a quantia.

Vale ressaltar que Pedro não
apresentou nenhum documento comprovando que o dinheiro pertencia realmente a ele.

 

O que o juiz deverá decidir nesse
caso? O pedido de Pedro poderá ser atendido?

Em parte.

 

Espécies de conta-bancária

Há duas espécies de
conta-corrente bancária:

1) individual (ou unipessoal):
possui um único titular.

2) coletiva (ou conjunta): possui
dois ou mais titulares.

 

A conta-corrente bancária
coletiva ou conjunta, por sua vez, pode ser:

2.a) não solidária (também
chamada de fracionária ou conta “E”): é aquela que é movimentada por intermédio
de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Ex: conta
aberta em nome de todos os herdeiros, para administrar os bens do falecido
antes da partilha.

2.b) solidária (também chamada de
conta “E/OU”): cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos
disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco.

 

O que significa essa palavra
“solidária”?

Quando se fala em conta-corrente
conjunta solidária, isso quer dizer que existe uma relação obrigacional
solidária dos correntistas com o banco. Assim, os correntistas são credores
solidários do banco quando há saldo, ou seja, cada um dos dois pode exigir o
dinheiro todo da instituição financeira. Ao mesmo tempo, os correntistas também
são devedores solidários do banco caso exista alguma tarifa ou outra despesa
relacionada com a conta.

Nas exatas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“Em se
tratando de ‘conta conjunta solidária’ — hipótese dos autos —, sobressai a
solidariedade ativa e passiva na relação jurídica estabelecida entre os
cotitulares e a instituição financeira mantenedora, o que decorre diretamente
das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a
regra estabelecida no artigo 265 do Código Civil, in verbis:

Art. 265. A
solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”

 

Vale ressaltar, no entanto, que
essa solidariedade não existe em relação a terceiros. Assim, por exemplo, se um
dos correntistas emite um cheque sem fundos, o outro correntista da conta não
tem qualquer responsabilidade perante o beneficiário do cheque. Ele não é devedor
solidário juntamente com o emitente do cheque.

 

Voltando ao nosso exemplo: é
possível a penhora de valores que estejam em uma conta bancária conjunta mesmo
que a dívida seja apenas de um dos correntistas?

SIM. A penhora de valores
contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. No
entanto, a constrição não pode se dar em proporção maior que o numerário
pertencente ao devedor da obrigação, devendo ser preservado o saldo dos demais
cotitulares. Em outras palavras, deve ser penhorado apenas o dinheiro que
pertence ao executado.

Em nosso exemplo, eram dois
titulares da conta. Logo, presume-se que 50% do dinheiro pertencia a Luciana e
os outros 50% pertenciam a Pedro.

 

Cotitular que não era devedor
pode comprovar que o dinheiro era exclusivamente dele

Quando se penhora o valor
constante em conta bancária conjunta solidária, deve-se permitir que o
cotitular prove que a quantia penhorada pertence a ele. Logo, em nosso exemplo,
Pedro (o marido) poderia ter provado que o dinheiro penhorado pertencia
inteiramente a ele. Nesse caso, a verba seria integralmente liberada.

Da mesma forma, Pedro poderia
comprovar que o dinheiro não pertencia inteiramente a ele, mas sim 60% ou 70% etc.
Neste caso, seria afastada a presunção de 50% e seria liberado o percentual que
ele conseguiu provar.

 

Exequente pode comprovar
que o dinheiro era exclusivamente da parte executada

De igual modo, o exequente também
deve ter a oportunidade de comprovar que a quantia penhorada pertencia
unicamente à parte executada. Neste caso, todo o dinheiro penhorado será
utilizado para pagamento da dívida.

A parte exequente também poderá comprovar
que a parte executada não era dona da integralidade do valor, mas que tinha a
propriedade de 60%, 70%, 80% do valor depositado. Neste caso, seria afastada a
presunção de 50% e seria permitida a expropriação do percentual que o exequente
conseguiu provar.

 

Se nem o cotitular nem o exequente
conseguirem fazer essa prova acima explicada, o que acontecerá?

Neste caso, deve-se presumir que
a quantia existente na conta bancária era dividida igualmente entre os cotitulares.

Se Pedro não conseguiu provar que
o dinheiro era todo dele, deve-se considerar que dos R$ 100 mil, R$ 50 mil eram
seus e a outra metade era de Luciana.

Se João não conseguiu provar que
o dinheiro era inteiramente de Luciana, o juiz deverá manter penhorados R$ 50
mil e desbloquear os R$ 50 mil que, presumidamente, são de Pedro.

 

A questão pode ser,
portanto, assim resumida:

1) Para fins de execução, em regra,
considera-se que os valores existentes na conta corrente conjunta solidária são
divididos, em partes iguais, entre os cotitulares. Assim, se são dois titulares
da conta, presume-se que 50% pertencem a um e 50% pertencem ao outro. Se são
quatro titulares, presume-se que cada um deles é proprietário de 25% do dinheiro
ali depositado.

2) Essa presunção é relativa. A
parte exequente pode comprovar que o executado (que é um dos cotitulares) tem
um percentual maior e assim conseguir uma penhora em percentual superior à
presunção. De igual modo, o cotitular que não é executado pode provar que ele é
proprietário de um percentual superior ao da mera divisão das cotas.

3) Esse presunção também pode ser
afastada se houver algum dispositivo de lei ou contrato dizendo que, naquele
caso, os cotitulares são devedores solidários.

4) Se o exequente for o banco no
qual os valores estão depositados, será possível a penhora da integralidade dos
valores. Isso porque todos os cotitulares da conta são considerados devedores
solidários em relação ao banco por força do contrato de conta-corrente.

 

O STJ fixou as seguintes
teses sobre o tema:

A) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais
do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente
previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas
pelo pagamento de dívida imputada a um deles.

B) Não será possível a penhora da integralidade do
saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por
pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora,
sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os
valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção
relativa de rateio.

STJ. Corte
Especial. REsp 1.610.844-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
15/06/2022 (Tema IAC 12) (Info 741).

 

Esse entendimento acima
explicado vale mesmo para o caso de execuções fiscais?

SIM. O STJ, anteriormente, fazia
distinção quando se tratava de execuções fiscais. Esse entendimento, contudo, foi
superado.

Atualmente, tanto em caso de execuções
de créditos “comuns” quanto de execuções fiscais, devem ser aplicadas as teses
acima fixadas.

Artigo Original em Dizer o Direito

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