Imagine a seguinte situação adaptada:

Dois brasileiros estavam fazendo
pesca esportiva no Uruguai quando foram abordados, presos e torturados por
policiais uruguaios.

Após serem libertados, voltaram
ao Brasil e noticiaram o caso às autoridades brasileiras.

Pode ser aplicada a lei
brasileira na presente situação?

A Justiça brasileira será
competente para apurar o crime?

Trata-se de hipótese de
extraterritorialidade condicionada ou incondicionada?

Qual é o fundamento legal no Código
Penal?

SIM.

A lei penal brasileira pode ser
aplicada ao caso.

Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada.

O fundamento legal não está no Código
Penal, mas sim no art. 2º da Lei n.°
9.455⁄97 (Lei de Tortura), que é uma previsão específica. Veja o que diz o
dispositivo:

Art. 2º O disposto nesta
Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território
nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob
jurisdição brasileira.

Extraterritorialidade

Extraterritorialidade significa a
aplicação da lei brasileira a fatos que ocorreram fora do território nacional,
ou seja, no exterior. Daí vem o nome extraterritorialidade (extra = fora).

• Em alguns casos, a lei diz que,
se determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser
aplicada sem exigir nenhuma outra condição. A isso chamamos de
extraterritorialidade incondicionada. Ex: art. 7º, I,
do CP.

• Em outros casos, a lei diz que,
determinado tipo de crime acontecer no exterior, a lei brasileira irá ser
aplicada, exigindo-se, no entanto, o cumprimento de certas condições. É o que
se denomina de extraterritorialidade condicionada. Ex: art. 7º, II, do CP.

Normalmente quando se fala extraterritorialidade
lembra-se apenas do art. 7º do CP. No entanto, como vimos acima, a Lei de
Tortura traz importantíssima previsão de extraterritorialidade.

Extraterritorialidade na Lei de
Tortura

O art. 2º da Lei de Tortura traz
duas hipóteses de extraterritorialidade:

1ª hipótese: Se o crime de tortura
tiver sido cometido contra a vítima brasileira.

Trata-se de hipótese de extraterritorialidade
incondicionada.

Sendo a vítima brasileira, pode
ser aplicada a lei brasileira ao caso.

2ª hipótese: Se o agente que
praticou a tortura estiver em local sob jurisdição brasileira.

Aqui há uma polêmica:

Para alguns, trata-se de extraterritorialidade
incondicionada. É o caso de Nucci e Habib.

Para outros, consiste em
extraterritorialidade condicionada. É a posição de Marcelo Azeredo:

“Entendemos que se trata de
extraterritorialidade condicionada. A condição não está prevista na lei
especial nem no Código Penal, mas em duas convenções sobre a tortura: Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
(art. 12) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (art. 5º).
Os dispositivos citados condicionam que a lei será aplicada caso não haja
extradição. Ou seja, se for caso de extradição, não incidirá a lei do país em
que o agente se encontrar.” (AZEREDO, Marcelo André. Direito Penal. Parte Geral. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 122).

Voltando ao nosso exemplo. Como as
vítimas eram brasileiras, trata-se de hipótese de extraterritorialidade
incondicionada. Logo, a Justiça brasileira poderá apurar o fato. De quem será a
competência para julgar o crime: Justiça Estadual ou Federal?

Justiça ESTADUAL.

O fato de o crime de tortura,
praticado contra brasileiros, ter ocorrido no exterior não torna, por si só, a
Justiça Federal competente para processar e julgar os agentes estrangeiros.

O crime de tortura praticado em
território estrangeiro contra brasileiros não se subsume, em regra, a nenhuma
das hipóteses de competência da Justiça Federal previstas nos incisos IV, V e
V-A do art. 109 da CF/88:

Art. 109. Aos juízes
federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e
as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral;

V – os crimes previstos em
tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o
resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A as causas relativas a
direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

Não se enquadra no inciso IV considerando
que não se tem dano direto a bens ou serviços da União, suas entidades
autárquicas ou empresas públicas.

Não
é caso do inciso V porque, apesar de a tortura ser um crime previsto em
tratados internacionais, na situação em tela, o delito foi integralmente
praticado em território estrangeiro. Não se trata de crime à distância.

Por fim, o deslocamento de
competência para a jurisdição federal de crimes com violação a direitos humanos
exige provocação e hipóteses extremadas e taxativas, nos termos do art. 109,
V-A e § 5º.

Logo, a competência é da Justiça Estadual.

Uma última pergunta: qual é a
competência territorial da Justiça Estadual no caso? Em outras palavras, qual
comarca será competente para julgar o crime?

Justiça do Distrito Federal (Vara
Criminal de Brasília), nos termos do art. 88 do CPP:

Art. 88.  No processo por crimes praticados fora do
território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver
por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será
competente o juízo da Capital da República.

Artigo Original em Dizer o Direito

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