A Lei n.° 8.072/90 prevê que o regime inicial no
caso de condenações por crimes hediondos e equiparados deve ser,
obrigatoriamente, o fechado. Vejamos:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática
da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo
são insuscetíveis de: (…)

§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.


(redação dada pela Lei n.° 11.464/2007)


Tem ganhado cada dia mais força a tese
de que este § 1º do art. 2º é inconstitucional, assim como o era em sua redação
original, por violar o princípio constitucional da individualização da pena (art.
5º, XLVI, CF). Para entender melhor o assunto, vide o post que publicamosespecificamente sobre o tema.

Esta questão chegou até o STF. O que decidiu a Corte?

O Informativo 663
noticiou duas decisões antagônicas da 1ª e 2ª Turmas do STF sobre o regime
inicial no caso de condenações por tráfico de drogas. Comparemos:


Turma do STF:

Entendeu
que, enquanto não houver pronunciamento definitivo por parte do Pleno do STF
sobre a constitucionalidade, ou não, deste art. 2º, § 1º, deve-se aplicar,
obrigatoriamente, o regime inicial fechado, tal qual previsto na Lei.

A
ausência de pronunciamento definitivo por parte do Pleno do Supremo Tribunal
Federal sobre a constitucionalidade, ou não, do início de cumprimento da pena
em regime fechado no crime de tráfico de drogas praticado na vigência da Lei
11.464/2007 não permite fixação de regime inicial diverso. (…)

HC
111510/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 24.4.2012.

2ª Turma
do STF

Afirmou
que o art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90 pode ser afastado se o condenado preencher
os requisitos do Código Penal para ser condenado a regime diverso do fechado.
Assim, de acordo com o que foi decidido, o regime inicial nas condenações por
tráfico de drogas não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser o
regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, §
2º, alíneas b e c, do Código Penal.

No crime
de tráfico de entorpecente, a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, bem assim a fixação de regime aberto são cabíveis. Essa
a orientação da 2ª Turma ao conceder dois habeas corpus para determinar que
seja examinada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos.

No HC
111844/SP, após a superação do óbice contido no Enunciado 691 da Súmula do STF,
concedeu-se, em parte, de ofício, a ordem, ao fundamento de que, caso o paciente
não preenchesse os requisitos necessários para a referida substituição,
dever-se-ia analisar o seu ingresso em regime de cumprimento menos gravoso.

No HC
112195/SP, reputou-se que o condenado demonstrara atender as exigências do art.
33, § 2º, c, do CP e, portanto, teria direito ao regime aberto.

HC
111844/SP, rel. Min. Celso de Mello, 24.4.2012.

HC
112195/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.4.2012.

Vale ressaltar que tal questão foi
afetada ao Plenário do STF no HC 101284/MG, que deve decidir, em breve, de
forma definitiva, acerca da constitucionalidade ou não do § 1º do art. 2º, da
Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007.

No entanto, a 2ª Turma do STF já vem
decidindo pelo afastamento do § 1º do art. 2º há algum tempo, conforme se
observa no seguinte julgado noticiado no Informativo 615:

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento
de pena

A 2ª Turma concedeu habeas corpus para
determinar ao juízo da execução que proceda ao exame da possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou, no
caso de o paciente não preencher os requisitos, que modifique o regime de
cumprimento da pena para o aberto.


(…)


Em seguida, considerou-se que deveria
ser superado o disposto na Lei dos Crimes Hediondos quanto à obrigatoriedade do
início de cumprimento de pena no regime fechado, porquanto o paciente
preencheria os requisitos previstos no art. 33, § 2º, c, do CP. Aduziu-se, para
tanto, que a decisão formalizada pelo magistrado de primeiro grau: 1) assentara
a não reincidência do condenado e a ausência de circunstâncias a ele
desfavoráveis; 2) reconhecera a sua primariedade; e 3) aplicara reprimenda
inferior a 4 anos. (…)


STF. Segunda Turma. HC 105779/SP, rel.
Min. Gilmar Mendes, 8.2.2011

A pergunta que surge é a seguinte:

Ao
afastar a aplicação do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90 (com redação dada pela
Lei 11.464/2007), a 2ª Turma do STF violou a cláusula de reserva de plenário,
prevista no art. 97 da Constituição Federal, considerando que a decisão não foi
tomada pelo Plenário, mas sim por um órgão fracionário da Corte?

Com efeito, dispõe o art. 97 da CF/88:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria
absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público.

Cumpre destacar que a decisão que afasta
a incidência de um dispositivo legal (no caso o § 1º do art. 2º, da Lei
8.072/90) por reputá-lo incompatível com um princípio constitucional deve obedecer
à reserva de plenário, conforme restou consagrado na Súmula Vinculante 10 do
próprio STF:

Súmula Vinculante 10-STF: Viola a
cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de
tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.

Esta exigência da cláusula de reserva
de plenário tem como objetivo conferir maior segurança jurídica para as
decisões dos Tribunais, evitando que, dentro de um mesmo Tribunal, haja
posições divergentes acerca da constitucionalidade um dispositivo, gerando
instabilidade e incerteza.

Existem duas mitigações à cláusula de
reserva de plenário, ou seja, duas hipóteses em que o órgão fracionário poderá
decretar a inconstitucionalidade sem necessidade de remessa dos autos ao
Plenário (ou órgão especial):

a) quando o Plenário (ou órgão
especial) do Tribunal que estiver decidindo já tiver se manifestado pela
inconstitucionalidade da norma;

b) quando o Plenário do STF já tiver
decidido que a norma em análise é inconstitucional.

Contudo, o Plenário do STF ainda não
decidiu sobre a constitucionalidade do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, com a
redação dada pela Lei 11.464/2007, razão pela qual não se pode afirmar que no
presente caso não seria necessária a observância da regra do art. 97 da CF.

A
cláusula de reserva de plenário é aplicada ao próprio STF? 
O art. 97 da CF
destina-se também ao STF?

Se você consultar a quase totalidade
dos livros de Direito Constitucional, eles irão afirmar que sim. Pensamos,
inclusive, que este posicionamento é correto, considerando que a função
precípua do STF é a de garantir a supremacia da Constituição e a segurança jurídica,
evitando decisões conflitantes de suas Turmas sobre a validade de dispositivos
constitucionais (como no caso concreto), o que ocasiona enorme instabilidade,
além de tratamento desigual para pessoas em situações iguais.

No entanto, deve-se alertar que existe
um precedente da 2ª Turma do STF no qual a Min. Ellen Gracie afirma
expressamente que a cláusula da reserva de plenário não se aplica ao STF:

(…) 4. O STF exerce, por excelência,
o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso
extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental
para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da Constituição Federal. (…)


(RE 361829 ED, Relatora Min. Ellen
Gracie, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010)


A
2ª Turma invocou este precedente nas decisões em que afastou o regime inicial
fechado ao tráfico de drogas?

Ainda não foi disponibilizado o inteiro
teor dos votos dos Ministros nos processos HC 111844/SP e HC 112195/SP
(noticiados no Informativo 663 do STF). Contudo, se analisarmos o voto do Min.
Gilmar Mendes no leading case HC
105779/SP, julgado em 8.2.2011, percebe-se que o eminente Ministro não menciona
esta questão da cláusula de reserva de plenário.

Diante desse quadro, das duas uma: ou
realmente o art. 97 não se aplica ao STF, ou então acreditamos que houve
violação à cláusula de reserva de plenário.

Obs1: agradecemos o e-mail do amigo Arthur Oliveira questionando a
respeito do tema, o que nos fez refletir sobre o assunto.

Obs2: o excelente livro do Prof. Marcelo Novelino (Direito
Constitucional. 6ª ed. Editora Método, 2012, p. 269) foi o único que
encontramos mencionando o precedente da 2ª Turma (RE 361829) que defende não
ser aplicável a cláusula de reserva de Plenário ao próprio STF.

Artigo Original em Dizer o Direito

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