Prisão em sala de Estado-Maior

A legislação prevê que os
advogados e os integrantes de determinadas carreiras, se forem presos antes do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, possuem o direito de ficar
recolhidos não em uma cela com grades, mas sim em uma sala de Estado-Maior.
Veja a redação do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):

Art. 7º São direitos do advogado:

V — não ser recolhido preso, antes de
sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com
instalações e comodidades condignas
, assim reconhecidas pela OAB,
e, na sua falta, em prisão domiciliar;

Obs.1: a expressão riscada “assim
reconhecidas pela OAB” foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da
ADI n.°1.127/DF. Desse modo, não
é a OAB quem tem o poder de definir se o local onde foi preso o advogado é ou
não compatível com a definição de sala de Estado-Maior. Tal análise é feita
pelo juiz/Tribunal que determinou a prisão.

Obs.2: esse direito só é
garantido em caso de prisão provisória. Quando houver o trânsito em julgado da
condenação, o cumprimento da pena deverá ocorrer em uma unidade prisional
comum, como as demais pessoas.

Veja as
carreiras que possuem a garantia de prisão em sala de Estado-Maior:

Magistrados

LC 35/79

Membros do MP

Lei 8.625/93

Membros da Defensoria

LC 80/94

Advogados públicos federais

13.327/2016

Advogados

Lei 8.906/94

Em que consiste sala de
Estado-Maior?

Segundo já explicou o ex-Ministro
Nelson Jobim, a palavra “Estado-Maior” representa o grupo de Oficiais que
assessora o Comandante das Forças Armadas, do Corpo de Bombeiros ou da Polícia
Militar. Logo, sala de Estado-Maior é o compartimento localizado na unidade
militar que é utilizado por eles para o exercício de suas funções (Voto no HC
81632/SP, DJU em 21/3/2003).

Essa mesma
conclusão acima exposta é comungada pelo Ministério da Defesa, que afirma que
não existe uma definição exata do que seja sala de Estado-Maior. Contudo,
“aglutinando os costumes da lide castrense e alicerçado na definição de
Estado-Maior, ou seja ‘Estado-Maior — Órgão composto de pessoal militar
qualificado, que tem por finalidade assessorar o comandante no exercício do
comando’ — glossário das Forças Armadas MD35-G-01 (4ª Edição/2007), pode-se
dizer que ‘sala de Estado-Maior’ é um compartimento de qualquer unidade militar
que possa ser utilizado pelo Estado-Maior para exercer suas funções”.

Problema: inexistência de sala de
Estado-Maior em diversas localidades

A prática constata que a grande maioria
dos Municípios brasileiros não possui salas de Estado-Maior, considerando que
são poucas as localidades onde existem comandos de unidade militar das Forças
Armadas.

Além disso, nas unidades onde ela
existe, normalmente só há uma sala desse tipo, sendo utilizada para os serviços
militares. Logo, manter uma pessoa lá presa durante meses inviabilizaria o
próprio funcionamento regular das Forças Armadas, que não poderiam utilizar a
sala neste período.

Diante
disso, a jurisprudência conferiu uma interpretação teleológica ao dispositivo e
passou a entender que, quando a lei fala que determinada pessoa deve ficar
presa em sala de Estado-Maior, isso significa que ela deverá ficar recolhida em
um gabinete (escritório), sem celas, sem grades, e que ofereça instalações
condignas, com condições adequadas de higiene e segurança. Esse gabinete (sala)
pode ser localizado em unidades prisionais ou em batalhões da Polícia Militar.

Em
outras palavras, os advogados, membros da Magistratura, MP e Defensoria
Pública, quando forem presos provisoriamente, não precisam ficar em uma sala
dentro do Comando das Forças Armadas, mas devem ser recolhidos em um local equiparado à sala de Estado-Maior, ou seja, em um
ambiente separado, sem grades, localizado em unidades prisionais ou em
batalhões da Polícia Militar, que tenha instalações e comodidades adequadas à
higiene e à segurança do preso.

STF. Plenário. Rcl 5826/PR e Rcl 8853/GO, rel. orig. Min. Cármen
Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgados em 18/3/2015 (Info 778).

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

João (advogado) foi condenado a
uma pena de 8 anos de reclusão, tendo sido a ele assegurado na sentença o
direito de recorrer em liberdade.

O réu interpôs apelação, mas o
Tribunal de Justiça manteve a condenação.

Contra esse acórdão, João
interpôs, simultaneamente, recurso especial e extraordinário.

João, que passou todo o processo
em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e
extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto
se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que
o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena
mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado?

SIM. Conforme
entendimento atual do STF, é possível iniciar a execução da pena se o réu
condenado somente está esperando o julgamento de recursos especial e
extraordinário. Isso porque tais recursos não gozam de efeito suspensivo. Nesse
sentido:

A
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal,
ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º,
inciso LVII, da Constituição Federal.

STF. Plenário virtual. ARE 964246 RG,
Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/11/2016 (repercussão geral).

Até aqui, tudo bem, sem
polêmicas. A dúvida surge agora: esse réu condenado, por ser advogado, deverá
ser preso em uma sala equiparada à sala de Estado-Maior enquanto aguarda o
julgamento dos recursos especial e extraordinário? A prerrogativa da prisão em
sala de Estado-Maior (art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94) continua existindo mesmo
que já estejamos na fase de execução provisória da pena?

NÃO.

Em
caso de execução provisória da pena, o advogado condenado não mais possui o
direito de permanecer preso em sala de Estado-Maior.

A
prerrogativa conferida aos advogados pelo art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94
refere-se à prisão cautelar, não se aplicando para o caso de execução
provisória da pena (prisão-pena).

STJ. 6ª Turma. HC 356.158/SP, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/05/2016.

E o STF, entende da mesma forma?

O STF ainda não possui uma
decisão expressa sobre o tema, mas há um precedente que pode servir de
indicativo da tendência da Corte. Vou explicar. A situação foi a seguinte:

O TJ manteve a condenação de
Pedro (advogado), que interpôs RE e REsp contra o acórdão.

Como esses recursos não gozam de
efeito suspensivo, o Desembargador determinou que o condenado iniciasse o
cumprimento da pena (execução provisória da pena).

Pedro pediu para ficar em sala de
Estado-Maior e o Desembargador negou, utilizando justamente os argumentos acima
explicados, ou seja, o de que a prerrogativa conferida aos advogados pelo art.
7º, V, da Lei nº 8.906/94 refere-se apenas à prisão cautelar, não se aplicando
para o caso de execução provisória da pena (prisão-pena).

Contra esta decisão do
Desembargador, a defesa de Pedro ingressou com reclamação diretamente no STF
alegando que houve desrespeito ao que o Supremo teria decidido na ADI 1.127/DF.

Essa ADI foi proposta contra o
Estatuto da OAB e, na ocasião, o STF decidiu que o art. 7º, V, da Lei nº
8.906/94 era constitucional, com exceção do trecho “assim reconhecidas pela
OAB” (veja novamente a explicação acima).

O STF rejeitou a reclamação
afirmando que:

• Se a condenação do réu foi
confirmada em 2ª instância e ele somente está aguardando RE e REsp, então,
neste caso, a sua custódia não tem mais natureza cautelar, sendo, na verdade,
uma prisão-pena.

• Mesmo não tendo havido ainda o
trânsito em julgado, esta é uma prisão-pena.

• O STF, ao julgar a ADI
1.127/DF, não discutiu se o direito de o advogado permanecer recolhido em sala
de Estado-Maior se estende ou não ao preso em razão de acórdão penal
condenatório de 2º grau. Como na época da ADI 1.127/DF, o STF não admitia a
execução provisória da pena, esse tema não foi debatido na ocasião.

• Logo, não se pode dizer que a
decisão do Desembargador que negou a prisão em sala de Estado-Maior para o condenado
em 2ª instância tenha violado o acórdão do STF na ADI 1.127/DF. Não violou
porque isso não se discutiu neste acórdão.

• Dessa forma, não há identidade
fática entre o ato reclamado e o julgado na ação paradigma.

STF. 2ª Turma. Rcl 25111 AgR/PR,
Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2017 (Info 865).

Assim, não se pode dizer, ainda,
qual é a posição do STF a respeito do tema.

Vale ressaltar que já existe uma
decisão monocrática do Min. Celso de Mello no mesmo sentido do STJ, ou seja,
afirmando que não mais existe direito à sala de Estado-Maior se o advogado foi
condenado em 2ª instância: STF. Decisão monocrática. HC 135711, Rel. Min. Celso
de Mello, julgado em 24/10/2016.

Resumindo:

A prerrogativa conferida ao
advogado da prisão em sala de Estado-Maior (art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94)
continua existindo mesmo que já estejamos na fase de execução provisória da
pena?

Redação literal da Lei: SIM

STJ: NÃO

STF

O
art. 7º, V afirma que o advogado terá direito de ser preso em sala de
Estado-Maior até que haja o trânsito em julgado.

A
prerrogativa conferida aos advogados pelo art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94
refere-se à prisão cautelar, não se aplicando para o caso de execução
provisória da pena (prisão-pena).

STJ.
6ª Turma. HC 356.158/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
19/05/2016.

Ainda
não tem posição expressa sobre o tema. No entanto, a Corte não admite
reclamação contra decisões dos Tribunais que determinam a prisão dos
advogados condenados em 2ª instância em unidades prisionais comuns.

STF.
2ª Turma. Rcl 25111 AgR/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2017
(Info 865).

Artigo Original em Dizer o Direito

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