Imagine a seguinte situação
hipotética:

João é servidor público e, diante
da existência de indícios de que ele teria praticado infração disciplinar, a
autoridade competente instaurou contra ele processo administrativo disciplinar.
Durante a instrução, a comissão
processante requisitou do setor de informática do órgão público que fornecesse
cópia do conteúdo das correspondências eletrônicas recebidas e enviadas por
João em seu e-mail funcional (joão.ratã[email protected]).
O pedido da comissão processante
foi feito com base no regimento interno do órgão e no termo de uso do e-mail, que
preveem expressamente que a Administração Pública poderá monitorar os e-mails
funcionais dos servidores.
Os conteúdos dos e-mails
revelaram que João realmente praticou a infração disciplinar que estava sendo
apurada.
João impetrou mandado de
segurança sustentando que a prova colhida foi ilícita, pois para a quebra do
sigilo das comunicações telemáticas, exige-se autorização judicial, que não
houve no caso concreto.
A tese de João foi aceita pelo
STJ? A prova colhida foi ilícita?
NÃO.
As informações obtidas por monitoramento de
e-mail corporativo de servidor público não configuram prova ilícita quando relacionadas
com  aspectos “não pessoais” e
de interesse da Administração Pública e da própria coletividade, especialmente quando
exista, nas disposições normativas acerca do seu uso, expressa menção da sua
destinação somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, bem como
advertência sobre monitoramento e acesso ao conteúdo das comunicações dos
usuários para cumprir disposições legais ou instruir procedimento
administrativo
.
STJ. 2ª Turma.
RMS 48.665-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15/9/2015 (Info 576).
Sigilo das comunicações
telemáticas

A
CF/88 protege o sigilo das comunicações telemáticas. Assim, a quebra do sigilo
de dados telemáticos deve ser vista como uma medida extrema, considerando que
restringe direitos consagrados na Carta Magna:

Art. 5º (…)
X – são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;  
(…)
XII – é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal; 
Apesar disso, este não é um
direito absoluto, podendo sofrer restrições, assim como quaisquer outros
direitos fundamentais, os quais, embora formalmente ilimitados (isto é,
desprovidos de reserva), podem ser restringidos caso isso se revele
imprescindível à garantia de outros direitos constitucionais.
No presente processo, não há de
se falar em indevida violação de dados telemáticos. Isso porque o servidor fez
uso de e-mail corporativo para cometimento dos ilícitos. A proteção da
intimidade no ambiente de trabalho (seja no setor público ou privado) limita-se
às informações familiares, da vida privada, política, religiosa e sindical, mas
não pode servir de escudo para acobertar ilícitos.
Sendo o e-mail corporativo um
instrumento de trabalho, que é utilizado para assuntos relacionados com a
empresa (no setor privado) ou com o órgão público, a imagem e a honra a serem
respeitadas são as do empregador, no caso, o órgão público, haja vista que
tanto o computador quanto o e-mail corporativo não são de propriedade do
servidor, mas para o uso exclusivo do serviço e em benefício do trabalho, nunca
para fins pessoais, especialmente quando se trata de fins ilícitos.
Não há, portanto, violação à intimidade
do empregado ou servidor quando o e-mail corporativo é monitorado. A reserva da
intimidade no âmbito de trabalho limita-se às informações familiares, da vida
privada, política, religiosa e sindical.
No âmbito do
setor privado, este também tem sido o entendimento do TST sobre o tema,
conforme se observa a partir do seguinte precedente:
PROVA ILÍCITA. E-MAIL
CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO.
1. Os sacrossantos
direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência,
constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal,
ainda que virtual (-e-mail- particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou
particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da
proteção constitucional e legal de inviolabilidade.
2. Solução diversa
impõe-se em se tratando do chamado -e-mail- corporativo, instrumento de
comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de
computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico
que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele
trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso
corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza
jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo
empregador ao empregado para a consecução do serviço.
(…)
4. Se se cuida de e-mail-
corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas
ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de
propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e
sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do
empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código
Civil, art. 932, inc. III), bem como que está em xeque o direito à imagem do
empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Sobretudo,
imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de -e-mail- de seu
empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente
podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de
privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e
Reino Unido).
5. Pode o empregador
monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail
corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal
quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim
obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio
de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art.
5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. (…)
(TST. 1ª Turma. RR
61300-23.2000.5.10.0013, Rel. Min. João Oreste Dalazen, julgado em 18/05/2005,
DJ 10/06/2005)

Artigo Original em Dizer o Direito

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