Natural de Ibiá (MG), o ministro Afrânio Vilela tomou posse no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no último dia 22, após 18 anos de atuação como desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), corte na qual exerceu o cargo de vice-presidente. No STJ, ele ocupa a vaga decorrente do falecimento do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em abril, e foi designado para integrar a Primeira Seção e a Segunda Turma, colegiados de direito público.​​​​​​​​​

Ministro Afrânio Vilela, membro da Primeira Seção e da Segunda Turma do STJ.

Da sua experiência de 35 anos de magistratura, Vilela traz a crença na conciliação como mecanismo permanente de solução de conflitos, mesmo nos tribunais superiores. Para desafogar o Judiciário e aumentar a celeridade nos julgamentos, o magistrado mineiro acredita no reforço à cultura judicial de aplicação dos precedentes e no aprimoramento das soluções tecnológicas, a exemplo da inteligência artificial (IA). 

"Enquanto a máquina, por seu sistema, realiza esse trabalho ##repetitivo## e sem criação, abre-se espaço e tempo para que julgadores e servidores se debrucem sobre as novas causas e aquelas que exigem o raciocínio humano. É questão de gestão estratégica do Judiciário", afirma.

Confira, abaixo, a entrevista do novo ministro do STJ.

O senhor chega ao STJ após quase 35 anos de carreira como magistrado. Como a experiência em diversos cargos da magistratura mineira irá contribuir para sua atuação no tribunal?

Afrânio Vilela – Creio que a maior contribuição será minha conduta de colegiado que apurei nesses 35 anos de magistratura. São mais de 20 anos na segunda instância, tendo passado por quase todos os cargos e funções do Judiciário. A conciliação foi uma característica de minha atuação. Os cargos administrativos ensejaram-me ser gestor de processos e de pessoas colaboradoras para que a prestação jurisdicional seja mais eficiente, célere, segura e em ambiente de interação positiva.

Apesar dos esforços recentes para diminuir o estoque de processos, a exemplo dos recursos repetitivos e do filtro de relevância (que aguarda regulamentação do Congresso Nacional), o STJ ainda precisa lidar com a questão da elevada quantidade de ações que aportam no tribunal. Para o senhor, seriam necessários outros mecanismos – no âmbito legal ou em outro nível – para tratar deste problema?

Afrânio Vilela – O estoque de processos é problema para o Judiciário como um todo. O regulamento para a filtragem de relevância temática recursal é aguardado com muita esperança. Penso que o caminho está correto. O novo sistema de acompanhamento de processos e de julgamento ajudará a racionalizar tarefas, aumentar a produtividade e obter segurança jurídica. Sou ardoroso defensor da sistemática de aplicação de precedentes de cumprimento obrigatório a partir das teses fixadas. O direito é aplicado com equidade. As mesmas regras são usadas para os mesmos fatos jurídicos. O resultado no acervo foi fantástico no TJMG.

Além do incentivo à conciliação e do reforço à importância dos juizados especiais, penso que a aplicação de algumas técnicas previstas no Código de Processo Civil, como a conexão de ações, pode contribuir para a melhoria da gestão processual no Judiciário. E sendo a questão decidida por uma turma julgadora de segunda instância, os votos tornam-se mais céleres e a prestação jurisdicional mais isonômica e segura. Facilita também a instauração de um IRDR, ou se a questão tem a ver com a importância da temática, um IAC.

Por fim, o mesmo comportamento é aplicável aos tribunais superiores, no que tange a essa possibilidade dos julgamentos conjuntos e simultâneos pelos magistrados preventos. Concentra-se a elaboração de um voto, que será aplicado igualmente aos casos iguais, segundo as mesmas regras de direito. E ainda há a possibilidade de auxílio da IA para replicar o padrão, quando desnecessária a análise de prova, por exemplo, eis que a inteligência humana não é substituída na decisão de situações não consumadas por uma tese de cumprimento obrigatório. Deve ser criada e incentivada essa sistemática, penso eu. Dessa forma, discussões não seriam renovadas, ressalvadas as hipóteses legais.

O STJ, em geral, julga casos que já tramitam na Justiça há muitos anos. Apesar disso, recentemente, o tribunal conseguiu realizar alguns acordos e reforçar a ideia de que a conciliação não deve ser abandonada em nenhuma instância. O senhor considera possível ampliar a resolução consensual de conflitos ao nível dos tribunais superiores? De que forma?

Afrânio Vilela – Fiquei imensamente feliz quando percebi essa atitude de gestão de recursos também utilizada pelo Tribunal da Cidadania, que é a conciliação. A conciliação ajudou na minha história no Judiciário. Em 1994, o TJMG instituiu um programa por meio do qual um desembargador e um juiz compareciam às comunidades para ouvirem e conciliarem. Eu sempre fui um deles, como juiz e depois como desembargador. Fizemos importantes acordos para pessoas que não tinham acesso ao Judiciário. Pequenos valores, grandes reparações de relações. Compúnhamos o litígio e recuperávamos a relação social dos envolvidos. Fazíamos a paz.

No TJMG, há um centro de mediação e conciliação de segundo grau muito atuante. A conciliação cabe, ao que penso, em qualquer momento do trâmite processual, inclusive recursal perante os tribunais superiores. Torço para isso.

No âmbito tecnológico, uma das questões que têm sido debatidas no Judiciário é a aplicação da inteligência artificial (IA) não só na organização do fluxo processual, mas na própria atividade jurisdicional. Como o senhor enxerga o papel da IA no Judiciário?

Afrânio Vilela – Penso que a resolução integral do conflito, inclusive pelo sistema de precedentes qualificados, é dever do Judiciário, que deve utilizar os mecanismos processuais e tecnológicos para concretizá-lo, e assim uniformizar e estabilizar a jurisprudência, mantendo-a íntegra e coerente. Evidentemente que a IA não substitui a inteligência cognitiva, e assim o ser humano continua a comandar a máquina, segundo o sistema a ser utilizado em prol desse poder/dever de prestar a jurisdição, especialmente nos casos de precedentes obrigatórios.

Durante nossa gestão no TJMG, a IA foi usada com resultado positivo. No âmbito do cumprimento de precedentes obrigatórios, a partir da definição da tese, padrões eram carregados no sistema e a IA se encarregava de identificar os recursos com matérias iguais, a minuta de voto era apresentada ao relator, que poderia acolher, modificar em parte ou rejeitar.

A IA não cria o padrão; este é fruto da atividade humana, programadora. Ela apenas identifica parâmetros e aplica o padrão. Enquanto a máquina, por seu sistema, realiza esse trabalho ##repetitivo## e sem criação, abre-se espaço e tempo para que julgadores e servidores se debrucem sobre as novas causas e aquelas que exigem o raciocínio humano. É questão de gestão estratégica do Judiciário. 

Contudo, é preciso ações conjuntas entre as instituições que permeiam esse processo para que seus membros estejam aptos a usarem as tecnologias e a IA; compreendendo e valorizando-as, em seu papel evolutivo, porque assim a sociedade contemporânea o exige. É preciso dar o grande pulo da borda do passado de papel e material para o futuro eletrônico, imaterial e tecnológico, segundo as possibilidades, hoje compreendidas como IA, mas que são dependentes da habilidade humana, friso.

Na opinião do senhor, quais são os principais desafios a serem enfrentados pelo STJ nos próximos anos, tanto do ponto de vista judicial quanto institucional?

Afrânio Vilela – Penso que tanto o STJ quanto os demais tribunais pátrios são testados diuturnamente pela sociedade, a qual espera que as cortes tenham a capacidade de reduzir o tempo de duração de tramitação processual, bem como a quantidade de processos que aguardam julgamento.

É preciso equalizar entradas e saídas de processos em tempo razoável e com segurança, realizando parcerias para atender aos objetivos constitucionais do Judiciário.

A Constituição completou 35 anos no mês passado. Muita coisa mudou para melhor nesse período, mas ainda há muito por fazer. Na sua opinião, qual o ponto em que o Brasil mais tem falhado na tarefa de tornar os direitos da Carta de 88 uma realidade concreta para a população?

Afrânio Vilela – Coerente, em minha vida de juiz, obedeci a princípios e garantias constitucionais, em nossa seara, notadamente o direito ao devido processo legal e à amplitude de defesa, sem me descurar, ainda, da observância às relevantes transformações sociais advindas da evolução social, especialmente em função de nossa Carta da República, que garantiu inúmeros direitos ao povo e atribuiu deveres ao Estado. Essa equalização necessita ser cumprida, até o final. E o Brasil ainda tem débitos históricos a serem resgatados com a sociedade em diversos segmentos.

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