Crianças
e adolescentes podem trabalhar?

O
art. 7º, XXXIIII, da CF/88 prevê que:


criança não pode trabalhar;


adolescente pode trabalhar a partir de 14 anos, na condição de aprendiz;


a partir de 16 anos, o adolescente pode trabalhar normalmente (mesmo sem ser
aprendiz), salvo se for um trabalho noturno, perigoso ou insalubre;


trabalho noturno, perigoso ou insalubre só pode ser realizado por maiores de 18
anos.

Alguns
de vocês podem estar se perguntando: mas eu já vi criança “trabalhando” em
filmes e novelas… Como isso é possível? É permitido que uma criança ou
adolescente “trabalhe” em um filme, novela, peça de teatro etc.? É possível a
participação de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos?

SIM.
A doutrina e a jurisprudência entendem que é possível o trabalho de crianças e
adolescentes em espetáculos artísticos, mesmo antes da idade mínima prevista no
art. 7º, XXXIII, da CF/88.

Um
dos fundamentos para isso está no artigo 8º, 1, da Convenção 138 da OIT, que
autoriza a participação de crianças e adolescentes em “representações
artísticas”.

Exige-se
alguma autorização especial para isso?

SIM. O ECA (Lei nº 8.069/90) exige um pronunciamento
judicial para esses casos. Confira:

Art. 149.
Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar,
mediante alvará:

(…)

II – a
participação de criança e adolescente em:

a)
espetáculos públicos e seus ensaios;

(…)

§ 1º Para
os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta,
dentre outros fatores:

a) os
princípios desta Lei;

b) as
peculiaridades locais;

c) a
existência de instalações adequadas;

d) o tipo
de frequência habitual ao local;

e) a
adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes;

f) a
natureza do espetáculo.

Sempre se entendeu que a competência
para esse ato era da Vara da Infância e Juventude (Justiça Estadual). Até mesmo
porque é essa a redação expressa do art. 146 do ECA:

Art. 146.
A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o
juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.

Ocorre que, em 2004, com a EC 45, surgiu
uma nova tese a respeito do tema. Isso porque esta Emenda ampliou o rol de
competências do art. 114 da CF/88 e parcela da doutrina e jurisprudência passou
a defender que a competência para autorizar a participação de crianças e
adolescentes em “representações artísticas” seria agora da Justiça do Trabalho,
com base no art. 114, I e IX, da CF/88:

Art. 114.
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as
ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;

(…)

IX – outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

O
STF concordou com esta tese?

NÃO. O STF, ao julgar medida cautelar
na ADI 5326/DF, decidiu que:

Compete à Justiça Comum Estadual (juízo
da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação
de crianças e adolescentes em representações artísticas.

STF.
Plenário. ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/9/2018 (Info
917).

Proteção
das crianças e adolescentes

A
CF/88 dedicou um capítulo para tratar sobre a família, a criança, o
adolescente, o jovem e o idoso.

No art. 227 prevê que:

Art. 227.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

O
legislador ordinário, ao concretizar o comando do art. 227 da CF/88, editou o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e previu a chamada “Justiça da
Infância e da Juventude”.

O
ECA determinou, então, que o Juiz da Infância e da Juventude é a autoridade
judiciária responsável pelos processos de tutela integral das crianças e
adolescentes.

Trata-se
de competência fixada em razão da matéria, de caráter absoluto, e em proveito
da especial tutela requerida pelo grupo de destinatários: crianças e
adolescentes.

Competência
para autorizar a participação em eventos artísticos

Uma
das atribuições impostas ao Juiz da Infância e da Juventude foi justamente a de
autorizar a participação de menores em eventos artísticos (art. 149, II do ECA),
autorização a ser implementada mediante a expedição de alvará específico.

Natureza
cível da cognição (ausência de discussão quanto à relação de trabalho)

No
§ 1º do art. 149 estão listados os fatores que o juiz deverá levar em
consideração para conferir a referida autorização. Ao se analisar tais fatores,
percebe-se que o magistrado faz uma cognição de “natureza cível”, não havendo exame
de “relação de trabalho”. A análise se faz acerca das condições da
representação artística. O juiz deve investigar se essas condições atendem à
exigência de proteção do melhor interesse do menor, contida no art. 227 da
CF/88.

Assim,
o referido pedido de autorização possui natureza eminentemente cível,
relacionado ao Direito da Criança e do Adolescente. A sua causa de pedir
envolve a verificação da preservação integral dos direitos do menor, como, por
exemplo, educação, saúde, alimentação, convivência familiar, cultura e dignidade,
que não podem ser prejudicados pelo desempenho da atividade artística.

O
Juízo da Infância e da Juventude é a autoridade que reúne os predicados e as
capacidades institucionais necessárias para a realização de exame de tamanha
relevância e responsabilidade.

Dessa
forma, o art. 114, I e IX, da CF/88, que estabelece a competência da Justiça do
Trabalho, não alcança os casos de pedido de autorização para participação de
crianças e adolescentes em eventos artísticos, considerando que não há, no
caso, conflito atinente a relação de trabalho.

Vale
ressaltar que esse é também o entendimento do STJ:

O pedido de alvará para autorização de
trabalho a menor de idade é de conteúdo nitidamente civil e se enquadra no
procedimento de jurisdição voluntária, inexistindo debate sobre qualquer
controvérsia decorrente de relação de trabalho, até porque a relação de
trabalho somente será instaurada após a autorização judicial pretendida.

STJ. 1ª Seção. CC 98.033/MG, Rel. Min.
Castro Meira, julgado em 12/11/2008.

Caso
concreto julgado pelo STF:

Alguns
Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais do Trabalho, em conjunto com
Ministérios Públicos Estadual e do Trabalho editaram recomendações dizendo que a
competência para autorizar a participação de crianças e adolescentes em espetáculos
artísticos seria da Justiça do Trabalho. Foi o caso, por exemplo:


da Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do
Trabalho, e dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, todos do Estado de
São Paulo; e


da Recomendação Conjunta 1/2014, dos Ministérios Públicos estadual e do
Trabalho, e das Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Trabalho, todos do
Estado de Mato Grosso.

Além
disso, o TRT da 2ª Região também baixou um Provimento (GP/CR 7/2014) no mesmo sentido.

A
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) ajuizou ADI
contra esses atos normativos.

Em
2015, Ministro Relator Marco Aurélio, monocraticamente, deferiu liminar para suspender
os atos e para determinar que os pedidos de autorização de trabalho artístico
para crianças e adolescentes fossem apreciados pela Justiça Comum.

Em
2018, o STF referendou a medida liminar concedida e suspendeu a eficácia das
normas impugnadas. Para a maioria dos Ministros, a matéria é de competência da
Justiça comum.

Os
Ministros entenderam que os atos normativos impugnados possuem vícios de
inconstitucionalidade formal e material:


Inconstitucionalidade formal: os dispositivos tratam da distribuição de
competência jurisdicional e da criação de juízo auxiliar da Infância e da
Juventude no âmbito da Justiça do Trabalho, porém não foram produzidos mediante
lei.


Inconstitucionalidade material: os referidos atos normativos determinam uma
competência da Justiça do Trabalho que não encontra respaldo na Constituição
Federal, violando, portanto, os arts. 114 e 227 da CF/88.

Artigo Original em Dizer o Direito

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