Foi publicado hoje o Decreto nº
10.674/2021, que inclui a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos no Programa
Nacional de Desestatização.

Trata-se de mais um passo no processo
de privatização dos Correios, no entanto, longe de ser ainda o último, conforme
se demonstrará.

Antes de verificarmos o que diz o
Decreto nº 10.674/2021, é necessário entendermos um pouco mais o que é a
desestatização, regulada pela Lei nº 9.491/97.

 

Lei de Desestatização

A Lei nº 9.491/97 tratou sobre o
Programa Nacional de Desestatização.

O que é
desestatização?

“Desestatizar
significa retirar do domínio do Estado determinadas atividades e transferi-las
aos particulares, visando à maior eficiência na prestação delas e redução de
custos. Isso ocorre por meio da privatização, em que se transferem empresas
estatais a particulares, ou por meio de concessão ou permissão de serviços
públicos. Esses dois últimos institutos permitem que particulares executem
serviços públicos que antes eram prestados pelo Estado. A titularidade
permanece sob o domínio estatal, sendo a execução repassada a particulares.”
(SCATOLINO, Gustavo; TRINDADE, João. Manual Didático de Direito
Administrativo
. 6ª ed., Salvador: Juspodivm, 2018, p. 270).

 

Definição legal (art. 2º, § 1º)

A Lei nº
9.491/97 traz a seguinte definição:

Art. 2º
(…)

§ 1º Considera-se
desestatização:

a) a
alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de
outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger
a maioria dos administradores da sociedade;

b) a
transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos
explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem
como daqueles de sua responsabilidade.

c) a
transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos
termos desta Lei.

 

O que pode ser objeto da desestatização

Poderão ser objeto de desestatização,
dentre outros:

1) empresas controladas direta ou indiretamente
pela União;

2) serviços públicos objeto de
concessão, permissão ou autorização;

3) bens móveis e imóveis da União.

 

 

Como é executada a desestatização?

A Lei prevê várias modalidades, como,
por exemplo:

1) alienação de participação societária
(“venda” das ações);

2) abertura de capital;

3) aumento de capital, com renúncia ou
cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição;

4) alienação, arrendamento, locação,
comodato ou cessão de bens e instalações;

5) concessão, permissão ou autorização de
serviços públicos.

Normalmente, a desestatização ocorre
mediante alienação da participação societária mediante prévia licitação, na
modalidade de leilão.

 

É necessária a edição de lei específica
para a inclusão de uma empresa estatal no programa de desestatização?

Em regra, não.

Segundo decidiu o STF:

É
desnecessária, em regra, lei específica para inclusão de sociedade de economia
mista ou de empresa pública em programa de desestatização.

Para a
desestatização é suficiente a autorização genérica prevista em lei que veicule
programa de desestatização (no caso, a Lei nº 9.491/97).

Exceção:
em alguns casos a lei que autorizou a criação da empresa estatal afirmou
expressamente que seria necessária lei específica para sua extinção ou
privatização; nesses casos, obviamente, não é suficiente uma lei genérica (não
basta a Lei nº 9.491/97), sendo necessária lei específica.

STF.
Plenário. ADI 6241/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6/2/2021 (Info 1004).

 

Voltando ao caso específico dos
Correios

O Decreto nº 10.674/2021 incluiu os
Correios no Programa Nacional de Desestatização – PND.

Vale relembrar que os Correios, cuja
nomenclatura oficial é Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) possui
natureza jurídica de empresa pública federal.

 

Como será feita essa desestatização?

A desestatização será feita mediante a
alienação do controle societário dos Correios.

Além disso, haverá, em conjunto, a
celebração de um contrato de concessão, de modo contínuo e com modicidade de
preços, dos seguintes serviços postais universais:

a) carta, simples ou registrada;

b) impresso, simples ou registrado;

c) objeto postal sujeito à
universalização, com dimensões e peso definidos pelo órgão regulador; e

d) serviço de telegrama, onde houver a
infraestrutura de telecomunicações necessária para a sua execução.

 

A empresa que assumir essa atividade
deverá prestar concomitantemente:

· os
serviços de correspondências e objetos postais;

· e, de
forma integrada, os serviços de atendimento, tratamento, transportes e
distribuição.

 

Os serviços deverão ser prestados,
obrigatoriamente, com abrangência nacional.

O contrato de concessão deverá exigir a
da empresa que preste serviços de interesse social, em condições diferenciadas.

 

Está tudo pronto, portanto, para a
desestatização dos Correios? Já existe um prazo certo para isso ocorrer?

NÃO. Existe um entrave jurídico
relacionado não diretamente com a alienação do controle societário dos
Correios, mas sim com o regime jurídico dos serviços postais.

 

Serviços postais

Compete à União manter o serviço postal
(art. 21, X, da CF/88). A União faz isso por meio dos Correios.

A CF/88
também assegura à União a competência privativa para legislar sobre serviço
postal (art. 22, V).

Os serviços
postais são regulados pela Lei nº 6.538/78, que prevê:

Art. 2º O
serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de
empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

(…)

Art. 9º
São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades
postais:

I –
recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para
o exterior, de carta e cartão-postal;

II –
recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para
o exterior, de correspondência agrupada:

III –
fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.

 

Vale ressaltar que a prestação
exclusiva de serviço postal pela União não engloba a distribuição de boletos
bancários, de contas telefônicas, de luz e água e de encomendas, pois a
atividade desenvolvida pela União (por meio da ECT) restringe-se ao conceito de
carta, cartão-postal e correspondência agrupada (ADPF 46). Isso significa que
empresas privadas podem fazer os serviços de distribuição de boletos, contas e
encomendas. Exs: DHL, UPS, Fedex. Confira trecho da ementa da ADPF 46:

(…) 3. A
Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do
serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X].

4. O
serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos –
ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo
decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969.

(…)

6. A
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de
exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de
privilégio, o privilégio postal.

(…)

8.
Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por
maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da
Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no
artigo 9º desse ato normativo.

STF.
Plenário. ADPF 46, Rel. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Eros Grau, julgado
em 05/08/2009.

 

De qualquer forma, essa Lei nº 6.538/78
precisará ser adaptada para autorizar expressamente que a União preste esses
serviços não apensa por meio de empresa pública, como diz o art. 2º, mas também
mediante concessão.

A tendência é a de que a Lei nº
6.538/78 não seja simplesmente alterada, mas sim revogada, com a edição de um
novo marco legal voltado a disciplinar os serviços postais. Essa é a intenção
do Projeto de Lei 591/2021, enviado pelo Poder Executivo no início deste ano à
Câmara dos Deputados.

 

O Projeto de Lei 591/2021 autoriza que
os serviços postais possam ser explorados pela iniciativa privada, inclusive
aqueles que são prestados em regime de “monopólio” (rectius: situação de
privilégio), como:

a) carta, simples ou registrada;

b) impresso, simples ou registrado;

c) objeto postal sujeito à
universalização, com dimensões e peso definidos pelo órgão regulador; e

d) serviço de telegrama, onde houver a
infraestrutura de telecomunicações necessária para a sua execução.

 

Pela proposta, a União manteria para si
uma parte dos serviços, chamada de “serviço postal universal”, que inclui
encomendas simples, cartas e telegramas. O motivo é o de não gerar discussões
sobre a constitucionalidade da proposta já que o art.  22, X, da CF/88 afirma expressamente que
compete à União “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”.

Ainda segundo a proposta, o serviço
postal universal poderá ser prestado pelos Correios, transformado em sociedade
anônima com o nome de Correios do Brasil S.A., ou por empresa privada que
receber a concessão.

O novo operador (Correios ou
concessionário) será obrigado a praticar a modicidade de preços e cumprir metas
de universalização e de qualidade definidas pelo governo dentro da política
postal brasileira. Existe a possibilidade de haver mais de um operador por
região.

O projeto também estabelece que a
Anatel será a agência responsável por regular o mercado de serviços postais no
Brasil. Com isso, a Anatel passaria a se chamar Agência Nacional de
Telecomunicações e Serviços Postais.

O projeto também traz regras para que
isso seja feito, como, por exemplo, exigências da abrangência dos serviços,
contrapartidas sociais, condições de universalidade dos serviços, entre outros.

A discussão quanto a esse projeto de
lei é a etapa do processo que certamente gerará maiores discussões políticas e
jurídicas entre as pessoas favoráveis e contrárias à desestatização dos
serviços postais, podendo, ou não, vir a ser aprovado.

  

Artigo Original em Dizer o Direito

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